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Erotico-->25. ALEGORIA -- 23/12/2002 - 06:58 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Dormi quase imediatamente. E sonhei. Abria o catecismo e o mundo se transformava. Das páginas agitadas por estranhas figuras, saía esbranquiçada névoa que, aos poucos, ia dominando o ambiente. Quando toda a paisagem se encontrava mergulhada na espessa cerração, alguém abria caminho, reclamando muito do ar viciado.

Era Honorato, não o velhinho simpático, que me acendia o desejo de acordar, mas um homem vigoroso, imponente, de gestos firmes e voz impositiva:

— Sou o gênio da cartilha. Por que me chamou?

Queria dizer-lhe que me serviria, por estar sob meu domínio. Se eu quisesse, fecharia o libreto de ouro que refulgia em minhas mãos e ele voltaria ao esquecimento. Considerava-me seu amo e senhor. No entanto, sentia-me fraco, debilitado, dependente. Analisei a situação e concluí que deveria usufruir a presença do mago fantástico.

— A quantos desejos tenho direito?

— A todos e a nenhum.

A voz ressoava na amplidão, cava, grave, repetida em mil ecos.

Enigma transcendental. Se a curiosidade se tivesse na conta de estupidez, de cobiça ou de menosprezo pela importância do revelador existencial, não alcançaria resposta. Compreendia que os desejos seriam produtivos, se me manifestasse com sinceridade, com desapego aos lucros passageiros, com real intenção de valorizar e assimilar as informações.

Muito a medo, ousei interrogar:

— Terá o amigo categoria para ler-me os pensamentos, evitando, assim, incongruentes perquirições repetitivas?

— Lerei o pensamento, se esse for o seu desejo.

A resposta dava-me profunda paz. Pensei em colocar condição para o atendimento, com o intuito de não desperdiçar as oportunidades.

Honorato-gênio explicou:

— Fico-lhe grato por não insistir em que todas as dúvidas sejam elucidadas, a partir de meras preocupações egoístas. Lerei os pensamentos mas só responderei ao que for solicitado em voz alta.

A conversa se tornava interessantíssima. Vasculhei dentro do coração o que mais poderia aproveitar da inusitada oferta. Olhei para o catecismo refulgente e avaliei que toda a teoria cristã se encontrava naquele repositório evangélico. Qualquer coisa que perguntasse redundantemente afastaria o gênio. Imaginei que pudesse ter o poder de materializar os pedidos, apenas não via como fazê-lo compreender que havia sério desejo de aprender. Em todo caso, perguntei:

— Poderá representar-me o caminho que leva ao Senhor?

— Perfeitamente. É por onde todas as criaturas deverão transitar, até que consigam méritos para adentrar no reino de Deus.

Imediatamente, se abriu o nevoeiro e surgiu larga estrada pavimentada na cor rosa, com rebrilhos diamantinos. Perdia-se na distância.

— Poderei caminhar por ela?

— Sem dúvida, apenas deverá conhecer que existe indispensável predicado para não parar de avançar.

— Devo imaginar que o predicado deva ser o amor, porque Jesus nos disse que, para chegar ao Pai, só pelo caminho do amor a ele e aos semelhantes.

Honorato manteve-se calado. Parecia estar contente por ter chegado à conclusão através de meus próprios recursos. Pensei que fosse muito elementar a primeira vitória e fiz a resenha mental das lições do Mestre nazareno. Dois mil anos e a humanidade não conhecia o caminho para Deus.

Ao pensar no desperdício humano, senti-me envolto em halo de profunda amargura. Em torno de mim, a aura enegrecia. Percebi que não estava em condições de seguir adiante. Deveria purificar-me. Contudo, o gênio, impassível, se dispunha favoravelmente a que prosseguisse investigando-lhe os poderes.

— Haveria algum modo de materializar o reino de Deus?

— Há milhares de representações possíveis. Farei o possível para aproximar o quadro de suas aspirações mais sublimes.

A distância, cresceu imenso palácio intensamente iluminado. As paredes, em tons ocres, refletiam o Sol poente, em mesclas escarlates. As janelas faiscavam e as bandeiras coloridas tremulavam ao vento, sobre os torreões medievais. Não havia símbolos religiosos. Em vão procurei uma cruz, que me apontasse o local onde o Pai assistiria.

— Devo concluir que esteja em falta o sentimento religioso, em minha concepção de paraíso?

— Não coloque dessa maneira, para não receber resposta desprovida de significado. Tome cuidado com os reais interesses. Só prosseguirei atendendo-o, meu filho, porque você ignora o que se passa dentro do coração. Do ponto em que nos situamos, não há como divisar o “local” em que estaria o Criador. Vou instigar-lhe a reflexão, colocando o seguinte problema: se Deus é a inteligência suprema, não poderá participar da natureza da matéria, uma vez que deu origem a tudo o que existe. Então, Deus não poderá situar-se em “local” algum, segundo a compreensão humana.

A lógica pareceu-me superior. Espírito perfeitíssimo, Deus não se limitaria às premissas corpóreas. Estava claro, como também estava claro que deveria dedicar-me muito mais às reflexões filosóficas, para obter respostas cada vez mais completas, cada vez mais perfeitas.

Ousei mais um pouco:

— Se é o amor que conduz ao Pai, para que servem as demais virtudes?

Enunciei a pergunta e já me soou absolutamente falsa. Quis emendar, acrescentando que considerava o amor o extrato supremo de todos os conhecimentos morais, mas era demasiado tarde. Honorato principiou dramática demonstração:

— Observe o castelo. Veja que, sem solidariedade, ele se torna deserto.

De fato, tive a sensação de estar sozinho naquela vasta região.

— Sem caridade, as paredes desaparecem.

Ficou apenas estrutura de luz, delineando os ambientes que refletiam as cores.

— Sem fé, quase não sobra nada.

Desvaneceram-se as bandeiras, os móveis, os cortinados, as janelas, as portas. Restou-lhe arcabouço luminoso, esverdeado. A estrada estreitara, adquirindo tonalidade cinza-escuro e se enchera de calhaus. Aos lados, a vegetação se fechou em pontiagudos espinhos. Nada me poderia estimular a trilhar semelhante roteiro. Contudo, o reino lá estava ainda.

— O que sustenta a imagem, caro Senhor?

— Somente a esperança. Quer que reconstitua a visão?

Queria, sim, do fundo do coração.

Súbito, porém, tudo desapareceu e me vi perante Honorato, o simpático velhinho socorrista. Sonhava, tendo a ilusão de estar acordado.

— Continua o meu Professorzinho apto a me esclarecer?

— Por muitíssimo pouco tempo. O aluno está capacitado a reconhecer as tarefas, segundo as orientações do libreto. Não precisa mais de mim. Deve liberar-me, pois, para trabalhos assistenciais a quem esteja em piores condições. Ultimamente, tenho dedicado o tempo a ampará-lo apenas sentimentalmente. Agora, haverá você, querido, de resignar-se a sofrer as conseqüências morais, sem delíquios, sem expansões vibratórias prejudiciais para o pessoal da colônia, sem outro objetivo a não ser a correção do rumo, no sentido de ir aperfeiçoando-se.

Como por milagre exercido por minha augusta vontade, concentrei-me na figura do conselheiro e transformei-o no gênio, revivendo, em todo o esplendor, o caminho e o castelo. E fiz com que caminhasse em êxtase pela estrada, até perdê-lo de vista.

Desfez-se o sonho e me senti adormecido, absolutamente sereno. Dizia-me a consciência que poderia enfrentar qualquer monstro que se criasse na saleta das projeções da memória. Acendeu-se imensa tela e pude ler, em letras garrafais, o pai-nosso, enquanto um coro de vozes angelicais entoava a canção com que Reginaldo e os colegas haviam agradecido ao Senhor.

Na manhã seguinte, estava rejuvenescido. Olhei para a pele e muitas cicatrizes não existiam mais. Preciso dizer que chorei e que Honorato me encontrou sensibilizado pela misericórdia divina?

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