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Contos-->Dona Maria -- 23/11/2002 - 15:02 (Fabiana Luiza Naue) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
...apagaram a luz, eu sei. Será que é a hora? Tenho medo de abrir os olhos, não sei o que posso ver, não sei se posso ver. Pensando nisso, o que eu gostaria de ver? Não sei. Acho que se estivesse frente a frente com Deus eu não ficaria a vontade, me sentiria mínima, perto de tanta grandeza. Muito menos quero estar frente ao diabo, dizem que tem mau cheiro, se é que existe. Pra mim o inferno é aqui. Que estou dizendo? Nem sei mas onde estou, se estou lá ou cá.
Bem tenho que definir minha situação. O que fazer numa hora destas? Jamais pensei que fosse assim, tenho que ter coragem, abro primeiro um olho, analiso a situação e resolvo meu problema. Engraçado, sempre usei em meus tempos de vida, a frase que mais me dava coragem, "feche os olhos e vá em frente!", agora é ao contrário, tenho que abri-los. Bem vamos lá Maria! Coragem menina, você consegue. Nunca vacilei tanto, sempre caí de cabeça em tudo, sem medo das conseqüências, assim tive quatro filhos com três maridos. Não me arrependo, pelos filhos. Será que choram por mim? Claro, não seja boba. Sempre tive pulso firme com as crianças, mas sei que não saberiam viver sem mim, devem estar aos prantos, como dói deixá-los! Tenho certeza que os preparei pra vida, estão bem encaminhados, mesmo assim verei se posso fazer ainda alguma coisa por eles.

Ai! estou perdendo tempo, de repente estou em um jardim de uma linda paisagem, com pombos, pássaros dos mais belos, crianças correndo pra lá e pra cá, e fico a divagar, tudo tem sua hora e agora é a minha! Me lembro do jardim de minha casa em Nova Friburgo, meu pai chegando do trabalho, eu correndo pros seus braços. Como cheirava bem meu pai! Minha mãe sempre reclamando que ele bebia muito, mas eu só sentia seu perfume. Sua morte foi muito triste, a cirrose o corroeu. No seu enterro estavam seus melhores amigos de boemia. Choraram, declamaram e beberam até cair. Acho que foi válido, afinal cada um fez sua homenagem. Será que o verei? Hum, jamais me reconhecerá. Eu era uma linda menina quando ele se foi. Agora, mas pareço minha avó Ana Maria...

Não ouço nada, não sinto nenhum aroma, nada de jardins pelo jeito. Qual seria a outra opção? Um sonho? Não pode ser, não há mais tempo para me iludir. Eu estava andando em uma calçada, ia para casa, depois de ter comprado uns pães no Sr. Onório...cada dia roubando mais, os pães diminuem de tamanho, mas o preço sempre aumenta. É por isso que ele fez aquela reforma no fim do ano, engana a todos que compram dele. Se eu ainda estivesse viva, convenceria o meu filho Arturzinho a abrir uma padaria em frente à do Sr. Honório, só pra ter o gostinho de ver ele tendo que abaixar seus preços, aquele português mão-de-vaca...Eu caí e bati a cabeça, foi isso, uma dor muito forte e agora estou aqui, a dor passou. Preferia estar sentindo aquela dor, a estar nesta situação, será que meus óculos estão aqui? Não consigo ver nada sem eles, e se quebraram quando caí? Li uma vez que a alma é sempre jovem! Se minha alma agora estiver com vinte anos, não precisarei mais dos óculos...eu tinha um vestido de pano transparente, saia rodada que era uma beleza, azul bem claro, usava um laço do mesmo pano nos cabelos. Nossa, nos meus vinte anos eu tinha um monte de pretendentes e adorava dançar...hoje...sequer dou conta de andar direito...

Minhas pálpebras pesam, é sempre assim, quando temos que fazer uma coisa, tudo é do contra. Mas sou mais forte do que o meu medo, não tenho mais nada a perder mesmo...vivi, tudo o que tinha pra viver, amei chorei, sorri, dancei...plantei tantas árvores quanto pude, tive filhos....pensando bem, não há mais o que fazer aqui, ou lá onde estava...e se ficar para sempre assim? Com os olhos fechados, relembrando minha vida, será que pode? Mas estou com fome, já deve ser hora do jantar, meu estomago é como um relógio, justo hoje que ia comer o bolo que fiz...era meu aniversario...e não como do bolo da minha nora...não entendo como ela sempre erra a mão. Mas que coisa, vim parar aqui, justo no meu hoje.

...A luz acende, Maria se vê em uma cama de hospital, gesso em um dos pés com seus filhos, genros, noras e netos a cantar o fatídico "parabéns pra você...nesta data querida..." que marca seus setenta anos...Dona Maria!!!! Viva!!!
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