Usina de Letras
Usina de Letras
177 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62266 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50655)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->A VIDA E OBRA DE FAGUNDES VARELA -- 03/03/2002 - 18:03 (Rodrigo Marques Ramos da Rocha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

ANTOLOGIA DA POESIA DE FAGUNDES VARELA, MAIOR AUTOR DA 2ª GERAÇÃO DO ROMANTISMO BRASILEIRO



- DO LIVRO 'VOZES DA AMÉRICA'


SONETO

Desponta a estrela d alva, a noite morre.
Pulam do mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho corre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo vento que o sertão perfuma!

Porém minha alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh mundo encantador, tu és medonho!





DEIXA-ME

Quando cansado da vigília insana
Declino a fronte num dormir profundo,
Por que teu nome vem ferir-me o ouvido,
Lembrar-me o tempo que passei no mundo?

Por que teu vulto se levanta airoso,
Tremente em ânsias de volúpia infinda?
E as formas nuas, e ofegante o seio,
No meu retiro vens tentar-me ainda?

Por que me falas de venturas longas,
Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta,
Doces perfumes a polutas flores?

Não basta o quadro de meus verdes anos
Manchado e roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?

Ah! não me lembres do passado as cenas,
Nem essa jura desprendida a esmo!
Guradaste a tua? a quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?

A quantos outros, inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio seio
Entre promessas de eternal paixão?

Oh! fui um doido que segui teus passos,
Que dei-te em versos de beleza a palma;
Mas tudo foi-se, e esse passado negro
Por que sem pena me despertas nalma?

Deixa-me agora repousar tranqüilo,
Deixa-me agora dormitar em paz,
E com teus risos de inferanal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!




NÃO TE ESQUEÇAS DE MIM!

Não te esqueças de mim, quando erradia
Perde-se a lua em sidéreo manto;
Quando a brisa estival roçar-te a fronte,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto!

Não te esqueças de mim, quando escutares
Gemer a rola na floresta escura,
E a saudosa viola do tropeiro
Desfazer-se em gemido de tristura.

Quando a flor do sertão, aberta a medo,
Pejar os ermos de suave encanto,
Lembre-te os dias que passei contigo,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Não te esqueças de mim, quando à tardinha
Se cobrirem de névoa as serranias,
E na torre alvejante o sacro bronze
Docemente soar nas freguesias!

Quando de noite, nos serões de inverno,
A voz soltares modulando um canto,
Lembre-te os versos que inspiraste ao bardo,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.

Não te esqueças de mim, quando meus olhos
Do sudário no gelo se apagarem,
Quandos as roxas perpétuas do finado
Junto à cruz do meu leito se embalarem.

Quando os anos de dor passado houverem,
E o frio tempo consumir-te o pranto,
Guarda ainda uma idéia a teu poeta,
Não te esqueças de mim, que te amo tanto.




SONETO

Eu passava a vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago.

Beijava a onda num soluço mago
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.

Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade
Esquecido de mim, de Deus, do mundo!

Mas ai! cedo fugiste!... da soidade,
Hoje te imploro desse amor tão fundo
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!




ELEGIA

A noite era bela: dormente no espaço
A lua soltava seus pálidos lumes;
Das flores fugindo, corria lasciva
A brisa embebida de moles perfumes.

Do ermo os insetos zumbiam na relva,
As plantas tremiam de orvalho banhadas,
E aos bandos voavam ligeiras falenas
Nas folhas batendo com as asas douradas.

O túrbido manto das névoas errantes
Pairava indolente no topo da serra;
E aos astros e às nuvens perfumes, sussurros,
Suspiros e cantos partiam da terra.

Nós éramos jovens, ardentes e sós,
Ao lado um do outro no vasto salão;
E as brisas e a noite nos vinham no ouvido
Cantar os mistérios de infinda paixão!

Nós éramos jovens, e a luz de seus olhos
Brilhava incendida de eternos desejos,
E a sombra indiscreta do níveo corpinho
Sulcava-lhe os seios em brandos arquejos!

Nós éramos jovens, e as balsas floridas
O espaço inundavam de quentes perfumes,
E o vento chorava nas tílias do parque,
E a lua soltava seus tépidos lumes!...

Ah! mísero aquele que as sendas do mundo
Trilhou sem o aroma de pálida flor,
E à tumba declina, na aurora dos sonhos,
O lábio inda virgem dos beijos de amor!

Não são dos invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam.
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por gozos se contam.

Assim nessa noite de mudas venturas,
De louros eternos minh alma enastrei;
Que importa-me agora martírios e dores,
Se outrora dos sonhos a taça esgotei?

Ah! lembra-me ainda! nem um candelabro
Lançava ao recinto seu brando clarão,
Apenas os raios da pálida lua
Transpondo as janelas batiam no chão.

Vestida de branco, nas cismas perdida,
Seu mórbido rosto pousava em meu seio,
E o aroma celeste das negras madeixas
Minh alma inundava de férvido anseio.

Nem uma palavra seus lábios queridos
Nos doces espasmos diziam-me então:
Que valem palavras, quando ouve-se o peito
E as vidas se fundem no ardor da paixão?

Oh! céus! eram mundos... ai! mais do que mundos
Que a mente invadiam de etéreo fulgor!
Poemas divinos, por Deus inspirados,
E a furto contados em beijos de amor!

No fim do seu giro, da noite a princesa
Deixou-nos unidos em brando sonhar;
Correram as horas, - e a luz da alvorada
Em juras infindas nos veio encontrar!

Não são os invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam...
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por dores se contam!



- DO LIVRO 'NOTURNAS'


NÉVOAS

Nas horas tardias que a noite desmaia,
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz.

Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada, serena dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve, puríssima e nua,
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Oh filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes,
Tão frio não sentes o pranto filtrar?
E as asas de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Não podem amar-te, nem dizem paixão!

E as auras passavam, e as névoas tremiam,
E os gênios corriam no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
Brilhante Valquíria das brumas do norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolta em vapores mais fria que a morte!

Oh! vem, vem, minh alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los ao peito incendido,
Contar-te ao ouvido a paixão delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias,
Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam,
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem
E a pálida imagem desfez-se em - neblina!

Santos, -1861.



TRISTEZA
(fragmento)

Por que te afogas, oh irmã dos anjos,
Nas ondas negras de um viver impuro?
E as santas formas do cinzel de Deus
Manchas do vício no recinto escuro?

Empírea flor, ao perpassar dos ventos,
Por que te banhas em pauis medonhos,
Quando existências de teus lábios brotam,
Quando teus olhos realizam sonhos?

É tempo ainda; nos salões da vida,
Rasga essas sedas que predizem prantos,
E à nova aurora, que te aguarda, eleva
Como a florinha os divinais encantos.

É tempo ainda; a viração sussura,
Ergue-se a terra em maravilhas mil...
Vem, minha fada, abandonemos juntos
Nosso barquinho pelo mar de anil.

Oh! vem! minh alma de teu riso escrava
Sobre o passado correrá um véu,
Então verás de teu viver, mulher,
As nuvens negras se afastar do céu.

Vem! que me importa o murmurar das turbas,
Dos homens todos o desdém profundo,
Quando no ermo a teus sorrisos, fada,
Verei de novo rebentar um mundo!

Vem! tu serás minha Atalá formosa,
Por quem na terra viverei de amores;
Teu meigo sono velarei cantando,
Teu brando leito juncarei de flôres.

Triste é o drama deste mundo ingrato,
Gelado e credo o bafejar da morte,
Mas há na vida uma estação mais negra,
Mais rija e fria que o soprar do norte.

Quando a velhice, que apressada marcha,
Vier cobrar-te seu pesado imposto,
E ao toque impuro de nojentos lábios
Sem dó manchar-te a cetinez do rosto.

Quando essa fronte, cristalino lago
Que de tu alma reverbera o céu,
Crestar-se aos poucos, se cobrir de rugas,
E dos invernos se enlutar no véu;

Quando as madeixas se fizerem brancas,
Secas, despidas de sutis perfumes,
E os olhos negros se tomarem tristes,
Em mortas brasas de passados lumes;

Que dor pungente sentirás no seio!
Que filtro amargo tragarás, mulher!
Tu, que da vida enlameaste a senda
Sem te lembrares do porvir sequer!

Rainha, em terra vê partido o cetro,
O trono de ouro reduzido a pó!
E após uma era de opulência e mando
Ver-se na vida desprezada e só!...

Vem!... uma aurora surgirá de novo;
Inda tem raios o teu sol futuro...
Não mais te afogues, oh irmã dos anjos,
Nas ondas negras de um viver impuro!

Vem! que me importa o murmurar das turbas,
O dúbio riso, o escarnecer das gentes...
Se as águas santas de um batismo pedes
Eu de meus olhos verterei torrentes.

É tempo ainda; a viração sussura,
Ergue-se a terra transbordando em flores,
Vem, minha vida, na solidão ergamos
Nossa cabana sob um céu de amores.








- DO LIVRO 'PENDÃO AURIVERDE'


AO POVO

Não ouvis?.. Além dos mares
Braveja ousado Bretão!
Vingai a pátria, ou valentes
Da pátria tombai no chão!

Erguei-vos, povo de bravos,
Erguei-vos, brasíleo povo,
Não consintais que piratas
Na face cuspam de novo!

O que vos falta? Guerreiros?
Oh! que eles não faltam não,
Aos prantos de nossa terra
Guerreiros brotam do chão!

Mostrai que as frontes sublimes
Os anjos cercam de luz,
E não há povo que vença
O povo de Santa Cruz!

Sofrestes ontem, criança
Contra a força o que fazer?...
Se nada podeis, agora
Podeis ao menos morrer!...

Oh! morrei! a morte é bela
Quando junto ao pavilhão
Se morre pisando escravos
Que insultam brava nação!

Quando nos templos da fama
Nas áureas folhas da história
Gravado revive o nome
Por entre os hinos da glória!

Quando a turba que se agita
Saúda a campa adorada:
- Foi um herói que esvaiu-se
Nos braços da pátria amada!





A DOM PEDRO II

Tu és a estrela mais fulgente e bela
Que o solo aclara da Colúmbia terra,
A urna santa que de um povo inteiro
Arcanos fundos no sacrário encerra!

Tu és nos ermos a coluna ardente
Que os passos guia de uma tribo errante,
E ao longo mostras através das névoas
A plaga santa que sorriu distante!...

Tu és o gênio benfazejo e grato
Poupando as vidas no calor das fráguas,
E, à voz das turbas, do rochedo em chamas
Desprende um jorro de benditas águas!

Tu és o nauta que através dos mares
O lenho imenso do porvir conduz,
E ao porto chega sossegado e calmo
De um astro santo acompanhando a luz!

Oh! não consintas que teu povo siga
Louco, sem rumo, desonroso trilho!
Se és grande, ingente, se dominas tudo,
Também das terras do Brasil és filho!

Abre-lhe os olhos, o caminho ensina
Aonde a glória em seu altar sorri
Dize que vive, e viverá tranqüilo,
Dize que morra, e morrerá por ti!




- DO LIVRO 'CANTOS RELIGIOSOS'



AVE MARIA!!

A noite desce, lentas e tristes
Cobrem as sombras a serrania,
Calam-se as aves, choram os ventos,
Dizem os gênios: Ave! Maria!

Na torre estreita de pobre templo
Ressoa o sino da freguesia,
Abrem-se as flores, Vésper desponta,
Cantam os anjos: -Ave! Maria!

No tosco alvergue de seus maiores,
Onde s6 reinam paz e alegria,
Entre os filhinhos o bom colono
Repete as vozes: -Ave! Maria!

E, longe, longe, na velha estrada,
Pára, e saudades à pátria envia,
Romeiro exausto, que o céu contempla,
E fala aos ermos: -Ave! Maria!

Incerto nauta por feios mares,
Onde se estende névoa sombria,
Se encosta ao mastro, descobre a fronte,
Reza baixinho: -Ave! Maria!

Nas soledades, sem pão nem água,
Sem pouso e tenda, sem luz nem guia,
Triste mendigo, que as praças busca,
Curva-se e clama: -Ave! Maria!

Só nas alcovas, nas salas dúbias,
Nas longas mesas de longa orgia
Não diz o ímpio, não diz o avaro,
Não diz o ingrato: -Ave! Maria!

Ave! Maria! - No céu, na terra!
Luz da aliança ! - Doce harmonia!
Hora divina! - Sublime estância!
Bendita sejas! -Ave! Maria!





- DO LIVRO 'CANTOS E FANTASIAS'


CÂNTICO DO CALVÁRIO
(A memória de meu filho morto a 11 de dezembro de 1863.)

Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança!... eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro!...
Eras a messe de um dourado estio!...
Eras o idílio de uma amor sublime!...
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! -Ah! no entanto,
Pomba - varou-te a flecha do destino!
Astro - engoliu-te o temporal do norte!
Teto -caíste! Crença -já não vives!
Correi, correi, oh lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto!
Correi! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de Ofir e de Golconda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer, gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! sede benditas!
Oh filho de minh alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce!
Quando as garças vierem do ocidente,
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram!
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr-do-sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!
Não mais! A areia tem corrido, e o livro
De minha infanda história está completo.
Pouco tenho de andar! Um passo ainda,
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno! e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustenho!
Tomei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! o lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias!...

Quantas horas não gastei, sentado
Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaisse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa nágua o lenho do barqueiro!
Qantos momentos de loucura e febre
Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte!

Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel?.. E tudo embalde!
A vida parecia ardente e doida
Agarrar-se a meu ser!... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, ainda na alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,
Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu hálito suave;
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor... ah! pelas fibras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que etemiza
O consórcio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos!
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria!
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,
A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os berços
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícia mimosa rebentada à sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os príncipes da terra...
Templos, altares de afeição sem termos!
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo próprio Deus!
Oh! Quantos reis que a humanidade aviltam
E o gênio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a púrpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste!
Que belos sonhos! Que ilusões benditas
Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! luz da aliança,
Calma e fui gente em meio da tormenta!
De exílio escuro a citara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
Lançou dilúvios de harmonia! O gozo
Ao pranto sucedeu, as férreas horas
Em desejos alados se mudaram...
Noites fulgiam, madrugadas vinham,
Mas sepultados num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces
Tihas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais! nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A benção do Senhor quando o deixaste!
Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas,
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo: -teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume!... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Ai! doido sonho!... Uma estação passou-se,
E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Abrasou ,com seu facho ensangüentado
Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seus dedos reais selou-te a fronte!
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio!...

Ouço o tanger monótono dos sinos,
E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo!
Escuto em meio de confusas vozes,
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuário que retalham
Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, sinto o aroma
Do incenso das igrejas, ouço os cantos
Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra!... E choro embalde!...
Mas não! Tu dormes no infinito seio
Do criador dos seres! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves,
Talvez das ondas no respiro flébil!
Tu me contemplas lá do céu, quem sabe?
No vulto solitário de uma estrela...
E são teus raios que meu estro aquecem!
Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto!
Mas não te arrojes, lágrima da noite,
Nas ondas nebulosas do ocidente!
Brilha e fulgura! Quando a morte fria,
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde azinha subirá minh alma.





PROTESTOS

Esquecer-me de ti? Pobre insensata!
Posso acaso o fazer quando em minh alma
A cada instante a tua se retrata?

Quando és de minha vida o louro e a palma,
O faro amigo que anuncia o porto,
A luz bendita que a tormenta acalma?

Quando na angústia fúnebre do horto
És a sócia fiel que azinha instila
Na taça da amargura algum conforto?

Esquecer-me de ti, pomba tranqüila,
Em cujo peito, erário de esperança,
Entre promessa meu porvir se asila!

Esquecer-me de ti, frágil criança,
Ave medrosa que esvoaça e chora
Temendo o raio em dias de bonança!

Bane o pesar que a fronte te descora,
Seca as inúteis lágrimas no rosto...
Que, pois, receias se inda brilha a aurora?

Ermo arvoredo aos temporais exposto,
Tudo pode aluir, tudo apagar
Em minha vida a sombra do desgosto;

Ah! mas nunca teu nome há de riscar
De um coração que te idolatra, enquanto
Uma gota de sangue lhe restar!

É teu, e sempre teu, meu triste canto,
De ti rebenta a inspiração que tenho,
Sem ti me afogo num contínuo pranto;

Teu riso alenta meu cansado engenho,
E ao meigo auxílio de teus doces braços
Carrego aos ombros o funesto lenho:

De mais a mais se apertam nossos laços,
A ausência... oh! Que me importa! estás presente
Em toda a parte onde dirijo os passos.

Na brisa da manhã que molemente
Junca de flores do deserto as trilhas
Ouço-te a fala trêmula e plangente.

Do céu carmíneo nas douradas ilhas
Vejo-te, ao pôr-do-sol, formosa imagem,
Cercada de esplendor e maravilhas.

Da luz, do mar, da névoa e da folhagem
Uma outra tu mesma eu hei formado,
Outra que és tu, não pálida miragem.

E coloquei-te num altar sagrado
Do templo imenso que elevou talvez
Meu gênio pelos anjos inspirado!

Não posso te esquecer, tu bem o vês!
Abre-me alma o livro tão vendado,
Vê se te adoro ou não: por que descrês?





- DO LIVRO 'CANTOS MERIDIONAIS'



A FLOR DO MARACUJÁ

Pelas rosas, pelos lírios,
Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto o sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!

Pelo jasmim, pelo goivo,
Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!

Pelas tranças de mãe-dágua
Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas
Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas :
Da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,
Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas,
Que falam de Jeová!
Pela lança ensangüentada
Da flor do maracujá!

Por tudo o que o céu revela,
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh alma
De tua alma escrava está!...
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!

Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em - á
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos, ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!




- DO LIVRO 'CANTOS DO ERMO E DA CIDADE'


VISÕES DA NOITE

Passai, tristes fantasmas! O que é feito
Das mulheres que amei, gentis e puras?
Umas devoram negras amarguras,
Repousam outras em marmóreo leito!

Outras no enlaço de fatal proveito
Buscam à noite saturnais escuras,
Onde, empenhando as murchas formosuras,
Ao demônio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixões!
Mais uma fibra trêmula e sentida!
Mais um leve calor nos corações!

Pálidas sombras de ilusão perdida,
Minha alma está deserta de emoções,
Passai, passai, não me poupeis a vida!





O MESMO

Desde a quadra mais antiga
De que rezam pergaminhos,
Cantam a mesma cantiga
Na floresta os passarinhos.

Têm o mesmo aroma as flores,
Mesma verdura as campinas,
A brisa os mesmos rumores,
Mesma leveza as neblinas.

Tem o sol as mesmas luzes,
Tem o mar as mesma vagas,
O deserto as mesmas urzes,
A mesma dureza as fragas.

Os mesmos tolos o mundo,
A mulher o mesmo riso,
O sepulcro o mesmo fundo,
Os homens o mesmo siso.

E neste insípido giro,
Neste vôo sempre a esmo,
Vale a pena, em seu retiro,
Cantar o poeta, mesmo?




AS LETRAS

Na tênue casca de verde arbusto
Gravei teu nome, depois parti;
Foram-se os anos, foram-se os meses,
Foram-se os dias, acho-me aqui.
Mas ai! o arbusto se fez tão alto,
Teu nome erguendo, que mais não o vi
E nessas letras que aos céus subiam
Meus belos sonhos de amor perdi.




ESTÂNCIAS

O que eu adoro em ti não são teus olhos
Teus lindos olhos cheios de mistério,
Por cujo brilho os homens deixariam
Da terra inteira o mais soberbo império.

O que eu adoro em ti não são teus lábios
Onde perpétua juventude mora,
E encerram mais perfumes do que os vales
Por entre as pompas festivais d aurora.

O que eu adoro em ti não é teu rosto
Perante o qual o mármor descorara,
E ao contemplar a esplêndida harmonia
Fidias o mestre seu cinzel quebrara.

O que eu adoro em ti não é teu colo
Mais belo que o da esposa israelita,
Torre de graças, encantado asilo
Aonde o gênio das paixões habita.

O que eu adoro em ti não são teus seios,
Alvas pombinhas que dormindo gemem,
E do indiscreto vôo duma abelha
Cheios de medo em seu abrigo tremem.

O que eu adoro em ti, ouve, é tu alma,
Pura como o sorrir de uma criança,
Alheia ao mundo, alheia aos preconceitos,
Rica de crenças, rica de esperança.

São as palavras de bondade infinda
Que sabes murmurar aos que padecem,
Os carinhos ingênuos de teus olhos
Onde celestes gozos transparecem!...

Um não sei quê de grande, imaculado,
Que faz-me estremecer quando tu falas,
E eleva-me o pensar além dos mundos
Quando abaixando as pálpebras te calas.

E por isso em meus sonhos sempre vi-te
Entre nuvens de incenso em aras santas,
E das turbas solícitas no meio
Também contrito hei te beijado as plantas.

E como és linda assim! Chamas divinas
Cercam-te as faces plácidas e belas,
Um longo manto pende-te dos ombros
Salpicado de nítidas estrelas!

Na douda pira de um amor terrestre
Pensei sagrar-te o coração demente...
Mas ao mirar-te deslumbrou-me o raio...
Tinhas nos olhos o perdão somente!








- DO LIVRO 'DIÁRIO DE LÁZARO'


DIÁRIO DE LÁZARO
(fragmento)

Oh! minh alma infeliz! oh! branca pomba
Dos céus lançada aos areiais da vidal
Que mal fizeste por que tantas penas
Pesassem sobre ti? Tudo sofreste!
Lançaram sobre o cofre de teus sonhos,
Na doce quadra da ilusão, das crenças,
Os sete selos do sagrado mito!
Da porta nos umbrais de teus desejos
Nefasta mão gravou a lenda horrível!
Não há mais esperança aqui chegando!
Força, minha alma! Tu não trepidaste
Quando do raio as asas inflamadas
Te roçavam raivosos! Não tremeste,
Não te cegou vertigem, quando o inferno,
Prenhe de desespero, horror e morte,
A teus pés bocejou, abrindo as fauces
Torvas, escancaradas! Não fugiste
Quando sentiste o espírito da treva
Sobre a fronte estampar-te o selo em brasa,
Que nesta vida te marcou pra sempre!
Força, oh alma imortal, divina, eternal
Das asas próprias tira a pena insigne,
Com que tens de escrever! Molha-a no sangue
Das chagas, que te roem! Coroada
De cipreste e de louro, - escreve e canta,
Sentada sobre a lousa dos sepulcros!
Seis meses são passados: com seis meses
Um mundo inteiro aniquilou-se! Um mundo
Todo de luz e de esperanças; - hoje
Um outro mundo para mim desponta,
Mas um mundo de sombras! Escrevamos
A última cena da infeliz história
Daquela vida, que passou; - nas trevas
Entraremos depois, - larva sinistra,
Entraremos depois, cantando a Morte,
Nossa última noiva, a mais sincera!






JULGAMENTO CRITICO


*Veja a opinião dos imortais da ABL e de críticos literários sobre Fagundes Varela:*


De Silvio Romero:

'A obra do poeta, aparentemente lógica, é uma das mais contraditórias que possuímos; aparentemente pessoal, é uma das mais impessoais de nossa literatura.
Mas, enfim, é por onde terei de estudá-lo. De sua leitura depreendi o seguinte: Varela não foi um triste, nem um alegre, nem um céptico, nem um liberal, nem
um autoritário; porque foi tudo isto ao mesmo tempo, conforme o ensejo e a ocasião. Foi uma natureza múltipla, variada, excessivamente excitável, atormentada
por estímulos diversos. Varela foi um agitado. Daí a verdade de suas impressões e a modalidade dos tons de seu caráter; daí essa morbidez inconsciente e irresistível que se evapora de maior parte de seu gênio, de seu temperamento de poeta. As produções, pois que por mais o definem são aquelas em que aparecem essas incertezas, essas flutuações, essas névoas, esses claros e escuros, essas vagas aspirações, esses matizes impalpáveis, essas ondulações quiméricas de um espírito inconsciente, adormecido numa espécie de embriaguez. É o que eu chamei o lirismo báquico.'
(História da Literatura Brasileira, 4º volume).



De José Veríssimo:

'O que há de bom, às vêzes mesmo de excelente em Varela, é o seu lirismo sentimental, as suas manifestações de dor de pai ou de amante, os seus lamentos de
poeta infeliz, ou que, por amor do romantismo, se fêz infeliz, quando, o que desgraçadamente acontece com demasiada freqüência, não lhe desmerecem o canto imitação ou reminiscências de outros poetas...'
(História da Literatura Brasileira).



De Carlos Drummond de Andrade:

'O seu 'Cântico do Calvário', que o conservou na memória e na emoção do povo, como no aprêço dos críticos, não é o cântico de um homem só, por mais que
o tenha deixado só a morte do filho. É um instrumento de confraternização na dor e de fusão com o poder divino, em que Varela acreditava. Em torno do poeta,
e embalando-lhe o desespêro, estão os ventos, as árvores, a respiração das ondas, a Igreja Católica, e por via de consoladoras operações o filho se transformará em
estrela e os raios da estrela se tornarão Escada de Jacó por onde asinha subirá minh alma . Mas precisamente por não ter sido um solitário perfeito, e sim um homem, embora esquivo, preso aos outros homens por uma poderosa força de comunicação, é que sua poesia ainda hoje nos invade e nos comove tanto'.
(Confissões de Minas, 1944.)




De Manuel Bandeira:

'...se nos apresenta como um retardatário da geração anterior, ainda influenciado fortemente por Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu.
As melhores inspirações lhe derivam da sua natureza de hipocondríaco, de inadaptado dentro da civilização das cidades, o que o levava muitas vêzes a buscar refúgio no selo das matas, a levar uma vida andarilha de boêmio, munido da inseparável garrafa de cachaça... Cântico do Calvário , uma das mais belas e sentidas nênias da poesia em língua portuguesa. Nela, pela força do sentimento sincero, o poeta atingiu aos vinte anos uma altura que, não igualada depois, permaneceu como um cimo isolado em roda a sua poesia.'
(Apresentação da Poesia Brasileira, 1946.)



De José lins do Rêgo:

'Era Fagundes Varela o poeta solitário, o mais solitário dos nossos poetas. Em seu tempo, a poesia brasileira atingira as montanhas de Castro Alves e
Gonçalves Dias. Varela era, no entanto, o mais poeta de todos, porque, sem a riqueza verbal, nem o gênio de apóstolo, de um, e a sabedoria do outro, foi mais ao
fundo da humanidade, cavou mais na alma dos homens'.
(Gordos e Magros, 1942.)



De Tristão de Ataíde:

'A nota paisagística foi intensa e espalhada por toda a obra, muito particularmente nos quadros bucólicos e roceiros, desse meio intermediário entre o sertão, deserto ou agreste, e a cidade. Seu talento descritivo foi extraordinário. O próprio 'Evangelho nas Selvas' o revela. É por isso mesmo uma grandiosa sinfonia, em que a poesia se destaca do poeta para viver uma vida própria, além de refletir os mais variados aspectos das próprias dores e alegrias do poeta, no ato final de sua vida atormentada. Mesmo assim, o talento descritivo e paisagístico do poeta encontra, nesse poema, mais talvez do que em qualquer outro, largo campo de expansão. '
(Poesia Brasileira Contemporânea).




De Waltensir Dutra:

'Fagundes Varela foi, assim, um poeta rico e contraditório, com um talento de muitas faces, e no qual há ainda a assinalar o aspecto religioso e a preocupação social e nacionalista... Em conjunto, essas manifestações não chegam a constituir tendência ou atitude - Varela não deixou nunca de ser individualista, reagindo um pouco ao sabor das circunstâncias.'
(Literatura do Brasil, vol. I, tomo 2, 1955).




De Jorge de Lima:

'...entretanto, desde os 'Cantos e Fantasias', 'Cantos Meridionais' e 'Cantos do Ermo e da Cidade', perpassa pelas páginas de Varela um profundo sopro místico; e
é preciso estar-se mesmo muito corroído pelo espírito podre da época para não se ter olhos capazes de enxergar centenas e centenas de páginas calcadas diretamente dos Evangelhos para glória do grande poeta que caminhará no tempo indiferentemente ao que os homens não quiseram ou não puderam ver.'
(Revista do Brasil, 3ª fase, nº 4.)




De Agripino Grieco:

'O nosso coração começou realmente a exprimir-se com Fagundes Varela, nos poemetos de Fagundes Varela, nas feminilidades dos adjetivos doces, penugentos,
desses versos, os mais doces do Brasil como os de Bocage o são de Portugal. Delicadeza, ternura meio submissa, uma carícia queixosa. São tão melodiosas as
suas sílabas que quase não carecem de rima, sendo ele, a rigor, o único dos nossos poetas que não nos fatiga nunca no trato contínuo do verso branco. O verde
das suas descrições campestres faz realmente pensar numa esmeralda. Mesmo ao falar em pinheiros e em pescadores do lago numa sobrevivência ainda da pai-
sagem européia, já se lhe sente, irreprimível, a tonalidade brasileira e, as mais das vezes, dá ele o nome exato às nossas flores e aos nossos frutos... Acima de tudo, foi ele o nosso grande poeta cristão, o nosso maior poeta cristão.' ,.,
(São Francisco de Assis e a Poesia Cristã, s/data.)





De Mota Filho:

'O romantismo de Varela não ficou na choradeira de Werther e nem, tampouco, na meditação merencórea de Lamartine. Ora o vemos alegre como um herói de Rabelais, cheio de vida, longe de qualquer abstração racionalista. Ora o vemos esperançado e fantasista, como uma criança. Ora é um deslumbrado pela natu-
reza, um sertanejo sentimental, um poeta panteísta, com a exata compreensão dos tons e dos valores das tintas locais. Ora um rebelde, um orgulhoso como Oberman, como Ortiz... foi, apesar de sua pungente tortura romântica, um dos maiores líricos brasileiros... Pessoal e fascinante, espontâneo e imaginoso. O seu pensamento foi, profundamente, o pensamento brasileiro do seu instante histórico.'
(Introdução ao Estudo do Pensamento Nacional.)




De Adelmar Tavares:

'Lira de tôdas as cordas, nenhuma cantou mais alto que a sua, quer exprimindo a fusão da tristeza das três raças formadas da nossa nacionalidade, quer traduzindo a Natureza circundante, objetiva e subjetivamente, quer exprimindo todas as gamas do sentimento humano. Pancada de forja, e arrulho de rola; estalar de raio, e amenidade musical de arroio, tudo essa poesia engrandeceu, porque sincera! Estrofes, metáforas, alegorias, simbolos e mitos, tudo se banhava e vinha do seu coração numa luz de sinceridade, como num rio a garça da madrugada. Descritivo, musical de instinto rítmico, ninguém o superou.'
(Obras Completas de Fagundes Varela, Vol. II, 1943).






De Antônio Soares Amora:

'Poeta da última década do Romantismo, impondo-se pouco depois da descrença de Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, a escola do morrer moço, e os tacapes
e borés do Sr. Gonçalves Dias (como ele mesmo diz no prefácio das 'Meridionais'), embora sacrificasse aqui e ali ao byronismo e ao indianismo, acabou por superar
a temática dos antecessores, impondo a poesia da natureza, do sentimento religioso e dos dramas da consciência moral perante as fraquezas da vida; e muito naturalmente nalguns aspectos anuncia o clima poético em que seu amigo mais moço, Castro Alves, avultaria como poeta adolescente genial: a poesia social e
a fantasia orientalista. '
(História da Literatura Brasileira)




De Nélson Werneck Sodré:

'As suas pinturas da natureza são das melhores que possuímos. Ele lhe soube dar o colorido risonho do sol e a vibração da vida... Os seus versos brancos são dos mais belos que a língua conhece. Neles, como que a rima se substitui pelas ricas modulações do idioma. O recurso fônico e o arrojo da inspiração dispensam os artificios da própria métrica.'
(História da Literatura Brasileira)








ÁLVARES DE AZEVEDO


SONETO

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre as nuvens d alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no peito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!



SEIO DA VIRGEM

'Quand on te voit, il vient à maints
Une envie dedans les mains
De te tâter, de te tenir...'
Clément Marot


O que eu sonho noite e dia,
O que me dá a poesia
E me torna a vida bela,
O que num brando roçar
Faz meu peito agitar
É o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara o cetim
Desses limões de marfim,
os leves cerúleos veios
Na brancura deslumbrante
E o tremido dos teus seios?

Quando os vejo, de paixão
Sinto pruridos na mão
De os apalpar e conter...
Sorriste do meu desejo?
Loucura! bastava um beijo
Para neles eu morrer!

Minhas ternuras, donzela,
Voltei-as à forma bela
Daqueles frutos de neve...
Ai!... duas cândidas flores
Que o pressentir dos amores
Faz palpitarem de leve.

Mimosos seios, mimosos,
Que dizem voluptosos:
'Amai, poetas, amai!
Que misteriosas venturas
Dormem nessas rosas puras
E se acordarão num ai!'

Que lírio, que nívea rosa,
Ou camélia cetinosa
Tem uma brancura assim?
Que flor da terra ou do céu,
Que valha do seio teu
Esse morango ou rubim?

Quantos encantos sonhados
Sinto estremecer velados
Por teu cândido vestido!
Sem ver teu seio, donzela,
suas delícias revela
O poeta embevecido!

Donzela, feliz do amante
Que do teu seio palpitante
Seio d esposa fizer!
Que dessa forma tão pura
Fizer com mais mais formosura
Seio de bela mulher!

Feliz de mim... porém não!...
Repouse teu coração
Da pureza no rosal!
Tenho no peito um aroma
Que valha a rosa que assoma
No teu seio virginal?...




A T...
(fragmento)

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando,
Dá vida vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minha alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tu alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
Sentir as virações do paraíso;
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira,
Que eu posso na tu alma ser ditoso,
Beijar-te nos cabelos soluçando
E no teu seio ser feliz morrendo!





CASIMIRO DE ABREU


A VALSA
(a M...)

Tu ontem
Na dança
Que cansa
Voavas
Co as faces
Em rosas
Formosas
De vivo
Lacsivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Valsavas
- Teus belos
Cabelos
Já soltos,
Revoltos
Saltavam
Voavam
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias
Pra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela,
Donzela
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vêm!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos,
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
Do vento
Cruento,
Batida,
Caída
Sem vida
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...




A ***
(fragmento)

Falo a ti - doce virgem dos meus sonhos,
Visão dourada dum cismar tão puro,
Que sorrias por noites de vigília
Entre as rosas gentis do meu futuro.

Tu m inspiraste, oh musa do silêncio,
Mimosa flor da lânguida saudade!
Por ti correu meu estro ardente e louco
Nos verdores febris da mocidade.

Tu vinhas pelas horas das tristezas
Sobre o meu ombro debruçar-te a medo,
A dizer-me baixinho mil cantigas
Como vozes sutis d algum segredo!

Por ti eu me embarquei, cantando e rindo,
- Marinheiro de amor -no batel curvo,
Rasgando afouto em hinos d esperança
As ondas verde-azuis dum mar que é turvo.

Por ti corri sedento atrás da glória;
Por ti queimei-me cedo em seus fulgores;
Queria de harmonia encher-te a vida,
Palmas na fronte - no regaço flores!

Tu, que foste a vestal dos sonhos d ouro,
O anjo-tutelar dos meus anelos,
Estende sobre mim as asas brancas...
Desenrola os anéis dos teus cabelos!




ÚLTIMA FOLHA

Meu Deus! Meu pai! Se o filho da desgraça
Tem jus um dia ao galardão remoto,
Ouve estas preces e me cumpre o voto
- A mim que bebo do absinto a taça!

- 'Feliz serás se como eu sofreres,
Dar-te-ei o céu em recompensa ao pranto' -
Vós o dissestes. - E eu padeço tanto!...
Que novos trances preparar me queres?

Tudo me roubam meus cruéis tiranos:
Amor, família, felicidade, tudo!...
Palmas da glória, meus lauréis do estudo,
Fogo do gênio, aspiração dos anos!...

Mas o teu filho já não se rebela
Por tal castigo, pelas mágoas duras;
- Minha alma of reço às provações futuras...
Venha o martírio... mas - perdão pra ela!...

A doce virgem se assemelha às flores...
O vento a quebra no seu verde ninho.
- Velai ao menos pelo pobre anjinho,
- Pagai-lhe em gozo o que me dais em dores!























---------------------------------------------------------------------

?A Vida

Luís Nicolau Fagundes Varela veio ao mundo quando o Romantismo brasileiro se achava nos primeiros degraus de sua segunda fase. Um ardente poeta, mais velho do que ele dez anos, tido como 'menino-prodígio', tornou-se o líder de uma corrente literária, o inditoso paulista Álvares de Azevedo, que fez espalhar o chamado 'mal do século' nas rodas estudantis, num tempo em que os moços se empolgavam com as paixões misturadas à boêmia e à poesia.

Nasceu o inquieto poeta de 'Cântico do Calvário' a 17 de agosto de 1841, na Fazenda de Santa Rita, no município de Rio Claro, na então província do Rio de Janeiro. A fazenda era da propriedade dos sogros de seu pai, o Dr. Emiliano, que era juiz de órfãos na vila de São João Marcos, mas que para lá havia conduzido a esposa, D. Emília de Andrade, neta do Barão de Rio Claro, a qual, por se achar desgostosa da morte prematura de uma filha, preferiu esperar o anunciado rebento junto dos progenitores. Tornou-se, pois, Luís o primeiro filho varão. Depois dele viriam mais dezesseis renovos, ficando a prole formada de seis homens e onze mulheres.

Voltando o casal, após o nascimento de Luís, para São João Marcos, dentro em pouco o pequeno já se fascinava com a viridente vegetação que o cercava. Ora no sítio do pai, ora na fazenda dos avós, o menino ia entrando em contato com a natureza exuberante, correndo os
campos e banhando-se nas águas claras do rio, sempre pajeado pelo velho escravo Modesto, que lhe dedicava os maiores cuidados. Em meio a vida campestre aprendeu as primeiras letras. Não lhe faltavam ótimas leituras na casa paterna nem na fazenda do avô, com o que se ia ilustrando cada vez mais. Naquela época e em tão rústicos lugares, a advocacia não oferecia vantagens financeiras ao Dr. Emiliano que, para sustentar a família que aumentava, resolveu abraçar também a magistratura. Como juiz, recebendo nomeação para Catalão, em Goiás, não pôde recusá-la, esperando atingir melhores horizontes. Sondaria o novo ambiente e, depois, caso tudo corresse bem, retornaria para buscar a família. Resolveu levar consigo o filho mais velho, que contava dez anos de idade, uma vez que teria de atravessar enormes e estafantes solidões. A longa viagem que fizeram em lombo de burros, ora ao sol escaldante, ora sob chuvas torrenciais, dormindo as vezes ao relento, outras vezes em casebres abandonados ou toscos ranchos de vaqueiros, deixou forte impressão no espírito do menino, acompanhando-o por muito tempo e entranhando-se em seus primeiros versos. Em Goiás, Luís adianta-se nos estudos e quando regressa ao lar já não é mais aquela criança que tanto corria e brincava pelos campos. Agora é o rapazinho que se revela ora inquieto e falador, ora sisudo e caladão. O Dr. Emiliano, em face dos múltiplos afazeres na vida forense e nos meios políticos, quase não tem tempo para velar pelos filhos. Respeitável Deputado, mais uma vez se vê obrigado a afastar-se da Assembléia, com nova nomeação de magistrado para Angra dos Reis, para onde leva a família, por não ser tão distante da fazenda.

Entrado na adolescência, diante das maravilhas marítimas, Luís se deslumbra com os novos cenários para sua inspiração poética.

Esperando voltar a Assembléia, o Dr. Emiliano transfere residência para Petrópolis, onde monta um escritório, abandonando o juizado de Angra dos Reis. Mais uma vez, aquele jovem, cuja alma se inebriava de versos, se vê forçado a deixar outros recantos aprazíveis que tanto o fascinaram. Muito mais que aos livros do curso ginasial, se apega à leitura das poesias de nossos árcades, de nossos primeiros românticos e dos da França e da Inglaterra. Faz seus passeios e diversões ao lado de companheiros humildes e gosta de prosear com as pessoas mais simples.

Pouco depois de dois anos de permanência em Petrópolis, sendo eleito, pela terceira vez, para a Assembléia Provincial, o Dr. Emiliano muda-se para Niterói, onde já se vai se tornando conhecido o poeta Fagundes Varela. Não tarda chegar a ocasião de ir cursar Direito em São Paulo.
Fervilham as repúblicas na brumosa cidade, onde vibram e discutem moços ardorosos. Fagundes passa a viver uma vida bem diferente daquela na pacata Niterói. Começa a destacar-se entre os
poetas que haviam recebido forte influência de Álvares de Azevedo, morto em plena flor da idade, antes de completar os 21 anos. Os desvarios de Byron que penetraram tanto na alma de um
pugilo de jovens em São Paulo, mesmo alguns anos depois do desaparecimento do angustiado autor de 'Lira dos Vinte Anos' e 'Noite na Taverna', faziam ainda eco no coração da juventude
acadêmica.

Demonstrando ser bom poeta e mau estudante, publica 'Noturnas' e não termina o curso que iniciou na mesma Faculdade, de que fora lente o avô paterno, do qual herdara o nome. Moço de
saúde delicada, embora dado a loquacidade durante seus arrebatamentos, se fechava numa
hermética taciturnidade, nos momentos em que se sentia atraído pela solidão. Entregando-se exageradamente à vida boêmia, manifesta-se também louco pelas serestas, saindo ao lado de alegres companheiros a cantar modinhas no silêncio das madrugadas. Empolgava-se, como a maioria dos estudantes da época, com o teatro, de tal modo que publicou na Revista Dramática o primeiro artigo, intitulado 'O drama moderno', investindo contra o teatro clássico e exaltando os dramaturgos românticos, especialmente Alexandre Dumas Filho.

Numa de suas aventuras, apaixonou-se por uma célebre mundana da Paulicéia, conhecida como Ritinha Sorocabana, cujo verdadeiro nome era Maria Clementina de Oliveira. Os parentes, na casa dos quais vivia o poeta, não podiam ver com bons olhos as suas estroinices. Daí por que desaparecia e, às vezes, ninguém conseguia localizar o seu paradeiro. Versejando nos momentos em que mais lhe ferviam na mente os vapores do álcool, não deixou de lado a prosa e escreveu
contos, alguns deles fantásticos, sob a influência de 'Noite da Taverna' de Álvares de Azevedo.

Talvez pelo vaivém que passou a sua infância e parte de sua adolescência, Fagundes permanecia um irrequieto. Em vez de freqüentar as aulas, ia de um lugar a outro, sem despedir-se de amigos ou parentes.

A chegada de um circo, naqueles tempos, agitava uma cidade inteira. Os estudantes, que tanto apreciavam o teatro, também gostavam de freqüentar os circos, aplaudindo sobretudo as
atrizes. Apaixonando-se por uma das filhas do proprietário de um deles, que realizara espetáculos nos últimos meses de 1861, Fagundes resolveu acompanhá-la. Chamava-se Alice Guilhermina
Luande e não fazia parte do elenco. No meado do ano seguinte casou-se com ela, em Sorocaba. Vieram-lhe as dificuldades financeiras e, por entregar-se doidamente a bebida, a pobre mulher
vivia desesperada, ainda mais quando ele se ausentava por longo tempo, sem lhe enviar uma só notícia. Os parentes do poeta passaram a cuidar dela assim que a viram grávida e abandonada, até
que deu a luz um menino, a quem puseram o nome de Emiliano. A criança durou apenas três meses. Voltou o poeta e caiu em profundo desespero ante o filho morto. Aquela fatalidade lhe inspirou um de seus mais belos poemas, o 'Cântico do Calvário'. Mais uma vez prefere a solidão, a vida errante pelos campos, procurando consolar-se inutilmente na bebida. E 1863, divulga 'O Estandarte Auriverde' (cantos sobre a questão anglo-brasileira). Conta com o auxílio dos
admiradores, dos parentes e da boa vontade dos editores para a publicação de seus livros. Depois de 'Vozes da América' publicou 'Cantos e Fantasias', tendo grande apreciação do público,
dividindo-se a crítica entre elogios e censuras, estas em face do desleixo e da precipitação com que compunha alguns de seus versos, ainda mais quando se achava fora de seu estado normal. A
mulher continuava enfraquecida e o poeta se encontrava à porta da miséria. Os pais, preocupados com ele, aguardavam ansiosos as suas notícias. Enfim, depois de tantas andanças errantes, volta à Santa Rita, onde deixa a esposa e segue com destino a Recife para continuar os estudos de
Direito interrompidos tão bruscamente em São Paulo. A viagem atrasa-se porque, três dias após a partida do paquete 'Bearn' a embarcação deu com o casco da proa num arrecife, causando
grande pânico aos passageiros. Na praia, aonde todos chegaram livres do perigo, o poeta ajudou a construir improvisadas cabanas para os náufragos e se pôs a consolar os mais desanimados até que foram transportados em dois vapores menores para Salvador. De lá cada qual tomaria o seu rumo. Enquanto permaneceu na capital baiana, Fagundes meteu-se nas pândegas e embriagou-se
como nunca. Um dia, resolveu pôr o pé na estrada, a caminho de Recife, amante que era da solidão, dos campos, das aventuras nos lugares agrestes. Chegou à capital pernambucana num estado bastante lamentável, indo abrigar-se na cadeia que transformou em casa de loucos com a bebida que levava para os prisioneiros. A muito custo matriculou-se no 3º ano na época em que Castro Alves era ainda primeiranista, por haver sido reprovado num dos exames e ter perdido um ano por faltas. Em tudo os estudantes de Recife se assemelhavam aos da Paulicéia, para satisfação de Fagundes, que continuou com a mesma vida desregrada. Nem mesmo com a publicação de 'Cantos e Fantasias' em luxuosa edição, já que se tornara famoso como poeta, mudou seus condenáveis costumes, preso ainda ao vício do álcool e habituado às rodas boêmias. Soube do falecimento da esposa e retornou a Rio Claro. Em 1866, tomou rumo novamente de São Paulo para matricular-se no 4º ano, que não terminou, recolhendo-se subitamente à casa paterna, onde permaneceu até 1870, poetando sem cessar e vagando como um nômade. Em 1869, publicou 'Cantos Meridionais' e 'Cantos do Ermo e da Cidade'. Durante os giros pelos campos e pelas fazendas, planejou seu grandioso poema 'Evangelho nas Selvas'. Sua mãe sofria muito por vê-lo tão desatinado, a caminhar sem rumo, em constante embriaguez, lembrando-se daquele belo menino loiro, de olhos azuis, que ela tanto acalentava em seu regaço. Desejou para o filho tresloucado um novo matrimônio, alegrando-se então quando o viu casar-se, em Barra Mansa, na fazenda dos Coqueiros, com a jovem Maria Belisária de Brito Lambert. Mas, o comportamento
dele não teve mudança. Nada o detinha em casa. Perambulava pelas fazendas fluminenses, sendo visto constantemente embriagado pelos caminhos, de tasca em tasca. Deu-lhe a segunda esposa três filhos: Lélia, em 1872, Rute, em 1873, e Emiliano, em 1874, que, como o primeiro, o nascido da desventurada Alice, morreu prematuramente. Nos seus últimos anos o poeta foi morar com os
pais, em Niterói, onde morreu a 15 de fevereiro de 1875, vítima de insulto cerebral, tendo todos ao seu lado, os amigos que mais o admiravam, os pais, os irmãos, a mulher e as filhinhas que, em pranto, embora ainda sem entenderem tudo o que ocorria ao redor delas, beijaram aquele pai que raras vezes viam, mas que, talvez para elas, fosse um vulto feito para outro mundo - um mundo muito diferente daquele em que vivia a maior parte da humanidade.







Rodrigo Rocha®




Comentarios

Margarettyw  - 29/06/2023

Novost

Margaretzfw  - 27/06/2023

Novost

Margaretrpq  - 25/06/2023

Novost

Margaretmec  - 22/06/2023

Novost

Robpfd  - 22/06/2023

Novost

Robjdr  - 21/06/2023

Novost

Margaretmvp  - 21/06/2023

Novost

Margaretkin  - 21/06/2023

Novost

Roboed  - 21/06/2023

Novost

Robrnt  - 19/06/2023

Novost

Viktoribcz  - 18/06/2023

Cinema

Viktorigdb  - 18/06/2023

Cinema

Robwey  - 16/06/2023

Novost

Viktorioyd  - 16/06/2023

Cinema

Viktoriydc  - 14/06/2023

Cinema

Vikivsk  - 14/06/2023

urenrjrjkvnm

Viktorimka  - 14/06/2023

Cinema

Vikixtf  - 14/06/2023

urenrjrjkvnm

Eldaryco  - 13/06/2023

coin

Vikinie  - 12/06/2023

urenrjrjkvnm

Eldarikp  - 11/06/2023

coin

Davidoah  - 10/06/2023

coin

Eldarjge  - 10/06/2023

coin

Davidivh  - 07/06/2023

coin

Vikidqj  - 06/06/2023

urenrjrjkvnm

Davidvgn  - 05/06/2023

coin

Vikilcp  - 04/06/2023

urenrjrjkvnm

Davidoxk  - 03/06/2023

coin

Vilianagwe  - 01/06/2023

Novost

Vilianaunq  - 31/05/2023

Novost

Serzasw  - 29/05/2023

coin

Serzbvc  - 29/05/2023

coin

Irinhnq  - 27/05/2023

urenrjrjkvnm

Serzbpg  - 26/05/2023

coin

Serzazw  - 24/05/2023

coin

Irinzjl  - 24/05/2023

urenrjrjkvnm

Irincph  - 23/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronavlu  - 22/05/2023

urenrjrjkvnm

Irinlfq  - 22/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronanbz  - 21/05/2023

urenrjrjkvnm

Irinlka  - 21/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronazmy  - 21/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronazjh  - 19/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronapwy  - 18/05/2023

urenrjrjkvnm

Evamyf  - 18/05/2023

Med

Evaaum  - 17/05/2023

Med

Evajok  - 16/05/2023

Med

Evauac  - 14/05/2023

Med

Leonpef  - 14/05/2023

urenrjrjkvnm

Leonreo  - 12/05/2023

urenrjrjkvnm

Evandv  - 12/05/2023

Med

Leonunn  - 11/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronarzp  - 11/05/2023

Life

Leonbes  - 11/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronattr  - 10/05/2023

Life

Veronadun  - 10/05/2023

Life

Leondmb  - 10/05/2023

urenrjrjkvnm

Veronasim  - 09/05/2023

Life

Sergfln  - 09/05/2023

Novost

Sergpwm  - 08/05/2023

Novost

Veronaliz  - 08/05/2023

Life

Sergusc  - 08/05/2023

Novost

Sergicu  - 07/05/2023

Novost

Svetlanaggy  - 06/05/2023

urenrjrjkvnm

Sergttl  - 06/05/2023

Novost

Svetlanaarl  - 06/05/2023

urenrjrjkvnm

O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui