CANTO PARA MINHA MORTE
(à vida)
Um dia, haveremos de nos encontrar definitivamente .
Nesse dia, gostaria que você estivesse linda,
De tal forma deslumbrante,
Que eu mesmo não a reconhecesse.
Para você, não será difícil encontrar-me .
Tenho hábitos comuns, de homem simples, humilde, sofrido.
É muito provável, que eu esteja em casa ,
No trabalho ou na escola .
Se não encontrar-me em nenhum desses lugares ,
É simples ; estarei a caminho de um deles ,
Sempre no mesmo itinerário ; trabalho, escola, casa,
Trabalho ,escola, casa. É fácil, ainda mais para você.
De minha parte vou esforçar-me
Para estar com meu melhor humor,
Ainda que seja no trabalho.
Gostaria de estar com minha roupa mais surrada .
Não como retaliação , mas porque é
A que mais gosto . Gosto dos tons de azul.
Se encontrar-me na escola, estarei rindo
Da adversidade e do paradoxo do momento .
Que paradoxo ? Você bem sabe !
Para encontrar-me com você ,
Não carecia tanto estudar.
Em casa, se nosso derradeiro encontro for lá ,
Apreciaria que encontrasse-me só.
Por nada não, apenas para não causar inveja
Para quem ficar, tendo de suportar os credores
A vida ingrata, difícil, tormentosa .
Pensando bem, em casa, é o único lugar
Onde jamais estou só. Lá existem duas “loucas”
Que suportam-me todo o tempo
E que não abandonam-me jamais !
Lá, além delas , tenho minha cerveja ,
Minhas frutas, meus livros, meus cismares ,
Minhas angústias, meus pesadelos ,
Minhas frustrações , minhas reinações de menino.
Não me leve se eu tiver
Coisas por fazer e prestes a terminar
As “loucas” não merecem ficar privadas
De minhas promessas não cumpridas.
Por elas, talvez,
Eu não não me encontrasse nunca com você ,
Ainda que estivesse linda, deslumbrantemente
Vestida de negro ! Não a amo,
Mas você certamente me levará um dia !
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