A trova que componho chega chata
E fica neste ata e não desata
De um tema, sem cabeça e sem chulé.
E o médium fica aí, alvoroçado,
Querendo e não querendo estar de lado.;
Enfim, pondo esperança e pondo fé.
Ao ver a prima estrofe resolvida,
O pobre a este poeta já convida
Para seguir avante no projeto.
E eu, sem perder tempo com a rima,
Entro disposto a mergulhar no clima
E mui me alegro, ao aceitar seu teto.
Já conformado ao tipo da poesia,
Nosso escrevente acata e avalia,
Quando as dez sílabas se põem na linha.
É exigente e não altera nada,
Desde que a trova esteja caprichada
E dentro d’alma o amor em paz se aninha.
Vamos orar, contritamente, ao Pai:
— “Senhor, nossos pecados perdoai
E ponde luz no coração da gente,
Para que a trova diga, com respeito,
Que todo o mal, um dia, terá jeito,
Se todo o bem fizermos, simplesmente.”
É inoportuno orar pedindo amor,
Que o sentimento nasce ao se dispor
Em harmonia e paz com seu irmão.
É como o verso que esta rima faz:
Se se quebrar o pé, não é capaz
De aproveitar a força deste som.
O bom amigo que nos lê o verso,
Caso se sinta neste clima imerso,
Aproveitando bem o sentimento,
Ponha uma pitadinha de malícia
E veja se consegue esta delícia:
Tornar a vida toda um só momento.
Vou explicar melhor a pobre rima.
É que, ao gostar do verso, mais se estima
A vida que se tem, sofrida, embora,
Que o verso causa dor e desprazer,
Ao lhes falar do bem e do dever,
Quando, ao cumprir o carma, se demora.
— “Por que é que o poeta dá conselho
E, logo após, me crava rijo o relho,
Como se eu fosse mau, teimoso e burro?
Será que fica alegre com o verso
Que me atribui os vícios do perverso,
Aguardando, afinal, este meu urro?”
Respeito ao bom leitor é o fundamento
Da lei que rege o verso, no momento
Em que se dá a leitura, com amor,
Pois não se pode compreender a trova
Que representa, simplesmente, a prova
Da paciência d’arte de compor.
De que me adianta aqui fazer um verso,
Se o bom leitor não chega a estar imerso
No clima da bondade e da poesia?
É como orar ao Pai sem entusiasmo.
É recolher as velas no marasmo
De um coração já morto, em apatia.
Ao estudar Kardec, esteja atento,
Para saber qual é o sentimento
Com que su’alma aceita cada lei.
Se se revolta com qualquer das dez,
Soltando gritos, dando pontapés,
É hora de inquirir: — “Será que sei?...”
Se, ao se viver Jesus, algo destoa,
Das normas de uma vida alegre e boa,
Ganância de ter sempre muito mais,
Aí, é perigoso ir em frente,
Sem refletir nas leis, humildemente,
Pois devem os humanos ser iguais.
Componha um só versinho p’ra Jesus,
Agradecendo ali a sua luz,
Em rima simples, pura, de valor,
E reconheça o bem da sua vida,
Cuja bonança o amor mais convalida,
Que a recompensa vem ao se compor.
Apaga-se a memória, neste instante.
Já não consigo ir longe o bastante,
Na derradeira estrofe que lhe dito.
Mas, mesmo assim, eu reconheço a glória
De haver contado aqui parte da história,
Memento de paixão, amor bendito.
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