Usina de Letras
Usina de Letras
145 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->Riefenstahl: a mais longa carreira na história do cinema (3) -- 14/03/2003 - 04:10 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Esta é a terceira parte de uma longa entrevista concedida pela centenária Leni Riefenstahl, a cineasta do Reich, autora de dois grandes clássicos do filme documentário: 'Triunfo da Vontade' e 'Olympia'. O restante da entrevista foi publicado anteriormente no site. Cf. em artigos ou ensaios .

_____________________


Entrevista conduzida por Hilmar Hoffman [DIE WELT online, 10/01/2002]
Trad.: ZPA

_____________________


Hoffmann: Você contou então tudo a Hitler, como Speer havia aconselhado?

Riefenstahl: Ao término dos trabalhos, fui chamada à presença de Hitler. Quando ele perguntou, eu contei tudo a ele. É claro que foi uma situação horrorosa. Ele sugeriu que tentássemos montar aquele material da melhor maneira possível. 'No ano que vem você vai ter de fazer um filme de verdade'. Para mim, esse foi um golpe mortal. Embora já tudo fosse de um modo ou de outro suficientemente horrível, teria de fazer melhor em 1934. Pouco depois, o Partido se manifestou, através de um pequeno funcionário, que alugou para mim uma sala pequena, uma cadeira de rodas paralisada. Dentro dela, uma velha mesa de montagem. Ali eu teria de montar o material para 'Sieg des Glaubens' [Vitória da Fé]. Colocaram a minha disposição uma mulher que dominava a técnica da colagem. Assim, com aquele material eu montei o curta-metragem.

Hoffmann: 'Sieg des Glaubens' [Vitória da Fé] dura, no entanto, precisamente 63 minutos. Em 'Triunfo da Vontade', em 1934, você não teve de enfrentar praticamente nenhuma resistência?

Riefenstahl: Quanto a esse filme seguinte, eu disse a Hitler que não podia assumir a responsabilidade. Ele esteve a ponto de ficar zangado e insistiu: 'Você vai conseguir'. Quando eu lhe mostrei 'Sieg des Glaubens', eu de repente tive a nítida certeza de que realmente sabia montar. Já em 'Das Blaue Licht' eu havia sentido que tinha talento para a coisa. Assim, 'Triunfo da Vontade' ficou sendo um filme agradável, mas não um filme especial. Mas anunciaram uma estréia festiva, elogiaram muito, como se fosse um filme extraordinário, coisa que eu mesma, absolutamente, não achava. Para mim, era um filme primitivo e despretensioso.

Hoffmann: A senhora sabe que Goebbels mais tarde mandou destruir esse filme, porque ao lado de Hitler aparecia Ernst Röhm, o Chefe da SA que o 'Führer' mandou assassinar na 'Noite dos Longos Punhais'? Ele não deveria sobreviver no filme. Assim, só depois da guerra tornou a surgir uma cópia.

Riefenstahl: Era mesmo estranho que não se conseguisse mais encontrar uma cópia. A minha também tinha desaparecido. Se ao menos eu tivesse uma cópia, teria feito algo. Os bunkers onde eu guardava meus filmes foram todos saqueados. Em 'Sieg des Glaubens' foram coladas depois seqüências com imagens de 'Triunfo da Vontade', deixando portanto de ser o meu 'Sieg des Glaubens'. Dão prova disso as imagens nas quais Hitler passa de carro pelas ruas de Nuremberg.

Hoffmann: Mas elas foram feitas somente em 1934. Absolutamente, não podiam estar em 'Sieg des Glaubens'.

Riefenstahl: Embora no ano seguinte, 1934, eu tivesse por obrigação fazer 'Triunfo da Vontade', a verdade é que 'Sieg des Glaubens' ficou muito bom. O que é a mais pura bruxaria, pois eu afinal de contas não tinha o menor interesse por udo aquilo.

Hoffmann: O filme resultou de tal forma extraordinário, que suscitou contra a senhora a acusação de estetização sugestiva do fascismo.

Riefenstahl: No caso, meu único desejo era terminar o mais rápido possível. Para não ter mais nada a ver com a coisa, eu somente esperava uma coisa, que o filme saísse mediano, ao menos isso. Ao fazer a montagem, eu não tinha a mínima noção de que um dia o filme seria tão famoso e de que ficaria tão bom.

Hoffmann: E isso ele deve ao teu gênio cinematográfico, ao estilizar, em festas hedonísticas, as tediosas paradas militares e os discursos paupérrimos. Assim como Gance, Eisenstein ou Griffith, você visualizou a beleza virtual das massas, sabendo colocá-las em movimento de forma ornamental, quase criando um duplo do 'movimento' de Hitler. A magia das bandeiras, a atmosfera de sublime elevação sacral, as canções que simulavam a comunidade, tudo isso, a nós que éramos pirralhos na época, nos impressionaou profundamente. Queríamos ser aquele tocador de tambor na tela. Pelo Führer seríamos capazes até de caminhar sobre o fogo.

Riefenstahl: Nas preparações da filmagem, andei por Nuremberg com os operadores de câmera, especialmente com Sepp Allgeier, que para mim foi o mais importante, com ele estabelecendo as posições das câmeras e como as massas deveriam ser filmicamente representadas. Para que os discursos não resultassem tão tediosos, eu tive a idéia de instalar um trilho ao redor dos oradores e de determinar toda a forma a partir do elemento fílmico. Nem uma única vez eu pensei no elemento político. O senhor pode ver muito bem que eu não incluí as Forças Armadas nas imagens. Assim, eu não encadeei as seqüências de acordo com a importância política, mas tão-somente em função de como deveria resultar o todo.

Hoffmann: E, nos cinemas, que resultado esse encadeamento produziu sobre as massas?

Riefenstahl: Muitos escreveram a respeito. Nos EUA, a Susan Sonntag. Supostamente, teria eu mesma encenado muitas daquelas coisas, talvez a ordenação dos espectadores, o que não condiz com a verdade. Eu não encenei uma única cena, simplesmente captei com a câmera o que podia ser visto na arena. Escreveram também que eu teria me valido de sei lá quantos operadores de câmera para realizar o filme, quando eu só pude contar com 13; e, entre eles, só dois ou três eram muito bons, sobretudo Allgeier. Os demais eram amadores. A qualidade do filme surgiu na mesa de montagem e com a inserção da trilha sonora. Tive muita sorte ao encontrar o Herbert Windt, que encontrou as marchas corretas e a música correta. Sem ele, o filme não teria ficado tão bom.

Hoffmann: Foi idéia de Windt fazer o filme começar com a abertura da ópera 'Rienzi'?

Riefenstahl: Sim, claro que sim.

Hoffmann: Sabidamente não mais entusiasmada com a missão que o 'Führer' lhe atribuíra, a senhora ainda realizou um terceiro filme sobre Convenção do Partido, 'Tage der Freiheit' [Dias de Liberdade], em 1935. Ele não alcança a elevada qualidade estética que permaneceu ligada ao seu nome.

Riefenstahl: Houve um barulho enorme depois da estréia de 'Triunfo da Vontade'. As Forças Armadas reclamaram com o 'Führer', porque os soldados não apareciam na tela. Aí, Hitler me convidou para uma conversa em Munique – foi num feriado de Natal. Durante o chá, em companhia de Rudolf Hess, ele me disse: 'Querida Frau Riefenstahl, não poderíamos talvez realizar alguns ajustes, pois as Forças Armadas estão bastante desgostosas. A senhora não faria uma alteração? Bastaria percorrer esses senhores com a câmera e declinar a patente de cada um deles'. Eu passei as mãos pela cabeça e gritei: 'Pelo amor de Deus, que horrível'. Pessoalmente, achei também terrível quando ele retrucou: 'Não se esqueça de quem em diante de si'.

Hoffmann: A reação de Hitler teve alguma conseqüência?

Riefenstahl: Ao se despedir, ele estava bastante irritado. E acho que com razão. Quando ele saiu, eu tive uma idéia providencial. No ano seguinte, eu faria um curta exclusivamente sobre as Forças Armadas. Mas Hitler, definitivamene não queria mais tocar no assunto, estava mesmo zangado. No ano seguinte, eu enviei a Nuremberg cinco operadores de câmera, mais uma vez Willi Zielke como o mais importante, na ocasião em que as Forças Armadas teriam a sua grande parada, e pedi que fizessem o filme. Na verdade, foi Zielke quem fez as tomadas e montou o filme. Aí ele me trouxe o material e eu passei ainda um dia inteiro retocando a montagem, essa tendo sido a minha inteira contribuição. Sim, um filme de Zielke, feito num único dia. Com o título 'Tage der Freiheit', o filme trazia o meu nome na direção.

Hoffmann: Neste filme exclusivamente dedicado às Forças Armadas, o General Walter von Reichenau, com seus monóculos, quis ver o princípio que, no rigor do ajustamento dos passos, ordena o desempenho da obediência?

Riefenstahl: Para promover uma reconciliação entre mim e as Forças Armadas, Hitler enviara convites ao creme das Forças Armadas para uma pré-estréia. Foi no outono de 1935. Cheguei com um atraso de vinte minutos. Goebbels estava radiante com o meu embaraço. Hitler já estava nervoso. Eu tinha tido um acidente de carro ou algo semelhante, por isso cheguei atrasada. Aí, pela primeira vez, o filme foi apresentado. Durou mais ou menos 25 minutos. Os senhores das Forças Armadas estavam ali sentados com suas esposas, havia uma frieza gelada. Ao longo da projeção, houve um ou outro barulho, até que, finalmente, um grande entusiasmo tomou conta da sala e todos aplaudiram. Tinha acontecido, assim, a desejada reconciliação.

Hoffmann: O conceito de montagem, depois dos seus filmes, precisou ser redefinido. A senhora aprendeu com os mestres russos da montagem? Com a receita de Eisenstein, Vertov ou Pudovkin, de que o ser humano filmado não passa de mera matéria-prima para a composição posterior de sua aparição fílmica, a ser criada pela montagem?

Riefenstahl: Vou ser obrigada a decepcioná-lo: eles não tiveram nenhuma influência sobre os meus filmes. Os filmes russos, ou os vi só muito depois ou simplesmente não os vi. É claro que admirava Eisenstein, mas sem encontrar nele nenhuma relação com o meu trabalho. Eu achava grandiosos aqueles filmes, me deixavam maravilhada. Talvez tenha havido uma influência inconsciente, pode ser que sim. Em todo caso, eu achava os filmes muito bonitos também.

Hoffmann: O grande documentarista britânico John Grierson a enaltece como 'a maior criadora do filme documentário de todos os tempos'.

Riefenstahl: Sabe o que ele fez quando estive em Londres, e que me deixou terrivelmente encabulada: Em presença de um pequeno círculo de seus colaboradores e amigos, disse algumas palavras gentis a meu respeito, depois tirou os meus sapatos e beijou os meus pés. Fiquei profundamente comovida com esse gesto.

Hoffmann: Tendo sido, na última guerra, o chefe nomeado pelos aliados para conduzir a contrapropaganda cinematográfica – com o olhar voltado para os seus filmes, tanto mais surpreendente a admiração de Grierson pela senhora.

Riefenstahl: Ele me contou de sua tentativa, durante a guerra, de fazer de 'Triunfo da Vontade' um filme grotesco, um lance de esperteza da contrapropaganda. Ele tentou de tudo, até mandou que passassem o filme de trás para diante, mas não conseguiu muita coisa.

Hoffmann: Jean Cocteau, em 1952, manifestava seu entusiasmo: 'Como poderia eu não ser um seu admirador, sendo ela o gênio da cinematografia'. E Susan Sontag, que tão profundamente condena o fascismo, acha que 'o poder da obra de Leni Riefenstahl [repousa] na permanência de suas idéias estéticas'. Até Mick Jagger a admira. A senhora se vê, aqui na Alemanha, como 'vítima inocente de uma conspiração do silêncio', como presume o 'Cahiers du Cinéma'?

Riefenstahl: Sim, na verdade é isso mesmo. Eu nunca compreendi por que, aqui na Alemanha, as pessoas me atacaram e me evitaram tanto, ou seja, fizeram exatamente o contrário do que elas próprias haviam feito, negando todos os elementos positivos que elas próprias, antes do fim da guerra, espalharam a meu respeito. Eram os mesmos que haviam escrito textos entusiasmados a respeito de 'Triunfo da Vontade' e lhe atribuíram prêmios. Terminada a guerra, passaram a demonizar os meus filmes e a falar deles como se fosse bruxaria. Passaram a vê-los com um olhar extremamente político. Depois da guerra, as pessoas ficaram, é claro, como que paralisadas com tantas coisas ruins, o que é bastante compreensível.

Hoffmann: E o que você pensava de tudo isso depois da guerra?

Riefenstahl: Também eu fiquei como que paralisada e passei a ver as coisas com outros olhos, outras cores, e tudo ganhou uma aparência horrível. Nós não tínhamos informações sobre os campos de concentração de Hitler. Na época, éramos ainda bastante ingênuos e só enxergávamos a obra positiva do 'Führer'. Mas ao saber das tantas coisas horríveis que se fizeram em seu nome e em nome do seu Partido, ficamos espantados, profundamente, justificadamente espantados. Foi uma tremenda mudança em nossa mentalidade.

[fim]
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui