Usina de Letras
Usina de Letras
175 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62270 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10381)

Erótico (13573)

Frases (50661)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4778)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6204)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->O CAROÇO DIABÓLICO -- 02/08/2002 - 20:45 (JANE DE PAULA CARVALHO SANTOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CAROÇO DIABÓLICO



Rodoviária, segunda-feira, fim de tarde quente, ónibus abafado; excelente combinação para show de mau humor coletivo, dentro do coletivo. Aquela horinha chata que se pudesse ser eliminada do cotidiano, faria enorme diferença na contagem de pontos do item satisfação.

Calor homérico, neurónios fervendo no cerebelo. Capacidade de raciocínio reduzida em vinte por cento.

_ Senhoras e senhores passageiros, estou aqui para pedir uma ajuda...

Triste ver um homem trabalhador naquela situação... Mas, velhos paradigmas afluem à tona: os mais apiedados sacam qualquer trocado, outros viram a cara e a maioria acha que isso é problema do governo.

_ Os senhores podem ver, eu não posso trabalhar...

E exibia um caroço horrendo nas costas, todo costurado. Coisa de Frankstein.

Finalizada a exposição de horrores, o homem sai à coleta. Daí, aquele esquema; dez centavos ali, um real acolá. E havia um casal evangélico, sentado à minha frente, bem característico: bíblia (encadernada e com zíper) no colo; ela de saia longa, cabelos compridos em coque no alto da cabeça; ele de terno cinza, ar circunspecto (aborrecido, eu diria).

A esposa, apiedada, começou a revirar a bolsa á cata de algum trocado, mas foi interrompida pela mão do marido.

_ Deixa que eu vou dar à ele coisa melhor.

E chamou o homem, virou-o de costas, impós as mãos em forma de concha sobre o caroço e orou.

A oração do marido, que agora denominaremos pastor, foi inflamada e fervorosa. A esposa e diversas outras pessoas no ónibus, mantinham a cabeça baixa e a mão erguida, acompanhando a prece. E era uma bela cena, até que o pastor, no auge do fervor, lançou:

_ E que se quebrem todas as maldições da macumba, umbanda, da quimbanda (...), todas as maldições dos caroços...

Não pude deixar de rir. E ele veio com outra:

_ Caroço Diabólico! É agora que você vai ser amarrado e dissolvido...

Pobre do caroço do homem. Já tinha sido operado, drenado, costurado e cerzido, agora se preparava para ser amarrado e dissolvido.

Terminada a oração, o pastor segurou o homem e iniciou um discurso que eu não me lembro de haver escutado antes. E, pela cara do proprietário do caroço - absolutamente alheia - acho que o discurso era para mim.

Falou o pastor em fé, claro. Disse ao homem que se ele não acreditasse no que havia sido dito na oração, ela de nada valeria e suas palavras teriam sido jogadas ao vento. Mas falou também em união e foram belas palavras.

Disse o pastor que a fé de uma pessoa, quando unida à fé de muitas outras essa se multiplica; que quando esse fenómeno ocorre em uma igreja, milagres acontecem. Mas se acontecesse também entre as igrejas, fatos grandiosos poderiam ocorrer. E, ainda, que se houvesse a união na fé de todas as religiões para um fato em comum, veríamos, finalmente, o amor universal de Cristo abranger os ímpios e moldar o mundo à sua vontade.

Que aquela oração, tinha sido a sua maneira de entrar em contato com o Pai, mas que outras pessoas teriam maneiras diferentes e, nem por isso, menos válidas.

Que o caminho para Deus era um só, o do amor, da correção, da solidariedade e do respeito ao próximo; e não importava como você iria, o importante era ir.

Sábio, o pastor. Boa lição para mim. Acho que ele também falava consigo mesmo e com a esposa, e até onde sua voz podia ser ouvida. Jogou a semente, o meu amigo pastor de ar aborrecido. E, como a sua semente fertilizou em mim, eu também vou jogá-la nesta croniqueta. Quem sabe fertilize outra vez.


Leia também "Jacas"
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui