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Erotico-->30. O NOVO GRUPO -- 28/12/2002 - 09:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando adentrei o ambiente alegre da turminha, fui recebido com muito agrado.

— Chegou quem faltava!

— Viva o nosso Professorzinho querido!

— Os bons, para serem melhores, só com o amigo Roberto!

Reginaldo se levantou e veio apertar-me a mão, abraçando-me afetuosamente. Fora dos poucos que prescindiram das instruções redacionais, de modo que não o conhecia de perto. Três outros eram velhos conhecidos.

Valdemar, mecânico como José, trabalhara em companhias de aviação. Um dia, aborrecido com o fato de ter recebido a notícia de que iria ser processado, juntamente com a empresa, por ter caído uma aeronave, cheio de problemas familiares, decolou e despencou. Correu a notícia de acidente, porque pensaram que estivesse realizando testes. As missas o puseram desesperado. Passou a refletir na verdade da determinação teológica de se considerar irremediavelmente perdido quem apaga a vela da própria vida.

Maria, como Dorotéia, fora modesta dona de casa. Também sofrera muito com a saúde, sem, contudo, contrair doença letal. Mas incapacitara-se para vida ativa, tendo sido sexualmente desprezada pelo marido. No início, aceitou que tivesse ele atividades extraconjugais. Chegou mesmo a reconhecer muito mais afeto e carinho no esposo. Quando, porém, descobriu que sua irmã era a predileta, arranjou um revólver, com o propósito de matar os dois. Esperou o momento do enlace amoroso e se apresentou, anjo vingador, para pôr fim ao incestuoso romance. Não teve coragem. Voltou a arma contra o peito e disparou. O que mais lamentava, quando entendeu as premissas do resgate, era a necessidade de reencarnar, possivelmente com problemas no coração. Por isso, prometera estudar muito, para ver se conseguia respaldo intercessor, a fim de cumprir todas as obrigações cármicas no etéreo.

João sempre fora esquivo na apreciação das vicissitudes. Não gostava de falar de si mesmo. Mas estava diferente. A etapa anterior do curso fizera-lhe muito bem. Foi ele quem fez questão de esclarecer:

— Agora que estamos todos, devo demonstrar aos companheiros que assumi inteiramente a responsabilidade pelos malfeitos terrenos. O que sabiam de mim, especialmente o caro Roberto, que, malandramente, me dava temas pessoais para desenvolver, era que me havia jogado do alto da ponte. Sim, mas não morri pela queda. Morri afogado, porque não sabia nadar. Debati-me muito para me livrar da água, arrependido em vida do ato tresloucado. Isso é que me pôs excessivamente pesaroso, pois fui arrastado ao Umbral na qualidade de suicida, sem que se levasse em conta o desespero da última hora. A causa de me arremessar para a morte é irrelevante. Fora simplesmente tédio. Desde criança, era um rebelado, mas sem causa. Se quiserem comparar-me ao Onofre, irão estabelecer a diferença quando souberem que me drogava regularmente. Morri jovem, imbecilizado pela cocaína. Isso fez com que acordasse aqui apenas pela metade, sempre com a mente confusa. Graças a Deus, tive o apoio dos familiares, que se tornaram espíritas e pediram que houvesse intercessão pelo meu restabelecimento.

Apesar da vivacidade do relato, cansamo-nos, já desacostumados ao episódico. João percebeu a reação da turma e concluiu:

— Tenho as rédeas na mão do que me levou a essa situação de inferioridade. Qualquer dia, iremos ver que lições poderemos extrair desse encadear de causas e efeitos.

Restava conhecer a quinta figura. Era uma morena alta, puxando para o mulato. Mantinha as esplêndidas formas femininas com que seduzira muitos corações. Marlene, nome de guerra, escondia o Sebastiana do batismo e do registro do morro, em cuja favela nascera, filha de português enamorado por crioula clara. O pai tinha aspirações a rico mas permanecia residindo miseravelmente, mercê de empório, onde vendia toda espécie de produtos. Por mais que a conta no banco crescesse, não se abalançava a mudar de vida. Um dia, assassinaram-lhe a esposa e o português, com medo, voltou para a terra natal, abandonando os filhos. Marlene se deixou conduzir pelo proxeneta que controlava o meretrício na região, para quem rendia bom dinheiro. Aos dezoito anos, quatro depois de ter caído na vida, em plena refulgência carnal, apareceu nos estúdios cinematográficos de famosa companhia, participando, imediatamente, das filmagens de “pornochanchada”, como bailarina exótica. O disfarce da maquilagem não foi suficiente para esconder-lhe os traços, tendo sido reconhecida pelo antigo patrão. Precisou fugir do Rio, aparecendo nas boates de São Paulo, em espetáculos pornográficos. Foi requestada por rico cavalheiro e manteve-se fiel a ele por três anos. Mas acabou sendo descoberta pela família do amante. Jovem, não teve estrutura psíquica para enfrentar, de novo, a vida no meretrício. Tentou várias profissões, em todas precisando valer-se dos encantos físicos para conseguir alguma coisa. Adquiriu doenças venéreas e não se tratou, ignorante e sem orientação. Acabou nas malhas da lei, tendo sido estuprada várias vezes, nas delegacias de polícia. Quando soube que a irmã mais nova havia sido presa por tráfico de droga, voltou ao Rio armada. Daria cabo da vida daquele que a explorara. Mas não precisou arriscar-se. O traficante fora morto por rivais. Escreveu ao pai, através da Embaixada de Portugal. Não obteve resposta, embora tivesse logrado o endereço. O mais foi uma loucura de subir e descer, no morro e na vida. Aos quarenta e um anos, com três filhos de pais diferentes, o corpo arruinado e a saúde em frangalhos, comprou soda cáustica, ministrou aos pequenos junto com a comida e ateou fogo na casa.

Ao surgir do outro lado da realidade, estava desfigurada. Se eu me considerava em frangalhos carnais, a irmãzinha, esturricada, não passava de molambo flácido, verdadeira esponja negra a perambular pelas Trevas, carregando os corpos idealizados dos filhos.

A história da recuperação mereceria narrador de maiores recursos. Diante do grupo, voltara à carnação vigorosa dos dezesseis anos, com a madureza intelectual dos quarenta.

Estranhei que não passara pelas minhas aulas elementares, no hospital.

— Caro Professor e demais irmãos, mantenho-me “colored” por deliberação íntima, até que possa reunir-me aos filhos, aos irmãos e, principalmente, a mamãe. Sei que sou a única presente com conhecimento de duas vidas pregressas, nas quais desfilei com pele rosada e cabelos louros. Dona de escravos, pratiquei todas as ruindades próprias da riqueza depravada. Mas tive educação e sou capaz de me expressar graficamente tão bem como qualquer escritor moderno, o que não é grande vantagem. Vejam que lhes passei toda a minha história, sem precisar exercitar as reflexões filosóficas, apoiada, naturalmente, no conhecimento evangélico que todos desenvolvemos. O que me resta suplantar, como não é difícil de supor, é persistente e incrustada imodéstia. Sufoco os sentimentos através de forte imposição intelectual. Estejam certos de que, apesar da desenvoltura perante a platéia, sou a menorzinha dentre todos, apaniguada pelo Professor Mário para prosseguir aprendendo com quem obteve os melhores resultados. Estou certa, pois, de que não os envergonharei e me dedicarei integralmente a conquistar autodomínio, no campo das sensações.

O discurso, ao contrário da exposição do colega João, absorveu-nos por completo. O infeliz narrador protestou, bem-humorado:

— Tenho certeza de que, se minha presença fosse tão deslumbrante, todos iriam prestar mais atenção em minha história.

Valdemar também participou das brincadeiras:

— Com um “avião” desses, iria pousar bem longe do local onde caí.

— Isso me lembra todas as árias de amor das óperas. Cuidado, filha, que você não está a salvo de ser “cantada”. — O tenor sentia-se obumbrado pela fascinação causada pela amiga.

Humildemente, tive de reconhecer que nada poderia ensinar a tão brilhante e loquaz criatura. Ficara eu, deveras, nas primeiras letras.

Foi Maria quem pôs um ponto-final nas apresentações:

— Se parecer inveja, paciência. Precisamos, contudo, pensar em nos prepararmos para a próxima fase dos trabalhos. Marlene, caríssima, por favor, ajude-nos a concentrar-nos, orando ao Senhor para que nos abençoe.

Fiquei a pensar se teríamos competição entre as almas femininas. Devo dizer que o pensamento me estimulou a desvendar-lhes os segredos de formação. Eu era absolutamente másculo e não atinava com as combinações metafóricas que realizavam o ideal das mulheres. Mariana e Dorotéia me haviam dado pistas, porém, Maria e Marlene traziam a experiência das reflexões formuladas. De repente, me vi envolto em séria desconfiança. E se a entidade que me fosse destinada para orientar fosse do sexo feminino?

Ao final da prece, estava seguro de que aconselharia a prima Leocádia. Se assim viesse a ser, ficaria alegre ou triste? Queria levantar o problema mas o sinal encerrou a reunião preparatória e indicou que estava na hora de me dirigir aos pobres alunos de redação.

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