O Papel da Imprensa
(por Domingos Oliveira Medeiros)
Acordara cedo. Levantou-se disposto. Entrou no banheiro. Fez tudo que queria. E agora estava no banho. Cantarolava. Ensaboava-se. Bufava pelas narinas. Até retirar a última espumam do corpo. Fechou a torneira. Pegou a toalha e a colocou sobre o corpo. E foi para o quarto. Trocou de roupa. Abriu a porta. E foi até a padaria. Comprar pão. E também um tablete de manteiga. Tinha esquecido de algo. Lembrou-se. Leite e um pouco de presunto. Defumado.
Voltou com o saco ainda em fumaça. O pão acabara de sair do forno. E ele mastigava uma ponta de um deles. Foi até o jornaleiro. Deu uma olhada geral no mostruário. E comprou o jornal de sua preferência. E tomou um susto. Em quase todos os jornais a mesma manchete. Muitas mentiras. Bush havia desistido de atacar o Iraque. Fernando Henrique deixará saudades. Pesquisas de opinião estão cada vez mais corretas. O serviço de meteorologia prevê tempo bom com sol e praia para este final de semana. Diminui o buraco de ozônio. Governo autoriza a caça às ararinhas azuis que estão invadindo o interior da Bahia. Governo desorganiza o crime organizado. Cai a procura pelas drogas. CPI do futebol prende mais de trinta cartolas. Deputado é preso em flagrante porque estaria comprando votos. A dívida externa, segundo o governo, é perfeitamente administrável. Não há crise na economia mundial. FMI continua ajudando o Brasil a sair da crise. Cai o nível de desemprego. Segunda-feira, oito milhões de empregos esperam pelos desempregados.
Acordou assustado. Com o barulho dos carros. Engarrafados. Que formavam filas bem rente ao local onde costumava dormir. Era um engarrafamento. Aparentemente sem explicação. Sentou-se em cima de um papelão. Protegido por uma árvore de porte médio. Era um trabalhador que há dois anos tinha perdido o seu emprego. Depois de muita procura resolvera mendigar. Pedir esmolas na rua.
Passou as mãos pelo rosto. O sol já começava a esquentar. Foi até próximo ao acidente. O corpo estirado no asfalto era de seu amigo. Tinha sido atropelado há poucas horas. Estava coberto com jornais e papéis de propaganda política. Dava para ler muita coisa. “Vote em mim. Pela segurança no trânsito. Por mais empregos. Mais hospitais. Mais escolas. Mais alimentos. Vamos dar um basta à violência.” E ele começou a chorar. E passou mal só em pensar que momentos antes estaria comendo pão com presunto. Defumado. Fez uma correlação com o acidente. Uma sensação de vômito lhe veio de repente. Estava triste e mal alimentado. Seria tudo mentira? Antes fosse.