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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->"Deus é Brasileiro": um filme brasileiro de sucesso -- 29/06/2003 - 06:21 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Deus dança samba: um filme brasileiro de sucesso

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Por Matthias Matussek (Spiegel Online, 01/04/2003)
Trad.: Zé Pedro Antunes
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O Altíssimo, um americano? Um belicoso fanático que devasta o mundo? Nada disso, é o que diz o mais recente sucesso nos cinemas do país do carnaval: Deus é brasileiro, e sabe dançar samba. Com a celestial comédia “Deus é brasileiro”, a nação brasileira se vê, no momento, cheia de si mesma. Na bilheteria, o filme acaba de superar o último James Bond.

É como se este filme desse seqüência a um monólogo que começou com “Cidade de Deus”, o último grande sucesso do cinema nacional, premiado em Cannes, um filme sobre gangues de traficantes, mostrando a decadência da sociedade civil brasileira. Um filme sobre bandidos traficantes de 8 anos de idade, sobre o lodaçal de corrupção em que chafurda a polícia, sobre o cinismo dos políticos. Esse foi o lado sombrio.

Agora, embalada pelo sopro de esperança com o recém-eleito presidente-operário Lula, que tem em sua agenda a paz social e o combate à fome, a nação se permite um sorriso largo – com um filme que transforma até mesmo os defeitos, como de praxe, em ouro puro. Agora Deus mesmo é brasileiro, ou ao menos aprende a ser um deles.

O argumento saiu de uma narrativa curta de João Ubaldo Ribeiro: "O santo que não acreditava em Deus". O diretor Cacá Diegues cuidou de fantasiar adiante. Desesperadamente sobrecarregado, Deus precisa de uma pausa, e procura alguém que o substitua nas férias, um santo, um homem bom – e topa, sob o céu sem contornos do miserável nordeste brasileiro, com o desocupado Taoca. A taxa de analfabetismo por ali é alta e a pobreza, endêmica, e – sob esse céu – inacreditavelmente pitoresca. Uma paisagem na qual a superstição floresce, e onde a riqueza de idéias parece ilimitada.

Quanto a Taoca, o pescador abordado por Deus – ele já nem quer mais saber de pescar, antes trata de capitalizar os efeitos especiais, isto é, os milagres divinos desse turista de barbas brancas. A situação se complica, beirando a frivolidade, quando a jovem prostituta Madá começa a se engraçar com o Todo-Poderoso. Mas qual brasileira não correria esse risco, no caso, quando Deus é representado pelo ator mais popular do país, pelo astro das telenovelas Antonio Fagundes, num escancarado bom humor de quem está em gozo de férias. Transbordando vontade de viver e virilidade por todos os poros, Fagundes confere ao filme uma leveza de comédia de boulevard.

É claro que o filme tem um happy end. Deus, que em face das circunstâncias brasileiras, com um menear de cabeça, vai tomando notas para futuras melhorias, acaba jogando na água as suas anotações. E o faz até com um sorriso nos lábios, depois de lançar um olhar para o salteador e para a jovem prostituta, que se vêem perdidos de amor um pelo outro. Seus gestos estão dizendo: Esta terra não é perfeita, mas mesmo assim é maravilhosa.

"Deus é brasileiro" obteve sucesso especialmente em cinemas de periferia, pelo interior do país, entre os pobres – eles se reconhecem. Como raramente acontece de um filme brasileiro suplantar a mercadoria distribuída às pencas por Hollywood, maior é o júbilo quando isso acontece. Para muitos críticos, o sucesso de "Deus é brasileiro" representa ao mesmo tempo um triunfo sobre o "ritmo americano", que conquistou o dia-a-dia das pessoas e o cinema. E além do mais um sucesso contra o "patriotismo belicista" de um George W. Bush, esse "Hitler globalizado" ("O Globo") – por apresentar uma modalidade mais terna de patriotismo, que não fecha os olhos para suas próprias fraquezas.

O filme, Deus e a Guerra de Bush, o Brasil de Lula e a frivolidade dos alemães, sobre tudo isso girou o bate-papo conduzido por Matthias Matussek, correspondente da revista Der Spiegel, com o escritor João Ubaldo Ribeiro, em seu apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. O público alemão o conhece não apenas do romance histórico "Viva o Povo Brasileiro" ("Brasilien, Brasilien", pela Suhrkamp), mas também das confissões de "Um brasileiro em Berlim" ("Ein Brasilianer in Berlin", também pela Suhrkamp).

Depois da queda do Muro, a convite do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD), João Ubaldo passou um ano na Alemanha com a família. A entrevista teve lugar numa manhã muito especial, pouco antes do início da guerra do Iraque: Mais uma vez, os traficantes deram sinais de sua força, ordenando que se fechassem as portas do comércio, mesmo num bairro da burguesia como o Leblon, onde vive o escritor. Durante a noite, uma granada explodiu duas ruas adiante.

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SPIEGEL: Há uma guerra na porta da sua casa, e sua coluna fala do medo de uma guerra em lugar muito distante, o Iraque.

João Ubaldo Ribeiro: Isso só parece uma loucura. É claro que é insuportável ter bandidos aterrorizando a cidade. Mas a guerra no Iraque vai transformar o destino da humanidade inteira, ela mexe com todos nós. De resto, aqui eu nunca fui atacado ainda.

SPIEGEL: Em sua história, Deus desce à terra em busca de um homem bom ...

João Ubaldo Ribeiro: Ele não vem para tirar férias. Isso eu acho um pouco ridículo. Deus não precisa de férias.

SPIEGEL: Não gosta do filme?

João Ubaldo Ribeiro: O diretor Cacá Diegues é meu amigo. Mas eu não estou lá muito entusiasmado. Pode ser que eu esteja confuso por ser o autor da história original.

SPIEGEL: Acredita em Deus?

João Ubaldo Ribeiro: Sim, mas não no sentido de uma religião organizada. Cresci como católico. Em nosso país, a Igreja é poderosa, e ela interpreta verdades definitivas. Contra isso eu me oponho. Para mim, é um pecado muito maior, por exemplo, detestar o vizinho, do que fazer sexo. Eu não acho que Deus fique se preocupando com o fato de fazermos sexo.

SPIEGEL: O senhor é filho de um jurista. Não acha que o Deus do Velho Testamento é um juiz meio ruim? Ele ameaça com penas que depois não executa, para se encher outra vez de fúria desmedida, quase genocida ...

João Ubaldo Ribeiro: Eu não acho que podemos criticar Deus. Mas é o que fazemos muitas vezes. Em minha história, Deus diz: Vocês, brasileiros, vivem criticando a minha criação, mas não conseguem sequer organizar um campeonato mundial de futebol como tem de ser.

SPIEGEL: Deus é incompreensível ...

João Ubaldo Ribeiro: Exatamente. O conceito de eternidade é algo que nós absolutamente não conseguimos compreender. Eu até acredito que Deus intervenha. Mas como? Isso é algo que nos escapa.

SPIEGEL: Se ocupasse o lugar de Deus durante as férias dele, o que o senhor mudaria?

João Ubaldo Ribeiro: Absolutamente nada. A maior parte das pessoas quer algo de Deus quando está rezando. Quando eu era jovem, eu pedia a Deus para me casar com a garota por quem estava apaixonado. Olhando retrospectivamente, eu teria me dado muito mal se ele tivesse atendido a minha prece. Ele é quem sabe o que é bom para mim. Eu simplesmente rezo para que eu queira exatamente o que ele me destinou. E para que eu seja digno da sua providência.

SPIEGEL: O filme se passa no nordeste, onde sobretudo deve ter lugar a luta de Lula contra a fome. O país inteiro está se levantando. O senhor votou em Lula?

João Ubaldo Ribeiro: Claro, como quase todo mundo.
SPIEGEL: Quais as diferenças entre alemães e brasileiros?

João Ubaldo Ribeiro: É só observa-los jogando futebol.

SPIEGEL: No livro que escreveu sobre Berlim, o senhor se mostra assustado com a frivolidade germânica.

João Ubaldo Ribeiro: É verdade, a cultura do corpo por parte dos alemães (ri). Numa praia de nudismo, eu vi alguns senhores jogando vôlei pelados. Graças a Deus, isso aqui não existe.

SPIEGEL: O senhor admite a idéia de voltar reencarnado num bávaro, como escreveu. Ficar por aí sentado, degustando cerveja, isso corresponderia também ao seu natural como baiano.

João Ubaldo Ribeiro: Durante a minha estada na Alemanha, eu nunca me deparei com alemães, só com berlinenses, bávaros, gente de Hessen.

SPIEGEL: Assim como, no Brasil, a gente se depara com cariocas e paulistas, ou com gaúchos, baianos ou mineiros ...

João Ubaldo Ribeiro: Mesmo assim, todos eles se compreendem em primeira linha como brasileiros. Como nação, o Brasil é mais velho do que a Alemanha, que só se unificou sob Bismarck. O que é diferente na Alemanha, é que ninguém na rua te olha diretamente nos olhos. As pessoas se mantêm distanciadas. Às vezes, eu me sentia invisível. Mas eu gosto muito dos alemães, estive na Alemanha muitas vezes e gostei muito de lá ter vivido.

SPIEGEL: O senhor estudou nos EUA.

João Ubaldo Ribeiro: Sim, em Los Angeles. Eu gostava dos escritores americanos, dos filmes americanos. Com o tempo, no entanto, eu sinto que essa cultura foi ficando cada vez mais distante. Hoje ela me é mais estranha do que antes, eu não sei como isso se deu. E eu tenho medo do que vem por aí.

SPIEGEL: Mais medo do que dos bandidos nas ruas?

João Ubaldo Ribeiro: Muito mais. Primeiro, vamos lá: Vivo aqui há quinze anos e nunca fui atacado. Em relação à Guerra, ela está acontecendo no Oriente Médio, uma região instável, um barril de pólvora. A guerra pode desencadear um onda de ataques terroristas. Até armas atômicas os terroristas hoje em dia podem conseguir. E para isso não precisam de nenhum Iraque.

SPIEGEL: O que acha da posição alemã? Ela é criticada nos Estados Unidos. Dizem que deveríamos nos mostrar mais agradecidos por terem nos livrado de Hitler. E que, por isso mesmo, deveríamos ficar ao lado deles.

João Ubaldo Ribeiro: Há muitos americanos que não querem a guerra. Talvez essa guerra não seja absolutamente em nome dos melhores interesses da América. E pode ser que a Alemanha esteja justamente demonstrando sua amizade para com a América, ao não entrar nessa empreitada de George W. Bush. Eu, pessoalmente, acho a posição alemã bastante imponente.

SPIEGEL: João Ubaldo, nós ficamos muito gratos por esta conversa.

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