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Erotico-->16. REUNIÃO AMENA -- 14/12/2002 - 08:52 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Seja pelo influxo da tristeza coletiva, seja porque estivéssemos cansados das trágicas revelações das consciências, o pequeno grupo de seis parceiros não se sentiu com ânimo de debater os pontos do programa. Cada qual esperava que alguém começasse, sem, contudo, estimular-se para as rememorações custosas.

Os instrutores permaneciam silenciosos, concentrados, como em prece. Pareciam-me alheios ao desenvolvimento dos trabalhos. Não desejei interromper a meditação de Honorato e não lhe encaminhei nenhuma vibração perquiridora. Entretanto, para que não perdêssemos a oportunidade do encontro, propus aos demais ligeira questão:

— Eu não tenho vontade de prosseguir sofrendo. Vocês viram o que me aconteceu ontem. Sei que outros também precisaram ser atendidos pelos médicos. Que tal se déssemos atenção aos pontos mais tranqüilos das descobertas? Por exemplo, posso dizer que encontrei motivos para acreditar em que o fato de ter-me levado ao suicídio evitou que me tornasse assassino.

Foi um riso geral. Desanuviava-se a assembléia. Todos imaginaram que estivesse brincando.

— Onde se viu falar em suicídio ao invés de assassinato como algo mais leve, mais ameno?

— Que tal falarmos em doentes em estado terminal?

— E se nos referíssemos ao abalo sísmico no Peru que nos trouxe mais de mil pessoas?

— Falemos de crianças e de flores... Quem vai enviar a coroa à família que perdeu os três filhinhos no acidente?

Atentei para a alegria fúnebre que provocara. Não quis desdizer as impressões que transmitira, mas aderi às brincadeiras com muito bom gosto. Afora ter completado alguns pensamentos aos de meu bisavô, fazia muito tempo que não tinha instante de esquecimento dos problemas. Penso nos leitores, que me tiveram de aturar as narrativas enlutadas até aqui, e sinto necessidade de arrefecer a forte pressão emocional das penosíssimas descrições.

De qualquer modo, o pessoal instou para que os temas pudessem, realmente, partir para as impressões menos dramáticas. Podíamos lembrar-nos de algumas teorias filosóficas do prazer e da dor incluídas no libreto.

— Como dizia Sócrates, o prazer maior está no contraste que se sente após o alívio das dores. Quando o sapato nos aperta o calo, nada como a sensação de prazer ao tirá-lo do pé.

José quis partilhar as observações:

— Vamos pensar bem para a frente. Parece claro a todos que iremos, um dia, obter sucesso nos tratamentos e que iremos suplantar a tristeza e a dor? Pois, então. O nosso motor está arreado. Estamos buscando substituir as peças arruinadas. E para que desejamos de volta o carro em condições de trafegar? Para passear, para trabalhar, para avançar em nosso caminho. Não nos custa imaginar que estejamos preparados para adentrar o próximo círculo de luz. Que tal sentirmos a prévia dessa alegria transcendental?

Mariana, enfermeira na Crosta, morta por dose letal de barbitúricos, achou que José estava querendo ir longe demais:

— Para mim, bastava ficar uns dez anos dormindo, tranqüila. Emendava o desejo de encarnada e dava tempo a que todas as suturas perispirituais se solidificassem. Iria ser o Paraíso.

Alfredo, terrível assassino, em recuperação há mais de quinhentos anos, lembrou-se de como partira em sua última viagem:

— Olhem que me satisfaria um tonel de aguardente. Cairia de borco, com a condição de me sentir bêbado pelos próximos quinhentos anos.

Todos acharam que deveriam, de certa forma, ridicularizar a tolice do derradeiro ato. Eu mesmo participei:

— Pois em lugar do sapato apertado, eu me contentaria em desapertar o nó da gravata...

Com o bulício, os protetores voltaram da viagem consciencial, para aconselharem-nos um pouco mais de recato. Pelo menos, que falássemos algo importante sobre as descobertas da sessão das dores e sofrimentos.

Não é preciso dizer que, incentivados pelas ondas de amizades que se formaram, todos pretenderam dar contribuição para o grupo bem apresentar-se junto à classe reunida.

Comecei eu, que me achava “em estado de graça”:

— Sei que a conclusão a que cheguei todos devem ter chegado, mas a verdade que vi nesse sistema de lembranças das dores foi relativa às influenciações mútuas que se exercem os seres em processo de represália. Quando as pessoas da mesma família se rejeitam por questões cármicas, pelos sofrimentos de outras épocas, tendem a pressionar o ânimo dos outros para baixo, ou seja, o ambiente fica carregado de energias negativas e as pessoas agem de forma a se prejudicarem a si mesmas, através do processo psicossomático.

As palavras me soaram muito falsas. Penso até que não as tenha dito com tanta clareza. Contudo, repercutiram nos demais como ducha de água fria. Notei que tocara em ponto crucial e pedi para dar mais algumas explicações:

— Senti, em relação aos meus parentes, que, apesar de tudo, por compaixão, por hábito, por defesa coletiva, talvez mesmo por se acostumarem com minha presença, algum afeto lhes despertei, da mesma forma que me afeiçoei a eles, vendo, principalmente, que todos tínhamos fraquezas e que não éramos todo-poderosos, santos ou tremendamente perversos. Colocando de maneira aproximada das lições da cartilha, posso dizer que todos os indivíduos têm aspectos bons, até mesmo quem tenha passado quinhentos anos nas Trevas...

Dava a deixa para que Alfredo completasse o raciocínio, pois julgava que tanto tempo lhe deveria ter administrado alguma lição diferente. Não se fez de rogado:

— Vocês não sabem o que é ficar afastado da convivência dos inimigos que se encontram em processo de restabelecimento. Quando estão conosco, os sofrimentos que nos impingem e os que recebem de nós trazem razões para nos mantermos em atividade, de forma que a consciência não nos pesa tanto. A cada supressão por adiantamento, cada vez que alguém desaparece dos arredores, ficamos mais pobres, mais desesperançados.

Mariana interferiu:

— Realmente, a gente, na situação de desespero, não pensa em que os outros estejam melhorando e que nós mesmos podemos também progredir.

Houve concordância unânime.

Alfredo prosseguiu:

— O isolamento é terrível. O sofrimento cresce. Entramos em crise. Tudo parece ser eterno. O que vocês não sabem é o flagelo que representa a volta à Terra, deparando com tudo absolutamente modificado. Imaginem Colombo voltando para esta época, em que os transatlânticos cruzam os oceanos sem qualquer possibilidade de desvios de rota, de encontro com tempestades, de batidas contra rochedos, de abalroamentos sequer. Eu, à vista das pessoas compreendendo os procedimentos técnicos, mordia os pulsos. Até o vocabulário, o idioma era totalmente estranho. Foi um deus-nos-acuda. Vocês podem não acreditar, mas pedi, veementemente, para ser reintegrado às Trevas. Foi assim que vim parar aqui.

Ninguém do grupo havia passado por experiência semelhante. Sendo assim, julgamos excessiva a dramatização, mas pusemo-nos de sobreaviso, especialmente quem, como eu, não tivera o ensejo de saber quanto tempo havia transcorrido desde o passamento.

Nesse momento, soou o alarme, indicando para a reunião geral.

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