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Erotico-->35. TRABALHO PELA METADE -- 02/01/2003 - 06:43 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Acordei na hora que registrara no despertador. Tinha passado a noite desassossegado, como se me pesasse o fato de não ter demonstrado maior responsabilidade ao elaborar o texto encaminhado ao centro de análise das manifestações dos aprendizes. Sonhei muito e, por incrível que pareça, sentia-me plenamente recompensado pelos esforços em todos os setores em que me aplicava. Acordado, era capaz de censuras gravíssimas.

Para não dar motivo de me chamarem a atenção, fui diretamente ao computador, a fim de conhecer os serviços de atendimento evangélico.

Precisava ler o relatório de Marcelo. Era extenso estudo das reações psíquicas do violento Juvenal. Sentia-me antipatizado com os dizeres demasiado técnicos. Conhecia o significado da maioria deles, mas, freqüentemente, interrompia a leitura para consultar o dicionário. O procedimento era o mais simples possível: marcava a palavra ou expressão com o dedo na tela e o significado correspondente surgia abaixo do campo do texto. Se quisesse mais que sinônimos, ou seja, definições e exemplos abonatórios, insistia na tela. A bem da verdade, regozijava-me com a facilidade das elucidações paralelas e passei a chamuscar a redação de observações sobre possíveis melhores configurações frasais. “Sinto-me tentado a fazer o mesmo com este...” E lá ia o dedo a apontar, inclusive, para termos de absoluto domínio da minha parte.

No final, as conclusões foram favoráveis a que Juvenal se considerasse curado dos impulsos agressivos, condição que o colocava junto a uma turma, para as aulas de preparação para o socorrismo.

O segundo caso, também ilustrado, era bem mais simples. O entrevistado se definiu como ser pacato, de caráter dócil, mas tremendamente inflexível quanto aos conceitos adquiridos na religião que lhe formara a personalidade. Heitor, o acompanhante, não conseguiu ultrapassar os conceitos de reencarnação, a ponto de as teses espíritas quedarem sem desenvolvimento. A recomendação final encaminhava o irmão para serviços fora da área da educação. Algo como a manufatura do tecido com que se fazem os escafandros para imersão no Umbral e nas Trevas.

Estranhei que o caso tivesse tido a classificação de “sucesso parcial”. No meu modo de ver, Heitor fizera o possível. Fracassara em abrir a mente do discípulo, mas cumprira, com responsabilidade, as tarefas que lhe foram atribuídas.

Chegara ao terceiro caso, mas perdera muito tempo. Faltava pouco mais de cinco minutos para uma leitura dinâmica. A surpresa do orientador que se dera mal não me despertou a curiosidade. Poderia ser quem fosse. Já estava eu supondo que há criaturas tão renitentes nas opiniões, tão cheias de si nos conceitos, tão...

Dei com o nome de Honorato. Todos menos meu querido avozinho. Poderia esperar o Conselheiro de Onofre, o Professor Mário, meu advogado, Homero, o Comissário Educacional Petrarca e até Maciel, há tempos atrás. Mas expor o meu orientador ao escárnio dos colegas... Senti-me desapontado e magoado. Achei falta de consideração. Naqueles últimos anos, aprendera a gostar da figura austera e equilibrada do protetor, mais ainda, do conselheiro e amigo...

Ia por essas considerações, quando soou o aviso do encontro com o pessoal do alojamento.

Assim que me encontrei com eles, dei a perceber que a manifestação da noite não repercutira bem. Que “graça” havia para perder? Será que Maria estava alegrando-se com o meu desapontamento?

De maneira muito seca, avisei os colegas:

— Ainda estou jejuno. Vocês podem começar que daqui a, no máximo, quinze minutos estarei de volta.

Saí sem esperar nenhum comentário.

Quando retornei, meia hora depois, a discussão ia animada. Mas os colegas esfriaram, ao me verem arredio.

Reginaldo percebeu a “mancada” e se desculpou, em nome da turma:

— Não pensávamos que você fosse ficar tão abalado. Queira perdoar-nos ter-lhe dado a impressão de que estávamos...

— Tudo bem! Tudo bem! Acho que minha atitude foi muito pior do que a de vocês, perdendo a “esportiva”. Afinal de contas, ninguém está imune de fracassar, mais ainda, se insistirmos em não perceber que as pessoas tendem a crescer com o exame científico, isento de emotividade, dos erros. Em geral, é assim que os homens, como lemos na cartilha, costumam aprender. Da minha parte, sempre foi por esse meio que obtive os resultados positivos. Vamos ao que interessa. Vocês já apreciaram o trabalho de Marcelo?

Enquanto os companheiros expunham o que haviam feito, pus-me a analisar a reação que me levara a falar tão desprendidamente. No primeiro “tudo bem”, estava rancoroso. No segundo, dei com a atitude de defesa. O mais foi um crescendo de constatações de que errara. Ao final, encontrei justificativa para perdoar e aceitar ser perdoado. Era a segunda ou terceira vez que conseguia alterar, durante o discurso, o tônus emocional em desarmonia. Alegrei-me com a descoberta, mas não atinei com a pergunta que Valdemar estava fazendo-me:

— Você viu alguma falha no relatório?

— Que relatório?

— O relatório de Marcelo, claro. Sobre o que estamos falando?

— Desculpem-me, mas meu pensamento ia muito longe. Achei o relatório muito técnico, muito justificado cientificamente. Precisei vasculhar o significado de muitos vocábulos, para entender os mecanismos dos ajustamentos psíquicos às frustrações. Para cada palavra procurada, as notações Psicologia, Medicina Psiquiátrica, Antropologia e outras. Para mim foi muito bom, pois me interesso por ampliar o vocabulário...

Maria interveio:

— Para todos foi muito bom. Não chegamos ao ponto de buscar todos os termos no dicionário, por termos ficado mais preocupados...

O restante das explicações perdi, envolvido na repetição “termos... termos...” Positivamente, estava por demais dispersivo.

Marlene deve ter-se condoído de minha postura alienada dos problemas e propôs que se analisasse o segundo caso.

Maria insistiu:

— Como Roberto não participou da discussão do aprendizado de Juvenal, vamos dar-lhe prioridade para apreciar a atuação de Heitor.

Intimamente, agradeci a lembrança, pois, se me pedisse para abrir a discussão sobre Honorato...

Reginaldo fez a pergunta diretamente:

— Caríssimo Roberto, acha que a tecnicidade redacional atrapalhou a leitura do segundo relatório?

— Absolutamente, não. Por ter sido caso de aparente ou transparente rebeldia intelectual, não houve necessidade de conceituações vinculadas aos estudos psíquicos de caráter patogênico. — Estava fazendo valer a pesquisa vocabular, em revide claro à observação de Maria. — Heitor redigiu texto agradável, tendo observado o desenvolvimento mental do assistido, em função de arraigadas concepções no terreno religioso, com redundâncias nos aspectos científicos do saber humano, ainda introjetado no cérebro com poderes restritivos. A vontade do discípulo, poderosa e abrangente, impediu que os esforços do mentor espiritual surtissem efeito, tendo ficado de lado a programação espirítica, como resultante da observação empírica da realidade espiritual.

— Bravos, queridíssimo Professor! — Era João querendo entender o porquê da demonstração erudita. — Queira pôr em miúdos.

Antes que me manifestasse, Marlene obtemperou:

— O desapontamento do irmãozinho está a traduzir-se, sutilmente, em reações camufladas de instigação dos colegas. Nada que uma ducha de água fria não resolva. Como teve a capacidade de discorrer tão proficientemente a respeito de simples caso de encaminhamento para área de trabalho consentânea com os atributos intelectuais e morais do aconselhado...

Enquanto notava que Marlene empregara o termo que Maria me censurara, ela completava a alocução:

— ... nada mais justo do que proporcionar-lhe a oportunidade de examinar, com a mesma desenvoltura, por favor, o fracasso de Honorato.

Criou-se mortal silêncio. A expectativa de minha reação transformou rotineira reunião de estudos em filme de “suspense”, podendo descambar para o “terror”. Olhei cada colega bem dentro dos olhos. Nenhum fugiu de sustentar o longo colóquio visual. Ao cabo de uns bons dois minutos de arrepios, no reconhecimento dos envolvimentos sentimentais, considerei a película cômica e desatei num riso franco e debochado. Todos relaxaram e, com exceção de Maria, corresponderam alegremente às minhas gargalhadas.

— Vocês estão rindo, mas sem saber por quê.

E eu ria mais ainda. Quando os ânimos serenaram, pude esclarecer:

— Foi ótima a lembrança de Marlene. Foi o meio mais eficaz de me fazer calar. Enfio a viola no saco e vou cantar noutra freguesia. Pensava que iria livrar-me do vexame de não ter lido o terceiro relatório e me surpreendi no meio da roda. Ou muito me engano ou há alguém aqui sabendo ler e interpretar as emanações das auras. Não é verdade queridíssima...

Marlene foi quem me provocou:

— Diga Sebastiana, vamos lá...

— Sebastianinha querida... O que prova o que afirmei.

— Sabe o que está acontecendo, Roberto? Você não está nem aí com o trabalho escolar. O seu interesse está concentrado em aprender as lições literárias...

Quis completar as observações de Marlene:

— ... e em ministrar as aulas no hospital...

Maria interferiu:

— Quanto a esta última atividade, sustenta a saudade da vida terrena, tão-somente. Revela personalidade nostálgica, não inteiramente integrada no campo da espiritualidade. Sendo assim, vai levando as pesquisas programáticas, curriculares, na flauta, com certeza para adiar o mais que possa a hora da responsabilidade do acompanhamento dos aprendizes evangélicos. Se suspeitarmos de que esteja malbaratando o tempo, irá, sem dúvida, defender-se brilhantemente, tanto que está aplicando-se em área onde a retórica ocupa lugar de destaque. Quer projetar-se em área social e espiritualmente superior, para poder “abafar”, com ponderações ou argumentos intrincados, rebuscados, para colocar-se dentro de círculo energizado cultural ou eruditamente, com o que objetiva manter distanciados os companheiros menos apaniguados intelectualmente.

Maria me deixava absolutamente boquiaberto. Não a tinha em conta, realmente, de ser capaz de me responder à altura, conforme a provocação que lhe fizera. Fui coerente e confessei-lhe a surpresa:

— Como a amiga conseguiu chegar a resultado tão agudo sobre minha maneira de ser?

Reginaldo quis colocar o assunto em ordem:

— Se você tivesse lido o relatório de seu bisavô, teria tido condições de saber que o processo utilizado por ele levou o pupilo, exatamente, a desconsiderar a oportunidade de crescimento no campo do auxílio socorrista. O que Maria fez foi transferir para a sua personalidade as conclusões de seu antigo benfeitor. E, ao que parece, alcançou sucesso, pelo que todos podemos constatar em suas emanações vibratórias.

Valdemar contemporizou:

— Segundo o que pude depreender dos caminhos pedagógicos do Professor Mário, foi bom que fôssemos nós que lhe chamássemos a atenção. Maria sofreu na pele a reprimenda de ontem e, ainda por cima, teve de aturar longo sermão pela voluntariedade incontrolada. Não veja, pois, na atitude da colega, agressividade além da que a amizade naturalmente prescreve.

Pelo tom dos discursos, avaliei o interesse dos colegas em evitar que me envolvesse demasiado com os tópicos extracurriculares. Reconheci que estavam preocupados com razão e enfatizei o alto nível evolutivo dos que compartilhavam do alojamento:

— Agradeço muito os conselhos que se subentendem nas diferentes manifestações de apreço e conscientização. Dou a mão à palmatória e peço-lhes que se mantenham atentos para outros possíveis desvios meus quanto ao objetivo principal. Sou capaz de entender que estão aplicando os conhecimentos relativos à orientação que vão exercer em breve, de modo que, sem onerar o curso, também me ensinaram a abrir a mente para aspectos sutis de meus ajustamentos às frustrações. Valeu, amigos!

Deu tempo, ainda, para emocionada oração, em que Marlene, emitindo fluidos de extraordinária serenidade, harmonizou as vibrações da amizade, transformando o momento de união em agradável assembléia místico-religiosa de submissão à vontade do Senhor.

Todos déramos importante passo em direção do despojamento de outra grossa camada de entulho terrestre.

A reunião geral receberia uma equipe de mãos dadas.

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