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Ensaios-->POIS ISTO TEM NOME E SOBRENOME: ASSÉDIO MORAL -- 05/05/2003 - 21:54 (Marco Aurélio Bocaccio Piscitelli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pois Isto Tem Nome e Sobrenome:

_A-s-s-é-d-i-o M-o-r-a-l_


Convido-os a conhecer o que parece constituir uma inelutável sina das organizações públicas e privadas. Algo que viceja como prática oculta, altamente astuta, que sobrevive sem ser muito molestada. Fenômeno subestimado em nossa cultura, quase nunca detectado pelas áreas de saúde, pessoal, jurídica, de recursos humanos, ou mesmo pelos sindicatos, o que concorre para o avassalante desamparo dos atingidos.

É somente a partir do começo dos anos 90 que o fenômeno começa a ser identificado, e comparece com mais vigor na literatura. Heinz Leymann, um dos pioneiros nesses estudos, qualilfica o processo de “psicoterror”, uma espécie de destruição moral do ambiente de trabalho. Os tempos são de assédios. Fala-se muito dos outros – assédio sexual, assédio flanelar, o dos flanelinhas, assédio de traficantes... – e esquece-se o mais brutal de todos eles, o assédio moral.

Este pequeno ensaio é movido pelo desejo explícito de uma prestação de serviço ao público que é, foi ou, em breve, será alvo de um enredamento que faz adoecer, e do qual jamais se consegue emergir inteiro.

O ambiente de trabalho nem sempre é o lugar das relações cordiais e harmoniosas. Em determinadas circunstâncias, pode converter-se em espaço de excelência para o sofrimento e adoecimento psíquicos. A esse respeito, leia-se o famoso livro do francês Christophe Dejours, com o sugestivo título “A Loucura do Trabalho – Estudo de Psicopatologia do Trabalho”.

Quando o emprego abundava, qualquer trabalhador que se julgasse perseguido por uma chefia pedia as contas e ia embora. Hoje, essa situação ficou um tanto mais constritiva, sobretudo se o empregado é de idade avançada, ou já acumula muitos anos de serviço na organização. Além disso, o individualismo que marca os tempos atuais acentua a posição do poder e do sucesso, contexto propício ao surgimento de protagonistas que se valem de seus traços patológicos de personalidade, e de suas prerrogativas hierárquicas para esmagar subordinados. Junte-se a isso a demora das vítimas em reconhecer o que está sucedendo. Há uma inércia natural em aceitar pequenas desavenças, maus-tratos e ofensas como sinais de alerta, de invasão dos limites de uma interação genuinamente profissional. Nosso País não conta com legislação específica para tipificar e coibir as ocorrências, o que transforma a vida da vítima num martírio sem data para acabar, sem desfecho previsível.

Assédio moral pode ser definido como sendo a agressão ou violência insidiosa dirigida para afetar a dignidade e a integridade física ou psíquica das pessoas. Consiste em manobras hostis insistentes, destinadas a maltratar, a insultar determinada pessoa. Minha intenção é a de enfocar o fenômeno nos locais de trabalho, embora ele possa acontecer em outros cenários e grupos, como entre casais.

Indubitavelmente, o assédio é mais freqüente, mais grave e mais prolongado no setor público. Isto se explica porque o servidor público tem estabilidade no emprego, sendo mais difícil demiti-lo; também é pouco provável que ele tome a iniciativa de demitir-se. Saliente-se, ainda, que na sociedade brasileira a coisa pública é gerida como se pertencesse à esfera privada, algo assim como o quintal da casa dos que se julgam os 'Os Donos do Poder', tese sustentada por Raymundo Faoro em sua monumental obra de igual nome. Por outro lado, no setor privado a evolução tende a ser mais rápida, pois a questão da produtividade é crítica. Assim, a vítima se demite ou é despedida.

A agressão/violência se manifesta de modo sutil, praticamente invisível, através de palavras, gestos, ações e omissões. Não deixa marcas ou vestígios, e tem uma ação cumulativa pelos microtraumas freqüentes e repetidos. Neste sentido, é mais ou menos como o sol sobre a pele. Os efeitos estão sendo produzidos, mas levam algum tempo para se evidenciar. Trata-se de um processo que vai desestabilizando as vítimas, até minar a sua capacidade de resposta e defesa. É indisfarçável a atitude maldosa, mal-intencionada de prejudicar o trabalhador (funcionário).

O assédio moral nasce de um nítido abuso de poder, e se exacerba através da manipulação perversa. Utilizam-se os mais espúrios estratagemas para anular as diferenças no grupo, com o propósito deliberado de livrar o caminho dos obstáculos que dificultem o exercício do poder. É a assimetria das interações hierárquicas que cria as condições favoráveis à infiltração do assédio moral, com exploração das vulnerabilidades pessoais. Personalidades marcantes, com grau elevado de independência e competência são particularmente visadas. Se uma intervenção externa não acontece, dificilmente cessa a pendenga. A tendência é a de o fenômeno ganhar autonomia, e de acirrarem-se as posições dos protagonistas, o perverso levando ao extremo os ataques de desqualificação, a vítima afundando em sua impotência e fragilidade.

A personalidade narcisista, devotada a obter sucesso e admiração, a qualquer custo, dependente do olhar do outro para formar a própria imagem, é, pela impressão de segurança que passa, a figura recrutada pelas instituições para comandar pessoas. É aí, precisamente, que se esconde o perigo maior. Esse perfil parece enquadrar-se muito bem na demanda operacional da administração dita “moderna”, por participar como ator que se presta a qualquer papel na vida real. Insensível aos sentimentos alheios, e sedutor carismático, vai construindo o seu bunker de poder ilimitado. Não raro, desliza para o comportamento perverso, isto é, começa a praticar uma violência dissimulada com algum subordinado cuidadosamente “eleito”, dirigindo-lhe ataques “cirúrgicos” de provocação, na posição confortável de poder se eximir das repercussões de seus atos. É o que os autores denominam de “perversão narcisista”, um modo de defesa para uma personalidade falsa, sem consistência e sem substância. Há sempre o risco de aliciamento do grupo para a perversão, o que é favorecido pela rigidez da hierarquia, e também pela valorização profissional dos que seguem os princípios da “obediência devida”, um passaporte para liberação de culpas e responsabilidades.

O assédio moral produz efeitos devastadores sobre a saúde física e psíquica dos que se encontram sob a sua mira. No entanto, não é razoável transformá-lo em problema médico, ainda que, quase sempre, o afetado necessite contar com avaliação e supervisão médicas para resistir, resistir calma e pacientemente ao estresse dos desdobramentos. Quadros psiquiátricos graves como o transtorno de estresse pós-traumático podem sobrevir como seqüela. Será pouco provável que alguém de dentro da empresa empreste o seu testemunho ou apoio ao colega assediado, seja por omissão, indiferença, covardia, identificação sádica com o agressor, ou temor de represálias.

É de vital importância saber que o assédio moral existe. Desmascará-lo e denunciá-lo é um dever indeclinável. Sua prevenção e sua interrupção dependem dessa percepção e dessa atitude. Assédio moral: é da sua conta. Confira o “extrato” ambiental uma vez por mês.

Para finalizar, apresento síntese ilustrativa de um caso com ingredientes sugestivos de assédio moral.**


Os fatos

L. Z. S, 50 anos, servidor público federal há 25 anos, pós-graduado, última referência salarial na carreira, ajustou com sua chefia imediata o gozo de suas férias e do recesso natalino concedido pelo dirigente máximo da instituição a todos os funcionários. Do acerto resultou que seu afastamento seria de 37 dias (30 dias de férias + 7 dias do recesso, aqui incluídos o dia de natal, o sábado, o domingo e a véspera de natal, um dia mais reservado para cumprimentos e comemorações do que para trabalho efetivo. Retornou ao trabalho rigorosamente na data prevista, reassumindo suas funções. Sem que nada lhe fosse comunicado ou questionado, foi surpreendido, dias depois, com desconto de 10 (dez) dias em sua efetividade. É imprescindível enfatizar que todos os seus colegas gozaram o recesso sem passar por essa crueldade, que quase faz fronteira com a selvageria. O ato foi tão arbitrário, que lhe descontaram ainda mais três dias, isto é, o funcionário deixou de receber os 7 dias do recesso, e os 3 primeiros dias em que trabalhou regularmente. Portanto, a presença física do servidor no local de trabalho foi solenemente ignorada.

Os antecedentes

Ao longo de todo esse tempo de casa, nunca faltou ao serviço por doença ou outra causa. Sempre demonstrou dedicação e profissionalismo extremos no desempenho de suas atribuições. É competente, estudioso e destaca-se com facilidade. Costuma ser admirado e respeitado pelos usuários que o procuram por sua cultura, competência e seriedade. Contudo, observa, já há algum tempo, que seu espaço para crescimento vinha sendo progressivamente restringido. O episódio atual serviu para reavivar, nitida e incontestavelmente, uma série de ocorrências anteriores, que agora faziam sentido, todas destinadas a humilhá-lo, imobilizá-lo e isolá-lo do cenário de participação institucional.
Alguns exemplos são marcantes. Não tem sala para trabalhar. Requisitos mínimos de trabalho, como papel de escrita, ramal de telefone para comunicação interna, manuais de consulta compulsória no exercício da função e outros não são disponibilizados. Criam embaraços para idas a congressos, simpósios e eventos da área. Trabalhando ao lado de um CPD, negaram-lhe oportunidade para realizar cursos na área de informática, mesmo depois de reiteradas tentativas..Bons pretextos nunca faltaram para justificar tais práticas, como neste último incidente, ao lhe explicarem que os cursos se destinavam ao pessoal da área administrativa. Não é, porém, o que a realidade demonstra. Seus comentários e sugestões não têm peso específico, apesar de sua experiência profissioanal Por ter emitido opinião sobre a organização do trabalho, foi punido, em duas ocasiões, com o instituto da disponibilidade. Enfim, a sucessão de ofensas e alusões desabonadoras de que foi vítima não se esgota por aí, mas já oferece subídios para o encaminhamento de uma discussão.

Considerações

O episódio atual, objeto desta análise, não deve ser tomado como padrão de referência para a maior parte dos casos de assédio moral. Normalmente, o assediador controla, monitora a intensidade de suas ações, de modo a não deixar aberto o flanco de sua autoria. Na presente situação, o(s) assediador(es) e asseclas exorbitaram de sua cota de discrição, ou melhor, de agir sem se fazer notar.
O assediado interpelou a Procuradoria da instituição para expor os fatos, e solicitou reparação de danos financeiros e morais. Decorridos 60 dias do ingresso da defesa, e após inúmeros contatos telefônicos e pessoais para localizar e saber o andamento do processo, as respostas sempre foram evasivas. Há indícios fortes de que os autos vêm sendo retidos em alguns setores por prazos longos, com fins escusos, além de sofrer encaminhamentos desnecessários para envolvê-los numa cortina de fumaça.
Depois de o autor ter-se manifestado – uma única vez – o assediador já teve oportunidade de apor várias apostilas nas diferentes vezes em que os autos a ele retornaram. Algo assim como neutralizar/anular/ridicularizar a defesa do assediado. Numa dessas intervenções, a chefia imediata teve a insolência de afirmar que fora sua [ de L. Z. S. ] a decisão de gozar o recesso, quando isto é ato soberano e específico do dirigente máximo da instituição. Mentira deslavada e desbragada. Sem argumentos para sustentar a punição, o diretor mentiu descaradamente, mais uma vez, ao referir que o servidor não cumprira o revezamento de horários. Ora, L. Z. S. é profissional único em sua área de atuação, e jamais autorizou clones seus a desempenhar suas funções. Tampouco tem sósias com procuração para executá-las. A defesa do algoz é tão débil, que não vale a pena comentá-la.
Como se pode observar, é difícil, quase impossível quebrar a ascendência que os cargos de confiança detêm nas organizações, sob pena de também “abalar” o prestígio e a honorabilidade dos que os escolheram, provocando a queda de um castelo de cartas.
Desafortunadamente, é esse dirigente despreparado, psiquica e intelectivamente, o ocupante de grande parte dos postos de comando.
Neste momento, não é possível avançar na análise do caso; o mesmo continua estacionário, aguardando ser remetido à instância julgadora.
No cenário armado, são exíguas as esperanças que a vítima pode alimentar em relação a um despacho que lhe seja favorável. É provável que esteja perdendo tempo com processo interno. Talvez devesse acionar logo a Justiça para reaver os seus direitos.
Enquanto não passa a agonia, a vítima desse verdadeiro linchamento moral terá de se manter fria, calculista e silenciosa, sem responder a qualquer das atitudes hostis. Uma eventual reação intempestiva pode ser apropriada como agravante do regime de confinamento imposto pelo opressor. Aliás, a vocação do opressor é a de apropriar-se do outro, roubando a sua identidade e, às vezes, até a sua remuneração.



'Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar...Que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor, e que você tem valor diante da vida!”

William Shakespeare

* Médico Psiquiatra
** Alguns dados foram propositadamente alterados para evitar identificação.









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