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Ensaios-->Contrera no Solilóquio III - Cioran e Penfield na Mesa -- 04/10/2002 - 11:03 (U.S.I.N.A.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Por Rodrigo Contrera

Resquícios do dia jaziam esparsos na brisa da noite paulistana desta quinta enquanto o Contrera fingia enxugar lágrimas inexistentes. 'Vestido à moda parisiense antiga', 'bebendo vodca', 'arreganhar de dentes'. Esse Penfield...

Simpático, o Brum. Especialista em Schopenhauer, Nietzsche e tradutor oficial de Cioran no Brasil, o Brum soubera, no encontro, concatenar como poucos a seriedade do pesquisador, a delicadeza do homem que convive e o jogo social do ser humano que vive. Merece representar o romeno, ruminava o Contrera, sem saber a que poderia dever-se a simpática verve do Espinosa a seu respeito.

Vodca, quase. Dir-se-ia haverem passado séculos desde que, sem mais nada a provocar a fruição da mísera vida, a vodca com kiwi do conhecido puteiro servia como drink comum entre aquele romeno massudo, o leão-de-chácara, e o Contrera, nos intervalos do desfile das garotas para os clientes otários. Experimentem. Vodca com kiwi.

Grande figura, o romeno. Certa noite, metera-se a assustar uma das garotas fingindo queimar com o isqueiro o casaco delas, só para provar que não era de couro real. Era baixinha, a dita, loira tingida. Ainda bem que não continuou. Brigar contra ele não daria; porra, o cara sofrera na Legião Estrangeira, eu hein.

Mas Madalena morrera, e era preciso fazer algo a respeito, além, é claro, de acordar o Ayra. Mas Madalena morrera em filmagens, ao que parece.

Lembrou-se então do puteiro em 'Pat Garrett e Billy the Kid', de Sam Peckinpah. Do clima largado do saloon, do olhar reconhecido das garotas na cama com o decadente Pat Garrett. Não seria possível - ao menos por enquanto - imaginar palco mais adequado para a trama. São Paulo, não; não, ainda não.

Madalena morrera na festa do Usina. Lá estando, Domingos e Penfield fingiam conversar entre si enquanto o Contrera permanecia a ruminar, pari passu alguns outros se matavam a 'slam' no quadro de atritos e os membros do U.S.I.N.A. trocavam e-mails tentando concatenar os fios soltos da trama. O Ayra acordara, imagino.

Não estaria por lá o outro romeno, esse único que ainda consegue fazer o Contrera gargalhar de puríssima crueldade em pleno metrô de infinitos entediados. Não, Cioran permaneceria vagando.

Transitaria nos becos da Praça Roosevelt, em meio ao famoso punhetódromo; percorreria os salões de sexo explícito, lotados de casais e famílias inteiras a admirar o espetáculo; acotovelar-se-ia em meio a chineses entediados e japoneses com dólares disputados a tapa pelas prostitutas em plena feira de domingo. Pode muito bem ser que Cioran conseguisse uma boa aventura de graça, pois só acha que prostituta não beija na boca quem não conhece os interstícios da noite. Ninguém adota tanto os órfãos do breu quanto os morcegos em vôo em busca da grana de otários.

Que ninguém pretenda jamais desfiar toda a nobreza das profissionais que ganham a vida vendendo apenas o corpo. Encheria uma lista telefônica com os episódios de apenas uma noite. Os micróbios em luta tanto batem quanto fazem carinhos; precisam contudo primeiro reconhecerem-se a si como tais. Cobra criada reconhece serpente domesticada.

Não era isso, contudo, que mais atingira o Contrera nos dias passados. O Cioran bem que apreciaria, pensava ele, ter estado presente ao evento.

Acontecera no metrô. Como costumeiro, o Contrera permanecia colado ao lado de uma das portas quando, na estação Brigadeiro, certo senhor mais idoso mas ainda encorpado forçara sair na última hora. A vítima seria certo sujeito mal cheiroso de boca escancarada mas bem-humorado. Mas o senhor afobado fizera com que perdesse o equilíbrio. Injuriado, meteu-se a provocar. 'Vem cá, porra, vem ver'. Mas ao seu lado, sem medo, o Contrera deu-lhe uns tapinhas no ombro, dizendo 'xá para lá, cara, o véio tá perdido, não vale a pena'. E o sujeito foi aos poucos se acalmando, esboçando um riso inclusive. Na boa. De repente, eis que o sujeito se aproxima do rosto do Contrera - porra, meu, beijo não, caralho! - e diz 'sabe como é, acabo de sair da cadeia, e o cara vem mexer comigo'. Na boa. Certa surpresa, nem tanto. Na boa. 'No xadrez, ou não, o que importa?' Doutor devia ter educação. 'Qual é, meu. Doutor? Educação? Conta outra'. O sujeito dá uma última risada, antes de sair no Paraíso. 'Sorte, meu. Vai na sombra'. Vai com Deus.

Vou.

Se bem que enquanto isso seria preciso arrumar uma saída para a trama da Madalena. Ficaria para depois.

© Rodrigo Contrera, 2002.

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