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Contos-->Masoquista -- 05/10/2002 - 21:46 (Rodolfo Araújo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- Minha mulher é das piores. Soube que aquilo acontecia somente quando vi com meus próprios olhos. A desaforada ainda teve a capacidade de implorar para que eu não a despejasse de casa na hora. O pior é isso: eu deixei de fazê-lo e agora estou aqui, com os senhores. Só não me tranco em uma carapuça pois estou diante de cavalheiros que me entendem, ao menos parcialmente.

- Sim senhor, uma lástima – disse um outro desafortunado, enxugando as lágrimas com um lenço.

A roda de cabisbaixos era mais uma no Centro de Homens Traídos. Havia somente uma no Rio de Janeiro, talvez no mundo. A porta de madeira maciça era alta o suficiente para suportar os mais atrevidos cornos que por ali atreviam-se a passar. Não havia letreiro, por questões morais. Os vizinhos desavisados desconfiavam do local, já que era freqüentado somente por homens. Além disso, todos que por aquela entrada passavam chorosos, saíam profundamente aliviados. Decididamente, estranhíssimo. As casadas acima do peso sempre tinham assunto para travarem fofocas no portão enquanto a temperatura do feijão superaquecia.

- Eu sentia uma atração pecaminosa, mas que se limitava à observação. Meu passatempo era espiar a irmã de minha mulher tomando banho. Uma menina, pele com textura de pétala, uma verdadeira flor. Vejam só meu braço, senhores. Garanto aqui, juro pelo sangue que corre nas veias de minha mãe, que qualquer um neste local enlouqueceria ao ver tão iluminada beldade.

- Por Deus! Seus pêlos parecem que vão saltar para fora da pele! – assustou-se um compenetrado ouvinte.

- Sim, tamanha erupção que a menina causa-me até hoje! Está na universidade. A devassa pode estar agora com uns cinco ou seis homens, no mínimo. Aquela adora quantidade. Eu, na verdade, fui um fraco, por não sugar o sumo daquela pequena. Minha mulher encarou aquilo como traição e revidou o trauma com o médico de nossa família, ou melhor, da minha família, mesmo antes da entrada dela.

Os olhos do depoente reviravam-se como uma pedra em avalanche. A pele rubra denunciava o calor que sentia ao falar da cunhada. Um fraco, como todos os outros que ali estavam. Se as mulheres nascem perversas, os homens são masoquistas inatos.
Carlos, o primeiro a falar, continuou a lamentar-se por alguns minutos. Arrependia-se completamente do perdão que concedeu a sua mulher. Um covarde, que renunciou aos seus instintos e resolveu externar seus tremores no Clube. Manuel, o espiador da fechadura, transbordava seu ódio relatando aos companheiros rastejantes todos os minutos de adultério pelos quais passou – como vítima.
Os homens cariocas pensam que seus casamentos são um perfeito reflexo do paraíso. Chegam em casa suados, tomam um banho demorado, engolem o jantar que exigiram, recostam sobre a barriga um copo de cerveja e esbravejam como loucos diante de cada chute sem pontaria dos flamenguistas. Os cariocas com mais de dois anos de casamento são heróis que se fecham em um casulo para não mais suportarem de peito aberto a leviandade de suas esposas. Fazem-se de freiras à noite, mas, enquanto o Sol está de pé, as castas senhoras recheiam floridos e colados vestidos, sorrindo levemente a cada cortejo faminto de executivos e operários.
Este era o perfil de alguns dos freqüentadores do Clube. As reuniões aconteciam aos sábados e domingos, para que inclusive os mais atarefados pudessem comparecer. Era comovente a união entre os traídos. Imperava, de forma irônica, uma grande nuvem de fidelidade entre os companheiros. A lágrima de um era o alimento do outro.
O domingo estava ensolarado. Os habitantes do Méier, como andorinhas, migraram para Copacabana. Entretanto, lá estavam os desiludidos, choramingando tropeços e medos. Manuel e Carlos receberam, ao final de seus depoimentos, abraços calorosos dos colegas de dor. Chegou a vez de um corno alto, olhos azuis, terno milimetricamente perfeito. Parecia mais uma brincadeira tal homem estar ali, com olheiras e um cantil de uísque vibrante nas mãos. O mediador, imparcial, passou a palavra ao infeliz.

- Bom dia, senhores. Esta, como devem saber, é a primeira reunião da qual participo. Meu nome é Lúcio, sou oficial do Governo Federal. Fiquei extremamente tocado por cada uma das histórias, mas creio que a minha é a mais assustadora, horrenda, cruel, destruidora, aterradora...

- Sim senhor, se não contar, não veremos justificativa para tantos adjetivos. – às vezes, o mediador nutria-se destas demonstrações de autoridade, mas era igualmente corno. Sua única vantagem era pagar o aluguel do local.

- Desculpe-me...permita que eu continue. Em uma de minhas missões, apaixonei-me por uma mulher esguia, loira, infinitamente culta. Falava cinco idiomas, lecionava para crianças e adolescentes a arte de acariciar nossa tão amada língua portuguesa. Ah, senhores, como é doloroso falar desta amaldiçoada...bem, mas, continuando...a dama era das mais respeitáveis! Que corpo, que mente! Os dois, simetricamente sãos. Esqueci-me, porém, do caráter, senhores.

O discurso de Lúcio inflamava-se a cada frase. Alguns cochichavam, dizendo que o verdadeiro lugar dele era um palanque. Como sabia chorar aquele homem. Um derrotado profissional, que tirava proveito de seus sofrimentos. Contorcia-se com beleza, ampliava seus sulcos estomacais como ninguém. Conheceu Maria Helena em São Paulo. Lúcio telefonava semanalmente para a paulista e, paralelamente, economizava dinheiro para encontrá-la novamente. Seu salário rendia-lhe um lucro ínfimo, uma vez que morava sozinho. Seus ternos eram heranças do pai e do irmão mais velho, por mais bem cuidados que fossem.

- Chegou o momento de visitá-la. Parti para São Paulo desesperado em um avião. Não via a hora de colocar minhas mãos desesperadas naquela carne dourada. Senhores, como era enorme o meu desejo. Que gana! Nunca havia fixado um objetivo com tanta veemência. Os senhores têm idéia do que isso significou para mim, senhores? Ela estava avisada, mas não estava no aeroporto para me aguardar. Esperei à exaustão, até quando resolvi partir para um hotel, bem no centro daquela cidade. Passei por vários bêbados e mendigos, quando entrei em uma portinhola emoldurada por uma luz de neon rósea. No dia seguinte, sem notícias da desgraçada, depois de ter jogado pela janela todas as minhas economias em telefonemas e passagens, decidi ir até a casa de Maria Helena. Seu endereço estava em uma das cartas que levei comigo na mala. Depois de muito errar, meus amigos, cheguei à esquina derradeira. Oh, não sei nem se deveria continuar com esta tragédia...

- Vamos, homem! Vá em frente! Somos todos cornos aqui! Não há o que temer, o pior já passou – bradou Rico, o mais efusivo dos traídos.

Lúcio respirou algumas vezes compassadamente e prosseguiu:

- Senhores, Maria Helena estava cercada por cinco homens. Logo, deduzi que era um assalto. Meu amor, uma presa acossada por quase meia dúzia de delinqüentes! Não hesitei. Corri com meu guarda-chuva até o aglomerado e fui desferindo golpes para todos os lados. Repentinamente, Maria abordou-me, pedindo para que eu parasse.

- Mas como, caro Lúcio? Por que isto? Eram ladrões famintos?

- Não, amigo. Eram amantes de Maria Helena. Meu guarda-chuva foi usado contra mim. Os seis me despejaram da rua. Só tive condições de voltar porque não havia levado comigo os bilhetes do avião. Vergonha, humilhação. Desde então, nunca mais tive coragem de levar a sério uma frase feminina. As mulheres são terrivelmente ardilosas. O maior crime da Igreja Católica é manter na castidade mulheres tão santas. Freiras, sim, deveriam ser verdadeiras esposas.

- Não! – interrompeu um calvo senhor.

- Por que discorda, caro?

- Fui traído por uma freira. A mais vadia das pistoleiras. Nunca confie em uma mulher. Elas são orientadas por uma força descomunal, que não leva em consideração critérios familiares, estéticos, tampouco religiosos. Você é um menino, um iniciante na árdua e longa trilha dos vitimados pelo adultério. Seja bem-vindo ao nosso Clube!

Inacreditavelmente, todos aplaudiram o novato. Uma cena patética, mas assim acontecia de forma regrada, já que basta à mulher o nascimento para que ela seja desonesta com o sexo oposto. Por outro lado, de maneira absurda para aquela rotina, Rico levantou-se, subiu em sua cadeira e gritou:

- Amigos! Não suporto mais estas histórias! Não podemos ficar cultivando estas úlceras! Que diabos! Nunca vi um lugar tão inundado de lágrimas! Aqui, sim, é a maior praia do Rio de Janeiro. Um mar ridículo de lamentações. Eu mesmo já não consigo engolir minha imagem no espelho. Agora, um rapaz tão jovem, tão viril – aparentemente -, já apunhalado por uma mulher. Uma paulista...que humilhação! Dizem que as paulistas são mais sagazes e cascavéis do que as cariocas. Talvez as ventanias cortantes façam com que as malditas sejam ainda mais frias que as nossas nativas.

Completamente tomado pelo espírito voraz da vingança, Rico, trivialmente traído com um carteiro, berrou:

- Companheiros, vamos à devolução! Devolveremos cada centavo que pagamos, cada lágrima que derrubamos, cada lata de cerveja que deixamos de beber, cada gol que abdicamos de assistir! Todas as horas trabalhadas, o pão dos domingos, os passeios de carro! Malditas, devassas, desvairadas! Chegou a hora!

E saíram todos juntos, gritando palavras de ordem, inebriados pelo revolucionário espírito de Rico. O comandante da manifestação disse:

- Somos os vinte do Forte! O Forte do Méier! Os Fortes do Méier! Proponho aos senhores o seguinte: vamos à casa de cada um dos senhores. Façamos uma peregrinação sem limites. Tenho foices em casa. Desgraçadas! Morram elas e as demais envolvidas, se junto estiverem! Quem quer ser o primeiro!

- Eu! – respondeu Manuel, fervorosamente.

E assim foram todos. Sua casa era bem próxima, numa ladeira movimentada. O dono da casa entrou, seguido pelos demais. Todos tinham armas, de foices afiadas a pedaços de madeira com pregos nas pontas. Vinte homens dentro da pequena residência. Lá estavam, a fofocar, a mulher e a jovem cunhadinha, vestidas em roupas curtas, para não dizer imorais.

- Nossa, Manuel, tantos amigos assim para assistirem ao jogo?

- Sim, querida, muitos, não? Boa tarde, minha cunhadinha...
- Companheiros! Sentem aí. Ah, querida, antes que se assuste, essas armas são o que usamos em um mutirão.

- Ah, resolveu trabalhar em grupo, agora? Que te deu, hein Manuel?

- Nada, nada...às vezes temos uns estalos de lucidez na vida. Um desses exemplos está aqui, ao meu lado, não é, Rico?

- Claro, claro, meu amigo. E então, vamos começar a desfiar as carnes?

- Que carnes?

- É, meu bem, o Rico propôs um churrasco.

- Mas não temos nem contra-filé hoje, Manuel!

- Só que hoje, querida, faremos diferente, não é, amigos?

- Não entendi...- disse a esposa.

- Manuel, onde quer chegar? Você nunca foi disso! – atreveu-se a cunhadinha.

- Pois resolvi mudar, não é, amigos?

- Sim!! – berraram todos, em coro, já ansiosos pelo ataque.

Manuel pegou uma das foices pediu para que sua mulher passasse o dedo indicador sobre a lâmina.

- Afiada, hein, meu bem – disse a adúltera.

Manuel corroborou a constatação da cônjuge decepando-lhe o mesmo dedo. Ela, aos prantos, desesperada, tentou fugir.

- Nada disso, minha amiga, isso é só o começo da redenção. Viva Manuel!!!! – declarou Rico.

- Viva!!!!!!! – todos se deliciavam.

- Não, não!!! Parem! Deixem minha irmã em paz!

A mulher de Manuel caiu no chão, chorando de medo e dor. Já sua irmã estava sendo desfiada sumariamente pelo mais quieto dos participantes. Ele quase não palpitava nas reuniões. Era o mais deslumbrado. Manuel voltou-se para a esposa e colocou a lâmina em seu pescoço. Suado, transtornado, excitado, começou a sentenciá-la:
- Vagabunda! È de família, não? Esta pirralha! Nunca encostei um dedo neste filhote de piranha! Somente a observava, delirante. Ela me provocava! Ela me chamava! E você acabou dizendo que fora para a cama com aquele doutorzinho por um desejo de solteira! Sem razão, sem direitos. Vai morrer!

Cabeça para um lado, corpo para o outro. Como guerreiros, o bando saiu correndo, com as armas para o alto, em direção à casa de Carlos. Lá, mais um massacre. E assim foram, até a penúltima das casas. Rico, planejando todo o ataque com uma incrível rapidez, notou que deveriam refugiar-se em alguma mata. Foram para uma estrada fechada no caminho de Petrópolis. Abandonaram os carros e partiram entre as árvores, até que acharam uma clareira. O comandante disse:

- Conseguimos!! Precisamos, agora, fugir!

- Espere, eu tenho uma pequena objeção. Falta a minha, a paulista!

Todos lembraram-se do descuido prontamente.

- Para os carros! Para São Paulo!

Horas depois, já com a madrugada, os cães e os mendigos nas ruas paulistanas, seguiam os loucos para a Alameda Nothmann.

- Aqui, venham...silêncio...ela mora sozinha e tem o sono leve. Pelo menos era isso o que a traidora dizia.

Agora, o comandante era Lúcio. Ele colocou o ouvido direito junto à porta da casa de Maria Helena. Pediu para que todos se escondessem. Ficou sozinho na rua. Ele e as antigas casas. Sem medir as conseqüências, soltou a voz em uma serenata individual. Estava possuído.
Maria Helena, atraída pela voz potente e familiar, abriu a janela:

- Lúcio? O que está fazendo aqui? E, ainda por cima, esta hora? Não sabe que trabalho?

- Desculpe-me, não consegui esquecê-la. Deixe-me entrar, por favor!

- Claro, vou abrir a porta.

- Maria Helena cumpriu a promessa e Lúcio entrou. Os demais ficaram do lado de fora, aguardando o sinal do comandante. Assim, ao menos, havia acontecido nas outras oportunidades.

O tempo passou e o amanhecer chegou. Os guerreiros, impacientes, acharam que Maria Helena agredira ou até matara Lúcio. Resolveram entrar. Depararam-se, então, com uma cena frustrante. No quarto, os dois faziam amor apaixonadamente. Não era tática alguma. Lúcio dizia, com toda a força de seu espírito masoquista, que amava Maria Helena. Ela, do mais alto pedestal de sua perversidade, rendia-se ao físico prazer. Todos, cabisbaixos, partiram para algum lugar onde as sirenes não pudessem alcançar. Lúcio e Maria Helena mal perceberam a incursão dos traídos. E ali, juntos, assistiram à alvorada, serenos, como se o passado fosse uma mera fagulha da história. Rico, antes de entrar no carro, deixou a foice de lado, olhou para trás e balbuciou, derrotado:

- Masoquista...

E Manuel completou:

- Corno!






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