Usina de Letras
Usina de Letras
17 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62287 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10389)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5459)

Infanto Juvenil (4781)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140819)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6211)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->36. SOB O AMPARO DA CLASSE -- 03/01/2003 - 07:43 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando entramos no salão das reuniões gerais, notei que havia maior congraçamento entre todas as equipes, tal como ocorrera com a nossa. O comentário geral era sobre as conquistas de benfeitorias, através das discussões sobre os casos reais. Alguns companheiros estavam particularmente esfuziantes, por terem sido alvo das apreciações dos colegas. Eu também deveria sentir-me confortado, mas, na verdade, estava ainda confuso com as revelações íntimas. Acostumado à reflexão distante do bulício natural dos grupos, punha-me resguardado, para poder, mais tarde, avaliar a extensão e a propriedade das observações que me diziam respeito. Mesmo quando sob a tutela direta de Honorato, esperava a calma da noite para pôr em ordem os pensamentos.

Quando Mário chegou, um pouco atrasado, havia dado tempo de conversar com os antigos colegas de grupo, para sondar a respeito de quanto tinham avançado no estudo dos procedimentos assistenciais. A maioria reclamava de que houvera superficialidade nas pesquisas, devido ao primeiro texto ter sido por demais complexo.

Mário começou a preleção:

— O atraso do professor foi proposital. Quis dar aos amigos oportunidade de, informalmente, trocarem impressões. Sei que há algumas disparidades quanto ao aproveitamento, porque, enquanto uns se dedicaram às pesquisas vocabulares e conceituais, outros buscaram comparar as personalidades dos assistentes e dos assistidos com a própria ou com as dos colegas. Não é isso mesmo?

Ninguém se atreveu a questionar as observações. Mário prosseguiu:

— Como estão os computadores individuais ligados à central de organização curricular, as estatísticas das consultas se montam à medida que os estudantes vão levando adiante o projeto. Assim, os professores podem tomar o pulso da classe, sem necessidade de consultar um a um, em longos interrogatórios. Alguém deseja perguntar?

Olhei para Maria e para Reginaldo, os que, no meu modo de entender, poderiam levantar algum ponto para reflexão do grupo. Maria indicou-me o receptor de mensagens com os olhos, pois queria comunicar-se comigo. Li o que lá se encontrava:

“Você não acha que deveria perguntar ao Professor a respeito de suas atividades extracurriculares?”

Achei interessante, mas não me atrevi. Devolvi-lhe o recado:

“Mais tarde.”

Como ninguém se tivesse manifestado, Mário prosseguiu:

— O pessoal pode não ter gostado cem por cento do desenvolvimento dos trabalhos de reflexão, entretanto, os que tiveram ensejo de se verem debaixo do aconselhamento devem ter impressões indeléveis para transmitir aos demais. Que se reúnam no centro os que foram objeto desse estímulo adicional.

Tínhamos decidido que o representante do grupo seria Reginaldo, mas me vi forçado a me revestir da função.

Maria insistiu:

“Aproveite a oportunidade!”

Olhei para ela e sorri. Parecia que me empurrava para a boca hiante do dragão da consciência culpada. Mas não me preocupei, dado que todos iríamos, um dia ou outro, nos vermos sob as lentes perquiridoras da classe reunida. Era fatal que alguém viesse a ser o primeiro e esse alguém poderia ser eu mesmo.

Mário determinou que falasse em primeiro lugar quem não tivesse certeza de ter sido bem analisado e aconselhado. Dada a euforia dos demais, precisei ser coerente com o procedimento habitual. Puxei a sardinha para minha brasa:

— Não sei se deverei ser eu o mais indicado para estar nesta situação. Contudo, como não pude digerir totalmente as informações que os colegas me passaram, não me sinto tão alegre e saltitante quanto eles.

Na roda em destaque, não poderia faltar Onofre. Foi quem colocou ordem no debate:

— Vamos ouvir o que Roberto nos tem para dizer. Se alguém se considerar mais necessitado, interrompe e expõe.

Aceito o roteiro, iniciei:

— Os meus amigos resumiram minhas atividades na classe como insuficientes. Julgaram que estou dedicando-me mais profundamente às ações extracurriculares, em prejuízo do interesse em me tornar socorrista. Dado ter sido avaliado insucesso de meu benfeitor, transferiram para minha conduta o modo de ser do antigo pupilo, como resultante do desvio do procedimento do instrutor.

Na telinha do comunicador, lia-se:

“Está você de acordo?”

— Penso que estejam razoavelmente próximos da verdade. Em matéria de conclusões no campo psicológico, qualquer palpite pode conter pontos da realidade, dado que o indivíduo é sempre um ser complexo e qualquer coisa que se diga já passou pelo seu intelecto, pelo menos, quando não experimentou na vida de relações.

“Não dá para ser menos professoral?”

— Não domino a terminologia científica correspondente a esses setores dos estudos espirituais. Portanto, busco dar tonalidade às expressões que esteja no meio caminho entre o que diria um médico, um psicanalista, um psiquiatra e um professor de primeiras letras. Fui daqueles que pesquisou o sentido de cada vocábulo, terminando por não concluir o trabalho determinado, tendo ficado sem exame o caso mesmo do fracasso de meu bisavô.

“Considera essa atitude como dar primazia ao menos importante?”

— Tendo em vista o rigor metodológico da técnica descritiva aplicada por Marcelo, na apreciação dos resultados obtidos com o companheiro Juvenal, não sei como ir fundo na compreensão de seu relatório, sem entender, minimamente, os fundamentos doutrinários aplicados para que se alcançasse sucesso. Reconheço ser igualmente importante refletir sobre os fracassos dos outros dois orientadores. Foi por isso que dei a mão à palmatória e agradeci aos colegas a boa vontade de terem destinado a reunião de hoje cedo para enriquecimento de minha personalidade. Sendo assim, deverei reorganizar o tempo, determinando-me a cumprir tudo o que não for verdadeiramente do programa, após ter realizado os trabalhos estabelecidos para o dia.

“Sente-se envolvido emocionalmente, sendo objeto da investigação psíquica?”

— Tenho muita segurança, principalmente, pela ajuda incondicional das duas equipes de que participei. Se me perguntarem a respeito dos graves deslizes da minha vida, com certeza irei declará-los, sem estremecimentos.

“Você já amou alguém?”

A pergunta parecia ler no fundo de minha alma. Era a maior das minhas preocupações.

— Jesus nos pediu para que nos amássemos uns aos outros, como ele mesmo nos amou. Os mandamentos maiores regem: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Mais ainda, em seu evangelho, o Cristo perdoou os inimigos e pediu ao Pai que fizesse o mesmo, porque “eles não sabiam o que estavam fazendo”. A lição faz constar o item importantíssimo da reconciliação em vida. Ora, todos nós, discípulos, abandonamos a liça terrena por conta própria, o que me faz concluir que todos obramos exatamente de modo oposto ao determinado pela lei do amor e por todas as outras. Se “fora da caridade não existe salvação”, como concluiu Kardec, à luz dos ensinos do “Espírito de Verdade” e da plêiade enviada por Jesus para a Terceira Revelação, tendo eu e quase todos os demais vivido após o advento do Espiritismo e tendo eu e uns poucos condições de entrar em contacto com a Doutrina, posso afirmar que, se algum amor tive na vida, foi sentimento claudicante, egoísta, impositivo, próprio dos indivíduos não complacentes, cheios de si, orgulhosos, prepotentes, como me reconheço, afinal. Se me permitirem estender a observação para o período que estive sob a tutela de Honorato, posso dizer que comecei a entender o que significa amar depois de ter verificado o quanto de dedicação meu avozinho destinou a mim. Tanto que me senti constrangido, ao deparar-me com o seu nome na capa do relatório.

“Como suspeita tenham sido suas encarnações anteriores?”

— Facilmente, os companheiros perceberam que não sei quem fui em pregressos encarnes. Suspeito que tenha sido muito mau e que tenha provocado a morte, após muito sofrimento, dos que se tornaram, na derradeira peregrinação, os meus pais, irmãos, esposa, filhos e demais parentela.

“Sentiu rejeição familiar? Rejeitou os filhos?”

— Não gostaria de referir-me aos progenitores como adversários que me agasalharam fisicamente, sem dar-me o conforto moral correspondente. Senti, sim, forte rejeição, mas estou incapacitado para avaliar até que ponto não se tratava de simples revide aos meus sentimentos de desamor, de frustração... Pensando bem, poderia até ser o reflexo das vibrações que eu mesmo emitia e que voltavam contra mim, por não serem absorvidas pelos contendores.

“Você não acha que deveria ter resolvido esse problema nas sessões de reflexão?”

— Acho que tive muito medo de encontrar-me único vilão nessa história. Dado o sofrimento nas Trevas, busquei relaxar as tensões para equilibrar as reações sentimentais. Acredito que poderia ter conhecido melhor o que ocorreu comigo no ventre materno, na primeira e segunda infâncias e na adolescência. Mas parti do princípio de que era mais importante cuidar de avançar nos conhecimentos para poder aparelhar-me evangelicamente no enfrentamento da terrível condição espiritual que ostento. E também para oferecer aos desafetos (se é que realmente são, pois podem ter progredido, enquanto eu marcava passo) a segurança de digna amizade, caso me fosse impossível amá-los desde logo.

“Você está respondendo ao questionário completamente isento de emotividade? Como acha que está sua aura neste instante?”

— Sinto-me à vontade. Creio que esteja prestando um serviço aos colegas, pois demonstro como deverão postar-se perante o grupo. Faço-o sem falsa modéstia, respondendo aos impulsos do coração, no ardente desejo de ser útil. Aprendi a conviver com todos os bons amigos, tendo-os conhecido em suas fraquezas e em seus empenhos de melhoria. Sei que fariam o mesmo por mim. Apenas sou obrigado a reconhecer que não tenho o cabedal energético mais propício para abranger a todos com as vibrações adequadas, para transportar-lhes por inteiro tudo o que sou, as falhas, as qualidades, o que lhes daria razões para argumentar com autonomia e precisão sobre a melhor maneira de evitar os mesmos erros ou de facilitar a aquisição das mesmas virtudes. Não sei se descrevi o que penso da aura neste momento, mas deve estar francamente aberta para a percepção de que estou sendo absolutamente verdadeiro, naquilo que compreendo como sendo a realidade psíquica dominada pelo consciente. Perdoem-me, se não lhes passo noções superiores. Aguardarei, pacientemente, que chegue o momento feliz em que serei considerado socorrista. Até lá, prometo que irei trabalhar com afinco.

“Gostaria de acrescentar mais alguma informação de valor para o grupo?”

— Cumpri dois exercícios do curso livre a respeito de composição literária. Recomendo aos que foram aluninhos meus no hospital que passem pelos mesmos sofrimentos, para entenderem melhor como se dá a construção frásica e textual. Saibam que o “insigne” professorzinho está apanhando de dois a zero. Não bastasse não ir bem no curso principal, também estou “pererecando” no extracurricular. E ainda tenho de reconhecer que as atividades como instrutor de redação estão camuflando a saudade do orbe, naquilo que julgava dominar com maior eficácia. Eis que todos os objetivos que considerava nobres, em que fazia valer a cartilha, que sei de cor e salteado, estão a pressionar-me para a avaliação mais pejorativa do momento presente. Entretanto, estou firme como uma rocha. Como? Por ter a convicção de que nunca antes estive tão próximo de realizar algo positivo. Consagrem-se, amigos, o mais que puderem, ao conhecimento da personalidade, e não liguem muito para o resultado, considerando de antemão que não poderá ser muito agradável. Pensem em mudar para melhor, sob o amparo dos companheiros, dos professores e dos que se encontram em outras esferas a enviar emanações de amor, de compreensão e de entusiasmo pelas pequeníssimas vitórias que vamos acrescentando ao modesto acervo, a cada dia. Jesus velará por todos nós, sob o manto misericordioso do Pai.

Percebi que estava amparado fluidicamente. Seria por Mário? Por Honorato? Por Homero? Por Maciel?

Ao terminar a longa peroração, a classe manteve-se em silêncio. Mário solicitou a Reginaldo que entoasse uma canção para encerramento da aula. A belíssima voz do companheiro, mais pura que nunca, modulou, em harpejos suavíssimos, a prece de “Cáritas”:

“Deus, nosso Pai, que sois todo poder e bondade, dai força ao que passa pela provação, dai luz ao que procura a verdade, ponde no coração do homem a compaixão e a caridade...”

Quedei-me absorto sob a impressão de que as bênçãos de Deus recaíam sobre todos. Foi, então, que compreendi que os fluidos amoráveis que me inspiraram e me sustentaram durante todo o tempo da sabatina provinham de cada condiscípulo. Se, na vida, me faltara o amor das pessoas, se não propiciara felicidade a ninguém, estava obtendo de tantos generosa quota de reconhecimento e de companheirismo. Perguntava-me se teria condições para manter acesa a rica chama da solidariedade. Abaixei a cabeça, para que não me vissem chorar. Estava com muito medo de mim mesmo mas absolutamente confiante em que não seria nunca mais abandonado à própria sorte. Era o sentimento do amor, aplicado de maneira tão suave, tão delicada, tão terna. Eram as primícias da verdade evangélica.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui