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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->ANSELMO DUARTE: PALMA DE OURO PARA O CINEMA BRASILEIRO -- 16/04/2003 - 01:44 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Há 30 ou 40 anos, ele não teria podido sair às ruas onde quer que estivesse. Desta vez, chegou sozinho ao SESC/Araraquara, impecavelmente vestido, perfeitamente de bem com a vida que leva num apartamento de cobertura na cidade de Salto ("dizem que resolvi criar galinhas"), onde nasceu aos 21 de abril de 1922. Os mídia locais nem se deram conta de sua presença. Nenhuma chamada nos jornais, nenhum repórter, nada. A agenda da cidade não incluía, naquele dia, por algum equívoco lamentável, o evento FOTOGRAMA, que, em sua 2a. edição, trazia ANSELMO DUARTE para falar da adaptação cinematográfica de obras literárias (entre outras obras, ele adaptou "O tempo e o vento", de Érico Veríssimo, escrevendo o roteiro para "Um certo Capitão Rodrigo").

Nos anos 30, 40 e 50, ele foi o maior galã do cinema brasileiro, tendo sido o único a trabalhar para os três maiores estúdios que o país já possuiu: a Cinédia, a Atlântida e a Vera Cruz.

A carreira de galã começou por acaso. Em visita ao estúdio da Cinédia no Rio de Janeiro, formado que era em Economia e escrevendo para uma revista do ramo, lhe pediram que dissesse algo para a câmera, para testar o equipamento. O diretor italiano, Pieralisi, viu nele um talento natural, um Mastroiani caboclo, com sotaque caipira. Deixando para trás uma lista de aspirantes ávidos por uma carreira, Anselmo, sem querer, acabou sendo o protagonista de "Appassionata". Tinha início uma carreira que inclui 32 filmes como ator, 12 como diretor, 9 roteiros originais e 8 adaptados.

Em uma de suas visitas a Araraquara, foi procurado por um jovem repórter, que queria saber se era difícil fazer na capital aquilo que ele fazia para um jornal da cidade. Em crônica recente, Ignácio de Loyola Brandão fala desse que o acolheu em sua casa e seria amigo por toda a vida.

Anselmo fez questão de trazer a reprodução de um dos fotogramas de "O Pagador de Promessas", assinalando com a caneta bic um dos figurantes de uma das cenas na escadaria em Salvador. Ninguém menos que o hoje famoso escritor Ignácio de Loyola Brandão, que estava de passagem pela capital baiana e participou das filmagens.

Muito em breve, Anselmo Duarte vai estar em Salvador para a inauguração de uma placa. A escadaria passa a se chamar "Escadaria do Pagador de Promessas".

Ao longo do evento FOTOGRAMA, exibimos trechos de "Absolutamente Certo", de "O Pagador de Promessas" e de "O Caso dos Irmãos Naves", para que ele comentasse com a platéia.

Entusiasmou-se, ao reconhecer, entre os figurantes na platéia de "Absolutamente Certo", o jovem Fúlvio Stefanini.

Comentou que, na escadaria de "O Pagador de Promessas", não havia aqueles postes com as luminárias. Foi idéia dele, para imprimir maior plasticidade às cenas. Pois os postes acabaram ficando. Continuam lá até hoje, como no filme.

Para filmar, na seqüência final, a cena em que os capoeiristas entram na igreja com a cruz e, sobre ele, o corpo de Zé do Burro, foi preciso tirar o telhado de uma das casas que ficavam defronte à escadaria. A tomada que mostra a cruz entrando na igreja, contava ele, foi a mais aplaudida pelo público em Cannes, a mais elogiada pela crítica.


Filho de costureira, sem dinheiro para pagar ingressos, nada melhor do que ser "molhador de tela". O projetor ficava atrás da tela, fazendo com que esta perigosamente se aquecesse. É o que se vê em "Cinema Paradiso", filme que ele lamenta não ter feito antes. Chegou a escrever um roteiro que era praticamente a primeira parte do filme de Giuseppe Tornatore. Dito de outra forma, o filme de Tornatore é um pouco a sua história, desde "molhador de tela" até galã e cineasta. Mas ele não teria cometido o erro do diretor italiano, que usou, na cena do molhador, uma tela moderna, não-inflamável.

No final dos anos 40, as chanchadas já não correspondiam mais às idéias do "molhador de tela" ou do galã consagrado. Mesmo com a resistência do produtor Anibal Massaíni, escreveu o roteiro de "Carnaval no Fogo", que se transformaria num dos mais estrondosos sucessos que o país já conheceu, mudando para sempre a maneira de se fazer chanchada e cinema entre nós.

Em 1958, o galã quis dar uma nova guinada. Como diretor, provou que estava também "Absolutamente Certo", como quer o título do filme e como vai dizer Dercy Gonçalves na cena final, mas também como diriam os aplausos do público que lotou os cinemas. No papel da mocinha, a araraquarense Maria Dilnah. Depois do evento, um amigo, o Ivo Dall’Acqua, comentava: "Foi com esse filme que Dercy Gonçalves passou a ser Dercy Gonçalves".

Depois desse êxito inicial, Anselmo foi filmar em Portugal e na Espanha, tendo visitado o Festival de Cannes em três edições seguidas. A história de como conseguiu um crachá de jornalista ("uma revista de economia que discutia os aspectos comerciais do cinema", foi o que ele alegou) e ainda conquistou o coração da adida de imprensa que distribuía os crachás foi uma das muitas aventuras rocambolescas que ele relembrou diante da platéia do Fotograma. "Eu sempre fui muito namorador", ele chegou a dizer sem empáfia. O velho Pasquim, em 1969, publicou uma entrevista com ele escarafunchando todos os podres, como só o velho Pasquim sabia fazer. Está na net.

De Cannes, retornou como uma certeza. Sabia como fazer um filme para concorrer com os grandes do cinema internacional no ano seguinte.

Para a edição do Festival de Cannes de 1962, estava anunciada a mãe de todas as superproduções hollywoodianas, "The King of the Kings" [O Rei dos Reis]. Segundo o diretor brasileiro, lá vinham eles com mais um daqueles Cristos de olhos azuis, maquiagem carregada, roupas de bordel. Anselmo não teve dúvidas. Levaria um Cristo brasileiro. Como tantos pelo país afora, maltratados, maltrapilhos, famintos, injustiçados, oprimidos pelos poderosos. Já tinha até um roteiro esboçado, a história de um "Messias" de subúrbio. Mas, o destino fez com que ele estivesse presente à estréia de "O Pagador de Promessas", a peça de Dias Gomes dirigida por Flávio Rangel, com Leonardo Villar no papel de Zé do Burro. Ali ele encontrou não só o Cristo que procurava, mas também quem pudesse, no filme, fazer o verbo se tornar carne. Leonardo Villar iria direto do palco para o cenário das filmagens na Bahia. De acordo com os críticos, um grande trunfo para o sucesso absoluto do filme.

Foi uma batalha intensa para obter os direitos de filmagem, disputados inclusive por Flávio Rangel, o diretor da festejada encenação teatral paulistana. Dias Gomes deu os seus palpites, mas quem finalizou o roteiro foi o próprio Anselmo.

O resto dessa história, literalmente, todo o mundo já sabe. Na volta, o diretor e a equipe desfilaram em carro aberto pelo centro do Rio e de São Paulo. O Brasil vivia momentos de grande euforia. O bi-campeonato havia sido conquistado no Chile. O futuro parecia vir chegando a passos muito rápidos. Com um orçamento baixíssimo, elenco de principiantes (tanto Norma Bengell como Glória Menezes faziam sua primeira aparição nas telas; Antonio Pitanga foi incluído com seu grupo de capoeiristas; o vendedor de cordel era um rapaz que trabalhava num açougue), tudo arranjado em questão dois ou três meses, por uma equipe reduzida de técnicos. Deu no que deu. Deixou para trás concorrentes de peso como Fellini (seu amigo, o único que veio lhe dar os cumprimentos por aquele feito), ele que trazia para o festival, juntamente com De Sica e Visconti, o "Bocaccio 70"); Antonioni, com "O Eclipse"; Otto Preminger, com "Tempestade em Washington"; Pietro Germi, com "Divórcio à Italiana"; Luis Buñuel, com "O Anjo Exterminador"; Robert Bresson, com "O Processo de Joana D Arc", Michael Cacoyannis, com "Electra", entre outros. À imprensa mundial, Anselmo Duarte declarou que não achava "O Pagador de Promessas" o melhor filme do festival. Seu preferido havia sido "A Taste of Honey" [Um gosto de mel], de Tony Richardson. Anselmo também tentou ajudar a carreira de um curta brasileiro presente na mostra: "Couro de Gato", de Joaquim Pedro de Andrade.

Anselmo brinca que, em Salto, tudo tem o seu nome. Tem até uma Rua Palma de Ouro. Mas a Palma mesmo não fica no Museu Anselmo Duarte. Fica em seu apartamento. Se não, periga roubarem.

"O Pagador de Promessas" foi indicado também para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro naquele ano. Em 1965, "Vereda da Salvação" deixaria de ganhar o Urso de Ouro, em Berlim, porque o crítico brasileiro Ely Azeredo desempatou em favor de "Alphaville", de Godard. Não foi o governo militar que proibiu a exportação da película, afirma o cineasta contrariando a opinião corrente, mas David Neves, representante do cinema novo. Ele e seus colegas nunca puderam engolir que alguém de fora do grupo pudesse ter ido tão longe.

Foram quase três horas de animada palestra com uma platéia de 40 cinéfilos. Ele achou fantástico que houvesse uma tanta gente interessada por arte, a ponto de ali permanecer por tanto tempo numa noite de sexta-feira. Contou da inauguração de um Cineclube Anselmo Duarte, em Salto, que não conseguiu atrair ninguém além dele e dos organizadores para uma sessão de "Encouraçado Potemkim", de Sergei Eisenstein.

Aos 81 anos de idade, Anselmo Duarte certamente teria fôlego para muitas e muitas horas de papo, ele que agora se prepara para dirigir seu filme derradeiro. Vai colocar nas telas, finalmente, aquele "Messias" que ficou de lado quando se decidiu por "O Pagador de Promessas". A grana é francesa. Coisa de 12 milhões. Já dá para passar os próximos cinco anos.

Consta que, recentemente, teria pedido emprego na Globo a Daniel Filho, que não lhe deu retorno. Sugeriu ao diretor global que a emissora, para resolver seus problemas, iria precisar de pessoas com idéias novas. O problema é que o seu salário teria de ser alto, para poder manter o padrão de vida elevado a que se habituou.

Várias vezes, ao longo do evento, ao ser obrigado a descer do palco para assistir com o público as cenas de seus filmes que estavam programadas para aquela noite, Anselmo brincava com a idade, dizendo não saber como fazer para encarar um casamento que se aproxima.

Sobre os filmes nacionais recentes, não costuma vê-los. Esses caras não sabem fazer filmes, não sabem contar histórias. Fazem filme com muito pouco enredo, ficam esticando, vira uma chatice.

Sobre seu último filme, "Os Trombadinhas", com Pelé recuperando meninos de rua através do esporte, mesmo com um roteiro escrito por Carlos Heitor Cony, o cineasta diz ter aprendido que não se deve fazer arte para amigos, para gente influente, para causas, campanhas, etc. Não dá certo.

Sobre "Brasa Adormecida", diz ter sido convencido pela ex-mulher Ilka Soares, mas também não ia deixar passar a oportunidade de contracenar com Maitê Proença, cuja beleza admira.

No lançamento de um livro sobre sua vida e obra (hoje esgotado), Anselmo foi surpreendido por um presente que lhe fora enviado por David Neves, um de seus maiores desafetos. Era um livro escrito pelo cinemanovista, trazendo impressa uma dedicatória ao diretor de "O Pagador de Promessas". Com escrita caligráfica, David Neves acrescentou: "Anselmo, tudo não passou de um grande equívoco. A nossa geração tinha de se voltar contra tudo e contra todos. É claro que eu, Glauber e todos os outros gostamos demais de "Absolutamente Certo", de "O Pagador de Promessas", de "Vereda da Salvação", enfim, do grande diretor do cinema brasileiro Anselmo Duarte" [tento recompor, de memória, a fala do cineasta, que também citava de memória].

Impagáveis as imitações que fez do cineasta Cacá Diegues, explicando um de seus filmes, ou de Glauber Rocha, ou do escritor Ariano Suassuna. Anselmo pretendia filmar "O Auto-da-Compadecida" e dava voltas de carro com o escritor atrás das melhores locações. Em João Pessoa, ao passarem pela praça onde há uma estátua do patrono da cidade, Anselmo achou de puxar da memória uma música que falava daquele personagem da nossa história. Pois o escritor se pôs enfurecido. Anselmo não sabia das lutas entre os clãs alagoanos e da possibilidade de coisas como aquela virem a acabar em sangue. Por conta disso, arquivou o projeto da filmagem, temendo por novos acessos de cólera e possíveis desfechos sangrentos.

Em Roma, o cineasta brigara com Luis Sérgio Person. Mas o destino fez com que esse jovem cineasta viesse morar no mesmo prédio que ele em São Paulo. Person queria Anselmo num dos papéis de "O Caso dos Irmãos Naves". Depois de ler o roteiro, o ator/diretor respondeu que, sim, aceitava. Mas aquele roteiro não dava. Precisava ser refeito. Aconteceu, então, que cada qual conquistou a liberdade de ir construindo o seu papel e suas falas ao longo das filmagens, sem nada muito fixo ou pré-estabelecido. Anselmo conta ter sido essa a sua atuação mais elogiada pela crítica americana. O filme é de 1967, tendo enfrentado, em plena ditadura, o tema da tortura e dos erros judiciários. Nesse filme, foi lembrada a presença da grande atriz araraquarense Lélia Abramo.

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A 1a. edição do FOTOGRAMA teve a presença do cineasta Walter Lima Jr., depois das exibições de "Menino de Engenho" (CINE 16) e "A Ostra e o Vento" (DRIVE-IN TUPINIQUIM).

Com esta 2a. edição do FOTOGRAMA, o animador Chico Galvão, idealizador dos três eventos ligados ao cinema no SESC/Araraquara, se despediu da função de animador cultural na unidade. Que ele consiga realizar tudo o que deseja daqui por diante, como roteirista e cineasta. Nós vamos continuar cultivando e colhendo o que ele deixou plantado. Valeu, Chico!

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