A guerra no Congo já custou a vida a pelo menos dois milhões de seres humanos. Uma guerra tribal? Não – trata-se de matéria-prima. Sobretudo para o oeste.
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Por Bartholomäus Grill [Die Zeit 23/2003]
Trad.: ZPA
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As supostas guerras étnicas não passam de rebentos perversos de uma guerra que é ao mesmo tempo uma luta política pela hegemonia no centro da África e uma batalha pela divisão dos recursos econômicos da região.
Em seu epicentro, tem-se uma prévia de como serão conduzidos os conflitos pós-nacionais na África do século XXI: com armas de fogo rápido e machetes, celulares e tambores, sensores infravermelhos e elixires mágicos capazes de proporcionar invulnerabilidade. Os comandantes dos combatentes são oficiais militares e senhores da guerra, que, de acordo com as necessidades, atuam como políticos ou homens de negócios, e que cultivam conexões comerciais.
Generais de Uganda erigiram um ativo comércio de madeiras tropicais, ouro e pedras preciosas. Os auxiliares armados do Zimbábue, à frente de todos o Chefe do Estado Maior Vitalis Zvinavashe, deixaram-se recompensar com milionárias concessões e lucrativas participações no setor da extração mineral. Os invasores ruandeses, sob orientação do comandante James Kaberere, edificaram, juntamente com seus vassalos, uma fração das tropas rebeldes, o 'Rassemblement Congolais pour la Démocratie', um império da pilhagem nas províncias de Kivu. Valor calculado do butim, apenas no ano de 1999: cerca de 320 milhões de dólares.
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Cartéis criminosos se imiscuem
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Acima da famigerada repartição do Congo do Serviço Secreto Ruandês para Assuntos Exteriores, em Kigali, corre por exemplo o comércio com o colômbio (niobato). As discretas lascas de pedra pretas contêm dois dos metais mais cobiçados em nossos dias, a columbita e a tantalita; uma vez preparados, eles são usados na produção de chips de computador, câmeras portáteis, câmeras de vídeo, na têmpera dos foguetes, cápsulas espaciais e aviões a jato, ou mesmo na indústria atômica, que carece de materiais especialmente resistentes ao calor.
No ano 2000, o preço de uma libra de colômbio (niobato) subiu de 30 para 300 dólares. Com os lucros do comércio com matéria-prima, os ruandeses compram principalmente armamentos.
A contrapartida a esse comércio é organizada por cartéis criminosos, cujas redes vão da África central, passando pela Suíça, Bélgica ou Bulgária, até a Rússia. A crer num estudo da ONU (“Network War. Uma introdução à economia de guerra do Congo”), são conhecidos os nomes dos maquinadores: o egípcio Sharif Al-Masri, o queniano Sanjivan Ruprah, o tajique Victor Bout, aliás, Butt, o ugandês Salim Saleh, um meio-irmão do presidente Museveni, o clã de Odessa e seu chefe Leonid Minin, a Conexão do Casaquistão de Valentina e Alexej Piskanov. Ao círculo dos importantes compradores do “coltan”, de acordo com o estudo da ONU, pertence também a firma alemã H. C. Starck.
Os nativos, que escavam o material da terra, fazem-no sob circunstâncias miseráveis. No campo de concentração de Kamina, 30 mil mineiros foram encurralados, devendo estar entre eles também alguns prisioneiros políticos de Ruanda – o renascimento da escravidão no Congo.
A principal força de propulsão da guerra não é a insanidade étnica, mas a avidez econômica. Desta perspectiva, o 'conflito étnico' em Ituri passa a ser uma guerra de representantes de dois poderes exteriores, que se valem das energias tribais para atingir seus objetivos.
Depois da retirada militar de Ruanda e Uganda, as milícias tornadas inimigas transformaram-se em seus representantes econômicos, dando prosseguimento aos lucrativos negócios. Os guerreiros Lendu são treinados e subvencionados por Uganda. A minoria Hema recebe auxílio fraterno de Ruanda. Estando a minoria tutsi no governo, ela compartilha os temores de um genocídio.
Na mais recente escalada no Congo leste, conhecedores da região vêem prenúncios da próxima grande guerra: de uma lado, a superpopulosa Ruanda e seu ímpeto expansionista; do outro, o altivo poder regional que é Uganda, ambos altamente armados, ambos movidos por interesses econômicos e sede de poder.
O que fazer? Enviar ao Distrito de Ituri uma rápida tropa de intervenção. Que poderia não apenas pôr um fim às maquinações genocidas, como reduzir igualmente o risco de uma nova guerra. Mas os moinhos da ONU giram lentamente, e a pressão no sentido de uma negociação é reduzida. A ninguém na Europa ocorreria sair às ruas pela paz no Congo. O que alimenta a suspeita de muitos africanos de que suas vidas contam mesmo muito pouco em escala universal.
[fim]
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