Queridíssimo escrevente,
Eis-nos aqui, frente a frente,
Com vontade de escrever.
Deixe a mente bem aberta,
Que é como o espírito acerta
O caminho do dever.
Não queira ir mui depressa.
Sempre assim, vai bem à beça:
Dá até p ra corrigir
O que nos vai na cabeça
Que, de outra forma, apareça
Na mente do Wladimir.
Conhecer mediunidade
Não é só curiosidade,
Pois tudo se faz na prática.
Para falar, basta ouvir,
Mas quem quer bem se exprimir
Há de estudar a gramática.
Este é o exemplo que damos,
Frutos a vergar os ramos,
Mui facilmente “colhíveis”.
Se a raposa cá estivesse,
É provável que não desse
As desculpas desprezíveis.
O segredinho da gente
É ver quando o médium sente
Que ficou completo o verso.
Estando dentro do tema,
Não julgamos ser problema
Vocabulário diverso.
Às vezes, o nosso médium,
Dado o assunto, sente tédio
E julga o texto vulgar.
Aí pensa ser injusto,
À vista do grande custo,
Cá ficar a se esfalfar.
Esse verso, logo acima,
Contém interna uma rima,
Defeito do versejar.
Nosso amigo, contrafeito,
Pede-nos que demos jeito
De trocar o verbo em “-ar”.
A repetição, contudo,
Tendo em vista o conteúdo,
Não paga a pena alterar.
Insistimos mais um pouco,
Sem fazer ouvido mouco,
P ra retornar ao lugar.
Fica o amigo contente
Com a facécia da gente,
Agradável brincadeira,
Mas pergunta se esse gozo
Contém algo valioso
Que algum meditar requeira.
Claro está que tudo aqui
Leva a dizer: — “Compreendi
A razão deste poema:
É mostrar a todo o mundo
Quanto pode ser profundo
O desdobrar deste esquema.”
Pegue o amigo numa pena
E veja se alguém lhe acena
Com certos versos porretas.
Não queira contribuir;
Faça como o Wladimir,
Nestas rimas “maledetas”.
No comecinho, é difícil:
Chega-se a erguer edifício
Sobre bases muito rústicas.
Aperfeiçoando o som,
Vamos demonstrar o dom,
Em rimas bem mais acústicas.
Toda tentativa é válida,
Quando a sensação é cálida,
No amor que se quer passar.
É aí que o edifício
Vale qualquer sacrifício,
Mesmo sendo a rima em “-ar”.
Como n arte destes versos,
Tudo tem os seus reversos:
É preciso observar.
Quem as coisas faz com graça
Mostra que um roteiro traça,
Passo a passo, devagar.
Quando o tempo é bem medido
E o trabalho repartido,
Fica fácil para o médium,
Que, embora ralhe co a rima,
Mantém sempre sua estima,
Aceitando o nosso assédio.
Eis as regras da poesia,
Que, por certo, alguém daria
Bem melhor se fosse em prosa.
Da forma que dispusemos,
Muitas concessões fizemos,
Pois o metro aqui se dosa.
O coitado do escrevente
Cá esteve, frente a frente,
Com a mente sempre aberta,
Concordando que a vontade
De escrever o persuade
A ver se esta turma acerta.
Mas ficou desconcertado,
Ao se ver posto de lado,
Que a influência foi estranha:
Quando pensa em alfa, é beta;
Quando lembra a curva, é reta;
Quer o plano, tem montanha.
Eis aí a caridade
Que o seu coração invade:
Qual bem é mais valioso?
A facécia se desfaz,
Quando é maior esta paz,
Na plenitude do gozo.
Resta apenas a oração
E um pedido de perdão,
Se nem tudo é de bom gosto:
— “Senhor, nós agradecemos
Os rudes calos dos remos
E a proteção deste posto.”
|