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Artigos-->A HISTÓRIA DA BANDA THE LEE BATS -- 15/03/2010 - 13:29 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A HISTÓRIA DA BANDA THE LEE BATS

Roberto de Campos



Talvez uma das bandas menos conhecidas, diria mesmo a mais marginal e independente das bandas de rock que já conheci. Eu havia assistido um raro show deles num circo que perambulou aqui por perto nos anos 80, aí por 84 ou 85. Eu ainda adolescente, 16 anos, me intriguei com aquela mistura de idéias, defeitos e virtudes. Ouvi gente na platéia do circo que ameaçou uma vaia, enquanto outras se entregavam ao som daquela banda com aspecto totalmente “bicho grilo”, num estilo psicodélico-hippie que parecia ultrapassado, mas que ao mesmo tempo soava estranho, futurista com um tom de decadência pós-moderna.

Guardei comigo aquela apresentação na memória, nunca mais ouvi falar deles. Já morando em São Paulo, trabalhando de free-lancer para agências de publicidade, certa feita li na “Vejinha”, encarte da Revista Veja que haveria uma apresentação dos Lee Bats na USP, no anfiteatro romano, num sábado de manhã. Minhas lembranças da adolescência daquela tarde num circo voltaram, resolvi ir.

Para minha surpresa, a banda parecia outra, era apenas um trio, quando no circo era um quinteto. Após a apresentação busquei conversar com o trio e saber o que acontecera com a formação original. O “show” não teve o mesmo impacto da primeira vez, o repertório havia mudado, o estilo estava mais cru em termos musicais. Após o “show”, que poucas pessoas assistiram, algo em torno de menos de cem pessoas, subi ao palco enquanto desligavam os instrumentos, fui dizer o guitarrista sobre aquela tarde em minha cidade. Quando disse ao guitarrista, Jayro Luna, que lembrava daquele dia, seus olhos brilharam de alegria comentando que “uma banda completamente marginal e alheia ao sucesso como aquela, era muito raro ouvir um comentário como o meu. Perguntei porque a formação havia mudado, ele me disse que os Lee Bats que estavam ali naquele dia era fruto de sua persistência, disse-me que seguira a carreira acadêmica, fazia doutorado em Literatura, que vencera dois concursos de poesia na própria USP, que era professor de português, e que como eu era fã do grupo original, que conhecera e ficara amigo dos integrantes da banda, e que após ela ter acabado, começar a desenvolver o sonho de recriá-la, retomando suas propostas, em fins de 87 ou início de 88. A banda original acabara em 1985, que Alvin Bates tinha entrando numas de revelação espiritual mística e que já fazia anos tinha sumido pro Nepal e não tinha mais mandado notícias, que Marcos Sparkles tinha voltado para a região da Macedônia, na Grécia, onde nascera, fazia muitos anos também. Quanto a Bib Pepper, este ao que sabia, depois que deixara o grupo trabalhara como baixista com outros músicos, mas nunca mais usara o pseudônimo artístico que tinha na banda e, por fim, disse-me que Cid Charles, cujo nome verdadeiro era Carlos, morrera num acidente de automóvel na ponte Rio-Niterói. E que J.J. Gallahade havia se mudado para algum lugar no sertão do Brasil, mas que ele havia perdido contato. Peguei o e-mail de Jayro Luna e voltei a lhe escrever algumas vezes e passei a freqüentar seu site de poesias e literatura – Orfeu Spam.

Nesses e-mails sugeri ao Jayro se não tinha gravações da banda que seria interessante colocá-las nas net, não sei se por minha sugestão ou não, mas o fato é que algum tempo depois foi possível encontrar vídeos no Youtube e arquivos para baixar em mp3 em alguns sites de hospedagem de músicas.

Porém, como praticamente não existem informações acerca da banda, resolvi escrever esse texto, contando o pouco que sei, informações que me foram dadas pelo próprio Jayro e as que consegui pesquisando e perguntando com as poucas pessoas que detinham dados sobre The Lee Bats.

A primeira coisa a notar é o nome da banda, um anagrama perfeito de The Beatles. Se o nome da banda inglesa dos anos 60, tem algo que ver com os besouros, corruptela, os Lee Bats são os morcegos, os morcegos do sotavento. Sotavento, termo náutico, que designa o lugar para onde vai o vento, enquanto Barlavento é o lado de onde o vento vem. Assim, alegoricamente, os morcegos do sotavento voam para onde vai o vento, e o vento é o tempo futuro. Os morcegos por sua vez dão uma conotação mais gótica, mais rebelde do que os besouros ingleses.

A razão do nome da banda ter surgido de The Beatles, deve-se às experiências criativas da segunda fase da banda inglesa.

J.J.Gallahade era o compositor principal, letrista, tradutor, ou melhor, transcriador para a nossa língua de algumas das músicas mais interessantes da história do rock, como “Diatribes” (Day Tripper), “Encruzilhada” (Crossroads) ou “Alexandre o Grande”(Alexander the great).

Fazia originalmente a guitarra base, algumas vezes se aventurando em solos curtos, e era também o cantor principal da banda. Eis aí uma das coisas mais curiosas da banda. J.J.Gallahade de fato é em termos musicais, um péssimo cantor, tem dificuldades de manter notas agudas, e ainda por cima, atravessa o ritmo constantemente. Marcos Sparkles, por exemplo, tinha melhores capacidades, assim como Bib Pepper, porém, Gallahade tinha um estilo de desafinar muito próprio, digamos assim. A banda optara por impor a Gallahade a árdua tarefa de “cantar”, o que a contragosto ele aceitara, tendo a certeza de que jamais fariam sucesso com aquela voz...mas os Lee Bats, por um princípio marginal, independente e criativo, não estavam diretamente preocupados com o sucesso, ou pelo menos, não com o sucesso em termos comerciais, eles queriam é curtir a música pelo mundo.

  Nenhum dos membros da banda optou por revelar seu nome verdadeiro após a dissolução da banda em 1987-88. J.J.Gallahade, era o pseudônimo com que o cantor se fizera relativamente conhecido no âmbito marginal poético dos anos 80 publicando o fanzine marginal de poesia “Mimeógrafo Generation”. Jayro Luna, posteriormente, recebeu do próprio J.J.Gallahade alguns manuscritos para que pudessem ser editados ao gosto e momentos oportunos do editor. Jayro Luna tinha uma pequena editora.

Alvin Bates, que ao que sei, ou melhor, é uma suposição com base em algumas informações, o primeiro nome era seu mesmo, de batismo, mas o Bates era inventado, contém “Bat”. Na minha opinião, poderia tinha qualidades para se tornar reconhecido como um dos maiores guitarristas do rock. O cérebro musical da banda, com grande capacidade de tirar músicas de ouvido rapidamente, inclusive os solos. Aliás, seus solos possuem um estilo próprio, como se pode ouvir em composições próprias do grupo como “Estrada Real”(letra composta com versos de “O Vila Rica” de Cláudio Manuel da Costa) e “Também Quero Ser John Malkovich” ou ainda, no longo solo final de “O Vampiro”, música que fizeram para o poema de Charles Baudelaire na tradução de Jamil Haddad.

Em Alvin Bates, existe algo de Robert Fripp ou de Jerry Garcia, mesmo quando faziam “covers” de grandes sucessos do rock, AB encontrava um jeito de inserir aqui e ali notas próprias de seu estilo, um bom exemplo disso é ouvir a brilhante “Diatribes”, transcriação de “Day Tripper” dos Beatles. O solo de Bates é simplesmente a colocação dessa música num outro patamar de criação musical.

Marcos Sparkles, o tecladista, pianista do grupo. Ao que se sabe era o que vinha de família mais abastada, conhecera Gallahade e Alvin quando ainda estavam no colégio estadual. Por ser mais “riquinho” deu-se ao luxo de comprar um teclado e um piano, instrumentos caros se comparada às guitarras baratas que J.J.Gallahade e Alvin tinham.

Sparkles dá à musicalidade do grupo uma sonoridade algo lembrando rompantes jazzísticos ou ainda latinos, como em “Evoé Baccho” ou “Também Quero ser John Malkovich”. Participou como letrista em algumas composições e também tinha uma função de arranjador, organizando as diversas contribuições musicais de cada um. Seu primeiro nome era mesmo Marcos, o Sparkles vem da idéia de algo brilhante, e de fato, gostava de vestir um blaser prata brilhante e uns óculos coloridos que lembravam Elton John, aliás, sua foi a idéia de fazer uma versão de “Your Song” (“Sua Canção”), além de “Bennie at the jets” (“Benê e os Jatos”), “Rocket Man” (“Fogueteman”), “Goodbye yellow brick Road”( “Adeus Rua de Blocos Amarelos”) e “Philadelphia Freedom” (“Pernambuco Livre”).

Bibi Pepper, o contrabaixista, também tocava saxofone com alguma capacidade. No contrabaixo porém é que exercitava sua capacidade rítmica e criativa. O mais introspectivo dos integrantes da banda, tinha grande apreciação pelo trabalho de Jack Bruce no Cream, de quem buscou copiar um pouco do estilo. A idéia de se fazer um versão de “Hail Cesar” do ACDC foi dele, assim como “Alexander the great” do Iron Maiden.

Cid Charles, o baterista e percusionista do grupo, tinha como ídolos Keith Moon e Joham Bonham...era pouco? Seu ritmo extremamente complexo, era também criativo, acrescentando vez por outras sonoridades originais como o apito e a cuíca brasileiras ao toque de rock. Morrera num fatídico acidente de automóvel na ponte Rio-Niterói dirigindo seu fuscão multicolorido e psicodélico numa noite chuvosa de sábado de aleluia.

Outro integrante da banda durante os anos de 1980-1981 foi Dom de Lírio. Entrou na banda como o segundo poeta do grupo, tocava teclados, período em que a banda era um sexteto. Porém, resolveu seguir caminho musical próprio no final de 81. Deixou no período em que esteve no grupo, a marca de um forte psicodelismo e o desenvolvimento duma tendência mitológica e paganista que se perdurou até o final do grupo.

Alvin Bates, nos idos de 1984 fizera amizade com um guru hippie indiano que conhecera na comunidade de Arembepe (BA) chamado Raji Onguel. A influência das idéias místicas de revelação desse guru convenceram Alvin Bates a fazer uma viagem de “reconhecimento” interior ao Nepal e ao Sikkim. Em abril de 1988, Alvin Bates embarcava para a Índia, de onde mandara apenas duas cartas naquele ano e nunca mais se ouvira falar dele.

Em 1978, no final do verão, o grupo se reunira pela primeira vez para iniciar uma série de ensaios e definição de repertório. Os ensaios inicialmente ocorriam na garagem da casa de Marcos Sparkles, depois, quando já mais treinados, começaram a alugar algumas horas de estúdios na zona leste de São Paulo. As idéias do psicodelismo, de Timothy Leary, do movimento hippie, de Luís Carlos Maciel, de Tom Zé estavam na tônica das conversas do grupo. Daí surgiu o conceito de “Rock-poesia”, cuja música homônima é meio que o manifesto dessa idéia do grupo. Foi, inclusive, por causa dessa idéia que o grupo decidiu que J.J. Gallahade, passasse a ser o “cantor” da banda, uma vez que seu estilo era muito mais uma declamação desafinada do que uma voz cantante. J.J. Gallahade era por essa época, fã de Bob Dylan, de quem buscava imitar alguma coisa, mas de uma forma mais crua.

Em fins de junho de 1978, surgiu a oportunidade de fazer a primeira apresentação, num evento do colégio. Seria uma apresentação de três bandas, num sábado de tarde. Os Lee Bats gravaram e fita cassette o evento. Dias depois, conseguiram a oportunidade de se apresentar num espaço chamado de “O Morcegão”, salão de baile do bairro de Cidade Patriarca, ZL de SP. Apresentaram suas versões de músicas do Beatles, Rolling Stones, Cream, Who, Creedence, Bob Dylan, Doors, Led Zeppelin... O público, pelo que se ouve da fita gravada, participou bastante e como contou-me depois, Gallahade, rolou muita bebida e coisas para fumar no salão, o que de certo modo, dispersava a capacidade auditiva da platéia e ajudava a disfarçar as ruins condições das caixas de som.

A idéia de se fazer versões dessas músicas era um conceito criativo. As letras originais não eram apenas traduzidas, se fazia uma reciclagem das idéias da canção para que elas se ajustassem ao propósito do grupo. Buscava-se também um ajuste de forma, de rimas, de sonoridades, por isso usavam a palavra “transcriação”. J.J. Gallahade foi o principal transcriador, que publicava suas versões sob o lema de “Let me Traduce”, jogando com a sonoridade do falso cognato. Veja como verteram “Rock’n’Roll” do Led Zeppelin, ou “Honky Tonk Woman” dos Rolling Stones e entenderam do que falo.

No final de 1978 a banda resolveu que iria fazer uma espécie de turnê improvisada, saíram pelo interior de São Paulo, numa perua pintada psicodelicamente, fazendo apresentações em alguns circos e alguns salões de cidades do interior, visitaram Ribeirão Preto, Brotas, Itu, Limeira, Paulínia, Mococa entre outras.

Repetiram a idéia da turnê em 1979 e em 1984 e 1985, numa dessas últimas foi quando os assisti.

No período entre 1979 e 1980 a banda fez excursões mais longas, pelo Nordeste e Pará, de onde surgiu a idéia de tocar um conjunto de músicas que ligasse o tema do Rio São Francisco com o Rio Mississipi. Esse trabalho ainda não foi publicado na net, mas tem versões muito criativas de músicas como “When the Levee Breaks” (“Se a Barragem Quebra”) e “Riacho do Navio” (Luiz Gonzaga).

Com a participação de Dom de Lírio, o grupo inicia sua incursões pelos temas da Mitologia e do Paganismo. E “Evoé Baccho” é a primeira obra dessa nova fase. O conjunto de músicas que se encontra sob o título do hipotético álbum Mitologias, na internet, é parte do resultado dessa fase.

Efetivamente, a banda gravou cinco discos, no estilo independente, um em 1979, com o pai de Marcos Sparkles financiando a gravação, chamado “Rock’n’Roll”. Um em 1981, com recursos próprios, advindos das excursões, “Mitologias” que apresenta diferenças de repertório em relação ao que se encontra publicado na internet (site Purevolume). Outro em 1982 com o tema dos Rios São Francisco e Mississipi, denominado “Do Mississipi ao São Francisco” e o penúltimo em 1984, intitulado “Rock Barroco”, no mesmo ano saía o duplo "Símbolos & Selos", disco enigmático com várias referências esotéricas, místicas e literárias.

Esses discos, todos independentes, de tiragem reduzida, encontra-se com extrema dificuldade em alguns sebos. Eu tinha dois deles e completei minha coleção com o próprio JL que me enviou os dois que me faltavam pelo correio, com o recado “deu sorte, são os últimos que tenho para vender, agora só os meus mesmo.”

À medida que se vai ouvindo a obra dos Lee Bats vai se conhecendo um panorama complexo de influências e idéias que souberam mesclar para produzir algo antropofagicamente ao modo oswaldiano, algo que tem um sentido rico de sonoridades, palavras, versos e canções. Sinto que o grande público nada conhece deles, tocaram muito raramente no rádio, em emissoras locais, regionais. Quando quiseram procurar empresários e gravadoras foram descartados, tendo como desculpa para a recusa, a idéia de que faziam um som ruim. O som ruim era sim a incapacidade que essas pessoas possuíam de compreender o novo, de entender a proposta cultural deles, que em certo sentido, tem ligações com o Tropicalismo, mas num outro sentido, num sentido mais experimental eu diria, um experimentalismo de palavra poético-musical.



 


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