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Erotico-->11. HONRAR PAI E MÃE -- 09/12/2002 - 07:50 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não podiam faltar os mandamentos na cartilha decorada. Quando o instrutor nos pediu para que considerássemos o quarto mandamento, julgamos que o tema iria ser “moleza”.

— Vocês devem resgatar a memória dos tempos em que conviveram com seus pais, padrastos, tutores, responsáveis, ou seja, com as pessoas que os ajudaram a crescer física e mentalmente.

— E se tiverem sido prejudiciais a esses desenvolvimentos?

— Não importa. O que desejamos é avaliar as perspectivas do amor filial, tendo em vista a certeza de novas encarnações. Não é justo que estejam ainda melhor preparados?

A classe se compenetrou dessa verdade. Alguns, como eu, julgamos que seria mera revisão das normas e dos procedimentos. Talvez tivéssemos cometido injustiças desde os tempos infantis. Por certo, a rebeldia da adolescência tenha ensejado desgastes emocionais a indicar para a “desonra” e não para “honra”. Mas nada que o comportamento adulto não tivesse superado.

Quando Honorato se propôs a ajudar-me, disse-lhe que não precisava. Era questão de rememorar as situações mais críticas e relacioná-las.

Para que o trabalho se desse com maior vigor, cada um de nós se isolou em cabina impermeável às influenciações externas. Na verdade, conforme descobri depois, a impermeabilidade serve para que não se exteriorizem as péssimas energizações, a partir das reações negativas. Há outra utilidade para o gabinete, qual seja, a de registrar as projeções da memória, espécie de aparelho de vídeo impressionável pelas vibrações mentais. Guardam-se as lembranças para posterior projeção, caso necessário. É que os “filmes” captam total amplitude dos quadros arquivados nas mentes, enquanto a rememoração elege somente o que os interesses pessoais designam como prioritário.

Com a memória avivada, comecei pelos tempos de nenê. Nada de anormal nas lembranças. Fui cuidado com o máximo de carinho por mamãe e por papai. Era o terceiro filho e me vi arreliado muitas vezes pelos irmãos mais velhos, Isaura e Tibério. Corria a refugiar-me junto à saia ou à calça de papai até que, grandote, chegou João, meu irmão caçula, a quem dei alguns “chega-pra-lá”, por conta da perda dos privilégios.

Notei que, a partir de então, a proteção dada ao menorzinho me indispunha com meus pais. Não sabia caracterizar como injustiça, mas sentia falta do carinho anterior. Daqui a entreter-me com os brinquedos, isolando-me dos demais, foi ligeiro passo.

A paisagem não se estendia para fora das paredes da casa. Somente comecei a vasculhar o pequenino quintal, aos quatro ou cinco anos, assim mesmo constantemente repreendido.

Isaura, que nunca me dera atenção, foi encarregada da higiene e do alimento. Fazia as tarefas com péssima vontade. Quando rejeitava seus cuidados, apanhava. Se chorasse, apanhava mais. Impiedosamente. Queria a ajuda de mamãe. Não me dava atenção. Percebia que incentivava as atitudes de minha irmã, talvez para educá-la em relação aos futuros compromissos.

Não quis precipitar a análise do posterior comportamento fechado, ensimesmado, retraído, casmurro, para não atribuí-lo às negligências materna e paterna. Acostumado, nos últimos tempos, a esperar o surgimento de outras razões, de outras causas, de outros motivos, adiei a conclusão. Mas me ficou de reserva na mente essa possibilidade.

Aos seis anos, fui largado em escola tipo maternal. À época, não atinei, nem poderia, com as necessidades financeiras que obrigavam mamãe a voltar a lecionar. Nem percebi que João também ficava entregue às babás. O certo é que comecei a tomar contacto com crianças de mesma idade e as experiências foram frustrantes. Temeroso dos mais traquejados em fazer valer a vontade, sofri derrotas morais contundentes. Um dia, dei valente mordida no braço de um mais afoito, que me havia pespegado um pontapé. Em casa, apanhei de cinta pela primeira vez.

Nesta altura das recordações, enchiam-se-me os olhos de lágrimas. Não estava, evidentemente, “honrando meus pais”. Se me lembrasse deles com muito amor, pelos sacrifícios que faziam para nos sustentar, certamente estaria cumprindo a lei mosaica.

Fechado na cabina, dei expansão à comiseração que senti por mim mesmo. Que imenso desejo de volver atrás e de proceder diferentemente! Busquei momento em que me visse ao espelho. Queria configurar o quão inocente era aos seis anos de idade. Não poderia ser maldoso para merecer o tratamento das pancadas. O que vi, no entanto, me aborreceu profundamente. Estava com olheiras mas não era criança aparentemente indefesa. Infundi medo em mim mesmo. Parecia trazer o estigma dos seres vingativos. A expressão refletida era a do “espera-para-ver-o-que-é-bom”.

Esse problema não soube resolver. Tomei nota para perguntar a Honorato.

Quando quis voltar às recordações, soou a campainha, anunciando o término do período de reflexões.

Fiquei contrariado. Como iria apresentar-me aos demais, sem ter chegado a conclusão alguma?

Honorato interessou-se por saber como me saíra. Ao referir-me ao curto período das memórias, não se abalou:

— Meu filho, vamos saber o que você considerou o mais importante. O que o impressionou mais no relacionamento filial.

— Acho que não fui feliz. Só por curtíssimo período. Depois, senti o gosto da inveja, do ciúme, do rancor, do medo. Pensava ter sido injustiçado, mas me vi negro, perverso, desleal, aos seis anos. Não posso garantir que tenha chegado a resultados plausíveis.

— Quer discutir algum tópico em particular?

— Quero saber a verdade.

— Lembra-se dos ensinos da cartilha a respeito dos conhecimentos inatos?

— Perfeitamente.

— Não acha que deveríamos vasculhar a herança existencial?

— Mas os pendores da personalidade surgem tão cedo?

— Quais foram as razões que o levaram a agir de maneira tão “negra, perversa, desleal”?

— O descaso dos familiares.

— Se não houvesse descaso, acha que teria sido diferente?

— Sem dúvida.

— Então, as suas reações, vamos dizer, malignas, resultaram das ações de seus progenitores e irmãos?

— É o que penso.

— Insidiosamente, essa caracterização inicial refletiu-se em todos os atos posteriores?

— Acredito que sim.

— Então, concorda em que o adulto seja o fruto da personalidade infantil e que os pais se encontram por detrás de todas as tendências psíquicas?

— Não sei se de todas, mas de grande parte.

— Cite uma que não seja.

— Como assim?

— Dê um exemplo em que você tenha produzido algo mau, sem relacionar com o aprendizado infantil.

— Não refleti sobre isso.

— Então, não tem certeza da afirmação quanto a ser apenas “grande parte”.

A cerrada argumentação afligia-me. Começava a sentir-me mal. Honorato percebeu e amainou o tom dramático:

— Vamos levar essas ponderações à discussão com o grupo.

Estava na hora.



Abro parêntese para afirmar que a demarcação de horários tinha a elasticidade própria do patamar espiritual em que nos situamos na colônia. Dada a necessidade de maior ou menor permanência no gabinete de meditação ou com o acompanhante é que se ouvia o despertar para a fase seguinte. Se não fosse correr o risco de ofender o nível de compreensão dos encarnados, poderia dizer que o tempo se condensa ou se expande, diferentemente do que acontece na Terra, onde se conta linearmente, em função das características energéticas do plasma material. Perdoem-me se dificultei o entendimento e fechem o parêntese.



Seis companheiros se reuniam em cada grupo, com os respectivos tutores, que ficavam observando, só influindo na participação dos pupilos.

A primeira observação que fizemos reciprocamente é que nenhum de nós estava à vontade para falar abertamente a respeito dos sentimentos de respeito aos pais. Dado que houvera instruído a todos para a redação, senti-me obrigado a principiar:

— Vou falar alguma coisa e vocês dêem seguimento.

Pareceu-me que os demais se acalmavam. Retomei:

— Cheguei à conclusão de que não amei a meus pais de acordo com o quarto mandamento. E que não refleti convenientemente durante a vida a respeito, levando comigo ressentimentos e mágoas jamais declarados mas que influenciaram em todos os meus atos. Julgo-me carente de informações a respeito das razões de não haver superado esses aspectos.

Lágrimas me vieram aos olhos. Senti-me, perante os colegas, culpado, em tema que não me parecera importante. Percebi que, se o vasculhar consciencial prosseguisse nessa linha, iria ter de mudar de atitude para a análise dos procedimentos.

Reconheci, nessas reações íntimas, a influenciação de Honorato. Eis que se definia, na prática, como é que o orientador iria atuar. Passou-me pela mente que o dia de despedir-me dele deveria estar muito longe.

Os demais apressaram-se a concordar comigo, uns mais taxativamente, outros com reservas, tendo em vista cada caso.

No final dos debates, levaríamos a plenário que os conhecimentos básicos do ponto estudado deveriam modificar-se substancialmente, para outra encarnação com maior discernimento.

Aí me veio à idéia de que não recebera qualquer instrução semelhante, antes da derradeira encarnação. Como levaria tais conhecimentos para a próxima, sem caracterizar como inatos?

Agradeci mentalmente a Honorato e dei-lhe a atribuição de velar por mim relativamente a esse tema fundamental. Teria de saber mais sobre o assunto.

O plenário discutiu exaustivamente as conclusões dos grupos. A nossa colocação logrou unanimidade, mas nem todos os resultados parciais receberam a mesma abonação.

Não teria como reproduzir todas as peripécias mentais dessa primeira conflagração de opiniões. O resultado deprimiu a todos, quando Mário encerrou a reunião, determinando que os trabalhos do dia seguinte se iniciassem com reflexões sobre o amor materno ou paterno, segundo o ponto de vista dos pais. Para isso, deveríamos examinar os vídeos, excluindo deles os nossos sentimentos daquela época. Pedia aos que tiveram filhos (quase todos) que comparássemos com as nossas reações por ocasião da infância das crianças. Trabalho quase insano.

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