Usina de Letras
Usina de Letras
174 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62270 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50661)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->Gregório-Homos Eroticus -- 19/03/2001 - 23:24 (Ignácio Camillo Álvares Navarro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Gregório de Matos – Poesia Erótica


Análise de dois poemas de cunho erótico-irônico à luz de: José Miguel Wisnik e Mikhail Bakhtin.

Tema I: Necessidades forçosas da natureza humana - Soneto

Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.

Busco uma freira, que me desentupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.

Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?

Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da sua mão sua cachopa.

Palavras-chave:

tronga = meretriz; prostituta, puta.
conchego = aconchego; conforto.
mapa = carta geográfica; aqui usada figurativamente como a relação de mulheres disponíveis ao seu desejo sexual.
arrebata = toma; tira violentamente.
capa = sobretudo; casaco. Também é usado na Bahia para designar a casca, a folha de fumo que envolve o charuto (que anatomicamente pode assemelhar-se ao pênis)
gadanho = unha; garra.
garupa = anca; bunda.
desentupa = desobstrua.
A via = conduto; caminho. (aqui tem o sentido figurado do pênis)
desuso = falta de uso (aqui figura como abstinência sexual)
tapa = obstrui
o bolo rapa = no jogo de cartas, o ato de levar todas as cartas (aqui o sentido é o de a freira o satisfaz plenamente, esvaindo-o de todo o sêmen que está acumulado em sua genitália).
com chalupa = com muita sorte; (no jogo de cartas chalupa são as três maiores cartas: o ás de espada ou espadilha, o ás de paus ou basto, e o sete de ouro ou manilha).
* Esta quadra diz figurativamente que Ao encontrar uma freira que o sacie sexualmente estaria ele com toda a sorte (assim como quem encontra a chalupa no jogo de cartas)
boa cepa = boa família; linhagem nobre.
repleta a tripa = (o pênis intumescido, pau duro)
mo vase = me sacie, me esvazie (no frêmito do desejo sexual o poeta admite dar toda a Europa para quem o sacie)
alimpa da carepa = limpar a caspa, a lanugem de frutos, limpar as aparas de madeira feitas pelo enxó (equivaleria hoje aos ditos populares 'afogar o ganso' ou 'descabelar o palhaço', centrando no órgão sexual masculino a ênfase do desejo sexual)
muchacha que o dissipa = rapariga, meretriz, prostituta, puta que o sacie sexualmente.
faz da mão sua cachopa = usa a mão para masturbar-se, transformando-a numa mulher, numa rapariga, numa meretriz.
** Tanto muchacha (espanhol) como cachopa (português de Portugal) significam raparigas no sentido de mulher jovem e bonita, mas também usadas como sinônimo de prostituta, meretriz, puta.


Tema II: Desaires da formosura com as pensões da natureza ponderadas na mesma dama. - Soneto

Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho é de Caterina;
E porque docemente obriga, e mata,
Não livra o ser divina em ser ingrata,
E raio a raio os corações fumina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias,
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante, e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias,
Se sendo tão formosa não cagaras!

Palavras-chave:

perlas = pérolas.
peregrina = viajante.
galhardias = elegâncias; elogios.
aras = altares
muchacha = rapariga (aqui no sentido lato de mulher jovem)
Se sendo tão formosa não cagaras! = o fecho escatológico do soneto, denota que o personagem lírico, Fábio, desiludido por um possível fracasso junto à moça, após levá-la ao topo da sua admiração, fá-la retornar à sua condição primária de ser humano dotado de todas as necessidades inclusive a de defecar)


Análise da temática erótico-irônica na poesia amorosa de Gregório de Matos:

O poeta Gregório de Matos e Guerra, legítimo jogral da Bahia seiscentista canta nesses dois sonetos a situação prosaica do homem à procura do prazer sexual, onanista no primeiro e idealizado no outro. Usa de metáforas, às vezes descabidas ou mesmo divorciadas de seu sentido, mas colocadas de forma a provocar ritmo e rima.
Gregório assimilou, nos anos vividos em Portugal, a tradição da sátira lusitana que não livrava ninguém da crítica aguda e grosseira que devassava a clausura dos conventos à procura do sexo proibido, mas praticado. O poeta tornou-se um exímio articulador da palavra. O trocadilho, os pares antitéticos, os jogos paranomásticos (palavras de idiomas diferentes, semelhantes em sonoridade e escrita com origem comum), os constantes deslocamentos entre significado e significante. Esses foram seus instrumentos afiados de cutucar a sociedade emergente, o clero e o poder constituído.
Estudioso de Quevedo, Gregório exacerba o verbo ao falar do corpo de maneira escatológica e prosaica, onde deixa transparecer seu íntimo moralista e machista, liberando a libido de forma agressiva e burlesca.
Em toda a lírica Gregoriana encontramos este aspecto burlesco onde o “bufo”, na melhor tradição de Rabelais, caricaturiza tudo o que é oficial, sério, respeitável, constituído e até sagrado.
A tradição carnavalesca da idade média está presente indiretamente em Gregório. À luz dos escritos de Mikhail Bakhtin (op. cit.), pode-se encontrar muitos pontos tangentes na obra de Gregório de Matos. A cultura cômica popular tem a chave de sua compreensão na idade média e no renascimento a partir de Rabelais e do texto burlesco de Gógol. A catarse do povo, frente à onipotência dos poderes constituidos, é o carnaval ou mais exatamente a carnavalização do mundo sério, real e cruel. É a auto-defesa, quase orgânica, dos subjugados pelo poder.
Foi assim na idade média onde, à toda pompa e circunstância inerentes ao poder dos reis, contrapunham-se as “presepadas” didáticas dos bufões e bobos da corte; no renascimento quando, aos ideais clássicos de beleza e perfeição estética, vociferavam as “imperfeições” de Gargântua e Pantagruel. E é assim ainda hoje na mesma Bahia do século XVII, quando, em oposição à sisudez da quaresma, o povo entrega-se ao “samba, suor e cerveja”. Essa tradição popular, nos trópicos já aportara na Baía de Todos os Santos, desde o tempo de Gregório – mulato emergente, polido e graduado na corte portuguesa, que, de volta às sua terra natal, cai na folia. Traduz em sua poesia a alma popular dos mercados, bares, salões, do cais do porto e, na temática aqui estudada, dos cabarés e prostíbulos; ao mesmo tempo que vivencia um prazer sádico na descrição da sexualidade das baianas, especialmente as mulatas e as freirinhas.
Entretanto, de acordo com Alfredo Bosi, ao analisar a “poesia burlesca” de Gregório de Matos, adverte para não se atribuir este conceito de “carnavalização” como foi proposta por Bakhtin ao estudar Rabelais. A essa visão, diz ele, “pressupõe-se um sistema de relações bem definidas entre texto e contexto, o que não ocorre com a lírica Gregoriana”.
O discurso fidalgo e galhardo não está contraposto ao jocoso e chulo, nem em sua abordagem do erótico, nem na crítica social e política, e muito menos em suas odes amorosas.
Bosi afirma que a análise da obra de Gregório indica um nítido corte entre dois campos distintos de experiência e significação. Quando o discurso de calão é empregado, ele ocorre dissociado em sua obra. É setorizado na crítica viperina que faz à “gentalha, à mulatada e à canalha” social e racialmente discriminada.
Temos assim uma outra face do “Boca do Inferno”: o poeta que avilta covardemente todas as mulheres que, de uma forma ou de outra, “nunca se tomaria por esposa”- ou por pertencerem à raça negra, ou por estarem prostituídas, ou ainda por encontrarem-se enclausuradas à serviço de Deus ou das circunstâncias familiares.
A face oposta é o Gregório lírico e gentil a desfiar elogios à Floralva, à Dona Ângela, Dona Teresa, Dona Victória e também a Maria dos Povos, que após desposá-la, cantou-a em versos como Sílvia – “por razão de honestidade”.
A polêmica figura de Gregório de Matos Guerra, certamente ocupará, por muito tempo, boa parte de pesquisadores, historiadores e críticos literários pois no cenário barroco, ocupa junto com Pe. Antônio Vieira, lugar de destaque pela obra que deixou.



Ignácio Camillo Álvares Navarro

__________________________________________________________________





Bibliografia:

MATOS Guerra, Gregório de, Poemas Escolhidos
Seleção, introdução e notas de WISNIK, José Miguel. Cultrix, São Paulo, 1986

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch, 1895-1975. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, tradução de Yara Frateschi Vieira – São Paulo : HUCITEC, [Brasília] : Editora UNB, 1987

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch, 1895-1975. Questões de Literatura e de Estética – A teoria do Romance, tradução: diversos – São Paulo : UNESP/HUCITEC, 1988
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui