Usina de Letras
Usina de Letras
158 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62266 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50655)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Teses_Monologos-->Emparedado versus Racismo . 1 -- 23/06/2002 - 17:31 (Jose Angelo Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando se lê a poesia do Emparedado, percebe-se que, refutando embora com veemência a ideologia nas doutrinas do tempo, o poeta negro, Catarinense. Cruz e Sousa estava como que envisgado em alguns dos seus pseudoconceitos. Daí vem uma das matrizes do seu imaginário, que recolhe e potencia as figuras da determinação mais opressiva com seu pesado lastro naturalista: a África como terra do instinto, da luxúria, da cega inconsciência. A essa matriz contrapõe-se outra, ideal, que produz as figuras da mais livre e sublimada individuação escavadas nas minas hugoana e simbolista. Afonte do seu imaginário, a poesia do corpo é africana e assume dramaticamente os estereótipos que pesavam sobre o negro. A poesia da alma não tem outra pátria além dos espaços siderais onde tudo se espiritualiza. O Emparedado é, dilaceradamente, o corpo que vive sob o império da carne, do sangue, da raça, entre os muros de uma sociedade que é pura réplica da selva darwiniana, e alma que sonha ardentemente com a transcendência estética, o artista puro, o poeta assinalado e a transcendência mística. Trata-se de um misticismo cósmico, sem dividade pessoal, à pureza infinita das estrelas. Shopenhauer, pensador que aprofundou o drama da divisão corpo-alma, vontade-libertação, parece às vezes presidir ao embate existencial figurado na prosa de Cruz e Sousa. A história biblica de Cam amaldiçoado pelo pai por um ato de despudor e condenado à perpétua escravidão aparece literalmente no texto das Evocações: " Tu és dos Cam, maldito, réprobo, anatematizado". Pode-se conjecturar a formação de uma simbiose da consciência revoltada e infeliz do poeta com a retórica do poeta maldilto já assimilado pelo leitor de Baudelaire e de Verlaine. Cruz e Sousa incorpora certamente na sua dicção muito eloquência ferina desse veio maldito, e as suas metáforas servem-lhe também para traduzir uma situação própria, que tem a ver com a maldição tanto coletiva quanto individual sofrida pelo descendente de africanos.A África é emblema do padecimento sem remissão, situando-se no pólo oposto à civilização refinada vinda da Europa, a qual, no entanto, oferece ao poeta culto imagens e ritmos para dizer a sua condição marginal. O simbolismo brasileiro, como tantos outros movimentos da nossa cultura, não só transpõs como filtrou e adaptou temas e formas da literatura européia. A filtragem ideológica e estética é tema recorrente da dialética da colonização: as idéias e as palavras difundem-se com maior ou menor pertinência, mas na boa literatura fica o que significa. Os sarcasmos que Cruz e Sousa desfere contra a inconsistência desse poderoso de salão ocupam vários parágrafos do Emparedado e valem como divisor de águas entre frasismo oco dos literatos e a sua própria fala densa de dor e indignação. Voltando ao núcleo da relação do poeta com a África, entende-se como a sua imaginação concentrou no continente espoliado todas as humilhações sofridas como negro e pobre em um país que apenas acabara de abolir juridicamente a escravatura do cativeiro. No livro das Evocações há uma prosa curta e lancinante, Dor negra, que prepara o tom do emparedado. O texto ensina com a sua eloquência convulsa o quanto é dificil, se não artificioso, separar a denotação racial e africana da palavra "negro" e as suas múltiplas conotações existenciais de mal e sofrimento que atravessam e transcendem o periodo em que o livro foi escrito. Expressões de natureza trágica. Uma leitura trans-histórica não é a-histórica na medida em que se conduz o passado à consciência presente. Dor negra traz uma epígrafe que devemos atribuir ao próprio poeta: "E como os areais eternos sentissem fome e sentissem sede de flagelar, devorando com mil bocas tórridas então, simbolicamente da África ". A leitura dessa poesia evoca a semântica do inapelável que Castro Alves construíra nas Vozes da África, uma geração antes de Cruz e Sousa. E a dor é sinal de uma carência de sentido: " Que existir é esse que as pedras rejeitam, e pelo qual até mesmo as próprias estrelas choram em vão milenarmente ?". Em Dor negra a maldição é inerente à natureza da África, de sorte que a pervesidade do cativeiro teria vindo somar-se a um infortúnio radical cuja origem se perde na noite dos tempos: " Três vezes sepultada, enterrada três vezes: na espécie, na barbaria e no deserto pelo incêndio solar como por ardente lepra sidérica, és a alma negra dos supremos gemidos. Como em Castro Alves, o coração da mensagem é trágico, que se pense em termos da natureza da África, comburida e estéril, quer em termos da sua história sobre a qual paira a maldição de Cam. É conhecida a tese de Roger Bastide formulada no seu estudo de literatura comparada " Cruz e Sousa e Baudelaire". O poeta metamorfoseou seu protesto racial em revolta estética, seu isolamento étnico em isolamento do poeta, a barreira de cor na barreira dos filisteus contra os artistas puros. Algumas poesias das Evocações confirmam a interpretação de Bastide. De todo modo, é também verdadeiro dizer que, ao lado da transformação do protesto racial em rovolta estética, Cruz e Sousa projetou diretamente a sua própria condição de descendente de africanos. A figura do maldito não tem, portanto, uma só dimensão. O aproveitamento que Cruz e Sousa faz do imaginário romãntico-simbolista é , as vezes uma transposição enfática dos seus traços estéticos antiburgueses. Maldito é o poeta em conflito com a sociedade; maldito é a persona negra que a escravidão e o preconceito marcaram com ferro em brasa. " Deus ! ó Deus ! onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu escondes, embuçado nos céus ? Há mais de dois mil anos te mandei meu grito, que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... Obs. este trabalho continua no capitulo 2. JOSE ANGELO CARDOSO.-Poeta, contista, artista plastico. Instrumentador Cirurgico.Presidente-fundador da Academia Guairense de Letras.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui