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Erotico-->21. RECONHECIMENTO PÚBLICO -- 14/11/2002 - 07:30 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lá dentro, o odor dos temperos, o som dos instrumentos, o vozerio estridente de quem estava divertindo-se. Parecia que entravam num lugar em que se realizavam os ideais de suprema felicidade material.

Prisco foi imediatamente reconhecido pela clientela. Passava e muitos o cumprimentavam efusivamente, lamentando-lhe o braço na tipóia, demonstrando ser de muitos conhecido o incidente que o levara a voltar da Espanha.

Ao contrário dos clientes, o novo “maître” perguntou-lhe pela reserva, consultando a lista, verificando que a mesa estava prometida para dali a uma hora, levando-o a uma ampla sala de espera, onde poderia aguardar confortavelmente, com o acréscimo de aparelho de televisão ligado em programação direta da Espanha.

Logo compareceu o responsável pela carta de vinhos, que saiu meio intrigado com o fato de ter recebido a solicitação apenas de bebidas não alcoólicas. Em seguida, apresentou-se o garçom que os serviria, para planejar o roteiro dos acepipes, tendo sido escolhida “paella” de frutos do mar como prato principal, com a recomendação expressa de que deveria estar preparada para uma pessoa impedida de utilizar-se de ambas as mãos para o manejo dos talheres.

Diante das poltronas, foi disposta uma bandeja com vários tipos de queijos, azeitonas e outros tira-gostos.

Janete observava as providências com muita atenção, imaginando quão alta seria a conta a partir do esmero e da cortesia com que tudo era servido. Assim que se dispuseram a petiscar, irrompeu, no salão principal, uma orquestra típica espanhola, levando Prisco a erguer-se para ir apreciar junto à porta.

Era um conjunto de mais de dez músicos de primeira qualidade logo identificados pelo guitarrista. Foi quando notou que as mesas ocupavam o salão todo, não havendo espaço para o público bailar.

— Às sextas-feiras, senhor, o afluxo de pessoas nos obrigou a eliminar a pista de dança, — explicou-lhe o solícito copeiro interrogado.

De volta ao seu lugar ao lado de Janete, foi logo expondo-lhe o problema:

— Você vai ter de me desculpar. Nada de baile, que o salão está totalmente ocupado pelos fregueses.

— Não se preocupe. Eu vim preparada, mas vamos deixar para outra vez.

Prisco, realmente, não estava preocupado com Janete. Estava, sim, frustrado, uma vez que a expectativa de praticar um pouco era dele mesmo. Sempre gostou de dançar ao som da música gitana arraigada na alma dos espanhóis, a qual corria através de suas veias, como a preenchê-lo de vívido ritmo e infinito gozo. Estava a meditar sobre a desdita de não poder exercer esse legítimo direito de sua natureza, quando se apresentou à memória o dia em que Eulália se dispusera a aprender os primeiros passos, ao som de suas cordas.

Tanto bastou para lhe arrefecer o ânimo, como se fosse capaz de ver, junto a eles, diversos bailarinos e bailarinas rodopiando no etéreo, aproveitando-se do momento de esfuziante alegria dos encarnados para se encharcarem de saudade.

Janete notou-lhe a alteração da fisionomia:

— Parece que você está vendo fantasmas. Que está acontecendo?

Prisco precisou agitar a cabeça para voltar a atenção para a jovem senhora, restabelecendo seu contato com a realidade.

— Como disse?

— Você estava muito longe daqui.

— Ao contrário, eu estava imaginando casais dançando ao som da música. E, para dizer a verdade, envolveu-me a recordação de quando ensinei a Eulália os movimentos iniciais da dança.

Houve um longo silêncio entre ambos, no meio do alarido dos cantores. Ambos prestavam atenção às batidas de seus corações.

Foi Janete quem desfez o constrangimento:

— Se a sua ida ao espiritismo está servindo-lhe para entender a vida e a morte, também está provocando-lhe uma reação quase patética, como se fosse impossível ao ser humano dissociar-se do passado, para fruir o momento presente em plena felicidade. Estou mostrando-lhe um dos meus pensamentos mais positivos, aquele que extraí a duras penas, através do conforto que tenho dado a quem perde os entes queridos.

Prisco precisou de alguns momentos para oferecer uma resposta à altura:

— Janete, preciso desculpar-me por trazer, para este momento de distração, de entretenimento dos pesares do seu dia-a-dia, a figura da criatura que me foi cara. Aposto que, se estivéssemos na pista de dança, ela não compareceria à minha memória, como quando estava com Bernardete, quando jamais me passou pela cabeça qualquer pensamento deste teor.

— Eu acho que esta hora que temos de preencher antes de nos acomodarmos à mesa vai custar a passar, se ficarmos comentando em termos doutrinários do espiritismo.

— Querida amiga, você está percebendo que, em suma, vem acusando o espiritismo de se pôr entre nós como obstáculo? Não deveria ele ser o nosso elo de ligação?

— Eu raciocino assim: a doutrina, qualquer doutrina, deve ter sua hora e vez. Como você disse, bailando ou tocando, os sentimentos se deixam levar pelas emoções do momento, porque você tem uma atividade absorvente. Eu pretendia que o clima alegre deste local exercesse sobre seu espírito o mesmo fascínio. Vejo que está lhe faltando alguma coisa que eu não consigo substituir.

— Se você está sugerindo que se trata de minha falecida esposa, engana-se. Talvez me falte o uso de minha mão no braço da guitarra. Talvez, ou melhor, com certeza, está faltando-me um copo de vinho, auxiliar efetivo no combate às reações macambúzias de quem não está dominando totalmente o seu próprio destino.

— Você está com medo...

— Sinto-me profundamente apreensivo com a minha recuperação. Mas você não veio para ouvir as minhas lamúrias. Não era este assunto que lhe interessava ver na mesa de conversação. Isto também está me aborrecendo bastante, a mim, que sou bastante extrovertido.

Naquele instante, irrompeu calorosa salva de palmas no salão de refeições, indicando que o “show” terminava.

Prisco explicou a Janete:

— Esta apresentação é para quem trouxe a família, pretendendo sair mais cedo. O verdadeiro espetáculo se dará daqui a hora, hora e meia, para o povo que está chegando. Você vai ver como logo seremos chamados.

— Quer dizer que o salão irá sofrer modificações?

— Bem observado. As mesas se desmembrarão, porque haverá número bem maior de casais. Grupos grandes, em geral, permanecem muito mais tempo.

De fato, a sala de espera estava quase completamente tomada, havendo pessoas que se acomodavam nos vãos das janelas.

Ambos haviam provado apenas os queijos e azeitonas. Haviam bebido um suco de melão, cujos copos altos se adornavam com galhos de hortelã.

Janete observou que havia uma porta nos fundos:

— Que há ali atrás?

— Um pequeno jardim de inverno e, lá fora, uma alameda iluminada, ladeada por bancos de madeira. Em geral, os casais de namorados preferem ficar passeando e conversando ali, antes de receberem suas mesas.

— Você veio muitas vezes a este lugar?

— Nunca na qualidade de freguês. Entretanto, sempre gostei de aquecer o instrumento do lado de fora, colhendo as primícias dos aplausos do público.

— Você nunca trouxe Eulália?

— Ela nunca faltou. Aliás, apenas durante a gravidez é que ficou em casa. Mas eu não gosto de falar a respeito. Por favor...

— Fique sossegado. Eu não vou convidá-lo a sair.

— Vamos observar o trabalho dos garçons rearrumando as mesas.

Prisco aguardou que Janete se levantasse e cedeu-lhe a passagem cavalheirescamente, evitando tocá-la.

Eles se postaram junto à ampla porta que dava para o salão, enquanto um bem ordenado movimento dava feições de estréia ao conjunto do mobiliário desocupado. Um pequeno exército de auxiliares distribuía pratos, copos, talheres e demais petrechos, inclusive enfeitando cada mesa com flores.

Prisco tinha a mesa dezessete, não muito perto do palco, na lateral oposta do local em que estavam. Foram eles os primeiros a ser lembrados, de forma que logo se viram atravessando por entre os fregueses.

De novo, vários freqüentadores acenaram para o artista, alguns com expressões de estímulo e incentivo.; todos, com gestos de admiração e benquerença.

Naquela travessia, não foram poucos os olhares que se esticaram para a acompanhante, olhares que não se decepcionaram com a impecável vestimenta de gosto andaluz, moderna e sóbria.

Assim que se acomodaram, aproximaram-se três fotógrafos disparando “flashs”. Impossível detê-los. Todos deixaram cartões, crentes de que não precisariam dar explicações ao casal.

Foi Prisco quem esclareceu:

— Amanhã, vou receber as provas e posso fazer encomendas por telefone. Se quiser divulgar minha presença em forma de reportagem, gastarei mais um pouco. Se não quiser nada disso, basta esquecer, porque eles não vão cobrar nada. É o risco que correm. No entanto, muito pouca gente deixa de fazer um pedido.

Ainda ficaram atentos durante alguns minutos à movimentação geral e à ocupação das demais mesas. Somente após todas estarem ocupadas e as bebidas servidas é que começou a romaria dos pratos.

Não demorou para que três garçons viessem com a “paella”, a pequena mesa lateral e o aquecedor elétrico. Com movimentos precisos, instalaram o aparelho sobre a mesinha e a panela sobre o aquecedor ligado a uma tomada no chão.

O arroz mal se mostrava debaixo de um festival vermelho de camarões grandes, inteiros, ainda guarnecidos com as cabeças. Ao centro, soberana, a peça de resistência, enorme lagosta da qual subia um vapor que logo se desfazia ao olhar que se elevava.

— Senhor, assim que for conveniente, os senhores serão servidos.

— Pode ser já.

— Muito bem.

O prestativo garçom se voltou para a cozinha, sinal de que deveriam comparecer o chefe e dois auxiliares. De fato, todo o salão acompanhou a entrada triunfal daquele chapéu alto e branco, que atravessou por entre a clientela, lépido, com seu pequeno cortejo, até postar-se diante da apetitosa iguaria.

Após cumprimentar formalmente o amigo com respeitosa mesura, trabalhando com perfeição, enquanto os auxiliares retiravam os corpos aos camarões, sem despregar-lhes a cabeça e as pernas, o chefe fez o mesmo à lagosta, cuja carcaça logo foi disposta numa travessa, recebendo como guarnição as cascas vazias dos crustáceos.

Para isso, retiraram o vaso das flores, ficando as antenas da lagosta como que a sustentar a ameaça de um ataque ao vigilante guitarrista.

Logo os pratos receberam bem sortida quantidade de arroz acompanhado da carne picada dos frutos do mar, onde se viam partes de tentáculos de lulas e polvos, com as respectivas ventosas, tudo de acordo com a recomendação de que o prezado cliente não poderia ele mesmo fatiar os nacos que iria ingerir.

Tão absorto ficou Prisco a contemplar os despojos da lagosta e dos camarões que nem percebeu que o chefe aguardava sua aprovação pelo serviço. Foi Janete quem o alertou:

— Prisco, acorde!

O violonista achou-se num lugar estranho, como se não se reconhecesse ali. Mas foi um átimo de segundo, logo seguido de um sinal de aprovação, como a dispensar os diligentes mestres-cucas. O chefe, porém, não fez menção de se mover, esperando que a comida fosse provada e aprovada.

De novo, foi Janete quem tomou a iniciativa. Fazendo um gesto significativo, com o garfo carregado de arroz à altura dos lábios, indicou a Prisco o que deveria fazer, ela mesma abocanhando o que ali se continha.

Prisco observou a companheira e, inspirado, fez um gesto com a mão boa, a solicitar dela a opinião desejada.

Os olhares dos seis se voltaram para a moça, que expressou um sorriso de satisfação, designando com o polegar erguido que o sabor estava positivamente agradável.

Prisco abriu a fisionomia e, tocando com os dedos a ponta da orelha, disse:

— Como sempre, o serviço da casa é magnífico.

Foi quanto bastou para os garçons se dispersarem rapidamente, voltando o chefe para a cozinha, precedido pelos acólitos, como sai em procissão o sacerdote, após o ato litúrgico.

Mas Prisco não se atrevia a empunhar o garfo, chamando a atenção de Janete, que se deliciava com os variadíssimas sensações gustativas do requintado alimento.

— Que está acontecendo?

— Perdi a vontade de devorar estes cadáveres.

Janete depositou o garfo sobre o prato. Só então percebeu que Prisco estava lívido, como se estivesse sentindo-se mal, com o estômago revirado.

— Você não está bem?

— Estou com a estranha sensação de que esses animais vão causar-me transtorno ao organismo.

— Mas você comeu tão bem os aperitivos.

— Comi e sou capaz de comer mais. Só não estou aceitando o pensamento de que o conteúdo dessas carcaças possa constituir o alimento de que devo extrair a energia vital de que necessito.

— Coma um pedaço de pão.

Prisco partiu a fatia com a mão e pôs um pedaço na boca. De imediato, sentiu que salivava, deglutindo a porção com prazer. Levou o nariz para perto do prato, para sentir o cheiro do arroz. Pareceu-lhe insuportável, forçando-o a afastar-se vivamente.

— Não me diga que o odor não esteja bom.

— Não é o odor, Janete. É a perspectiva de ingerir os produtos animais.

— Você comeu queijo.

— E me deliciei. Estes pobres pijamas vermelhos na travessa é que me estão dando ojeriza. É como se o meu inconsciente estivesse proibindo-me de comer a carne dos animais. Eu sei que a carne alimenta a carne. Já andei pesquisando a respeito da alimentação carnívora e li o que Kardec transcreveu a partir das perguntas que elaborou. Sei que ele mesmo não era vegetariano. Li que Jesus multiplicou os peixes, tendo colocado na boca, como descrevem os evangelistas, para comprovar que estava entre os apóstolos após a ressurreição, uma porção de peixe, o que demonstra que aceitava alimentar-se dos frutos do mar. Hoje, no almoço, não recusei a carne que acompanhava o feijão com arroz, embora tivesse meditado algum tempo sobre se deveria ou não comer. Isso fez que o prazer que sempre obtive com a degustação da carne se comprometesse deveras. Esta é a primeira vez que não me sinto à vontade nesta situação. Que você acha que devo fazer?

— Eu não estou em condições de achar nada. Para mim, a “paella” está maravilhosa. Mas, se você não quiser que eu coma, porque isso lhe irá causar mal-estar, eu não vou comer.

— Tudo bem. Fique à vontade. Você pode comer o que quiser, que não irá impressionar-me. Eu vou pedir-lhe desculpa, mas não vou acompanhá-la, não até que esta repugnância intelectual se desfaça.

Imergiram ambos em seus pensamentos. Janete, quase automaticamente, foi dando cabo de sua porção, não deixando de lado nenhum pedaço específico deste ou daquele habitante das águas.

O garçom responsável pelo setor percebeu que o prato de Janete se esvaziava e se aproximou para servi-la de mais um pouco, pedindo-lhe que escolhesse os pedaços de seu agrado. Ela aceitou sem muito ânimo, já predisposta a deixar no prato uma boa quantidade, como a colaborar com o prato cheio de Prisco.

Entretanto, o garçom não poderia deixar de verificar que o homem não estava comendo:

— O senhor pode pedir outra coisa — disse ele, contornando o problema.

— Traga-me uma salada simples de tomate, palmito e mais algum vegetal.

— Pode ser aspargo?

— Perfeitamente, desde que não venha com presunto, salsicha, atum ou qualquer outro produto de origem animal.

— Posso levar seu prato?

— Eu não toquei nele. Se quiser, pode incorporá-lo ao que está na panela.

— Aquele está quente.; este que está frio: eu vou levar. Com licença.

— Diga ao chefe que estou lamentando não poder apreciar a especialidade dele. Fica para outra vez.

— Certamente, senhor.

Assim que o rapaz desapareceu entre as mesas, Janete observou:

— Estava com medo de que suas novas idéias doutrinárias estavam se interpondo entre nós. Mas o fato de não comer carne não tem nada a ver com espiritismo. Ou melhor, pensando bem, pode até provir de uma mediunidade não desenvolvida.

— Não atinei.

— Você está abrindo a mente para a espiritualidade, mas não domina as intervenções intuitivas, tanto que está se distraindo muitas vezes. Isso pode oferecer campo livre para a atuação de obsessores.

— Pode parar por aí, por favor. Não estamos no centro e esta conversa está indo longe demais. Acho que vou aceitar uma garfada de seu prato.

Janete, mais que depressa, estendeu o garfo cheio de arroz, que Prisco recusou, afastando-se como se estivesse ainda sob a ameaça da carantonha infeliz da lagosta.

— Falei brincando. Realmente, não estou a fim desse arroz.

Quando chegou a salada, veio em enorme travessa trazida pelo próprio chefe. Depositou ele a caprichada iguaria sobre a mesa, fazendo questão de preparar o prato de Prisco. A cada ingrediente, perguntava se podia servir:

— Grão de bico?...

Prisco respondia com a cabeça que sim.

— Beterraba?... Ervilhas?... Tomate?... Aipo?... Alface?... Cebola?... Batata?... Cenoura?...

Nada ficou de fora do prato, terminando bem cheio.

— Quer que eu corte as verduras?

— Por favor.

Com mãos hábeis, logo os pedaços adquiriram as dimensões ideais das garfadas.

— Temperos?

— Sim.

— Sal?... Pimenta?... Azeite?... Vinagre?... Cheiro verde?... Tomilho?... Estragão?... Sálvia?...

Novamente, Prisco aceitou todas as sugestões. O mestre-cuca misturou o tempero à salada, colocou o prato diante do ilustre cliente e aguardou que se dispusesse a comer.

Não se fez Prisco de rogado e foi logo picando com o garfo dois ou três dos diversos vegetais, que apreciou com vontade, verdadeiramente agradecido pela deferência toda especial de que fora alvo.

Abriu-se largo sorriso no rosto do chefe, que, após cumprimentar a dama, volveu à cozinha, agora parando em cada mesa, a perguntar a respeito da comida e do atendimento.

Logo Prisco percebeu que estava com muita fome, devorando com vontade cada porção que levava à boca, considerando que aquele prato lhe cairia muito bem no estômago.

Janete, que havia terminado a refeição, observava silenciosa como é que o parceiro se deliciava. Antes que o garçom comparecesse para servir mais um tanto, ela mesma fez questão de fatiar os vegetais, cuidando para que Prisco não fosse acabar ficando com fome.

Disfarçadamente, avaliou que a cebola estava quase crua, apenas escaldada em água fervente, deixando de servi-la. Prisco, contudo, que gostava de trincar as fatias para sentir o crocante do vegetal, pediu-lhe que não regateasse, afirmando que a alma da salada era justamente a cebola, principalmente se estivesse bem ardida, como aquela.

Um pouco antes da meia-noite, deu-se início ao “show”, quando já haviam terminado de saborear a sobremesa, Janete, sorvete com calda de abacaxi e flocos de chocolate.; Prisco, salada de frutas com espumante sem álcool.

Os acordes da música despertaram a nostalgia do guitarrista ferido, de modo que Janete propôs que se retirassem, não sem secar algumas lágrimas que começavam a escorrer pelo rosto dele.

Mas não foram logo embora. Ficaram de mãos dadas no jardim, sob o influxo emotivo das ondas sonoras que os envolviam. Esse momento, apesar do contato físico, foi um mergulhar profundo no passado de cada um.

Quando Janete ensaiou alguns passos, compenetrada e séria, à moda das dançarinas que se concentram no ato, Prisco, meio desapontado, ergueu-se do banco, pegou-a pela cintura e conduziu-a em alguns movimentos, sapateando na laje, queixando-se de que estava fora de forma.

Antes que terminasse a apresentação no palco, passaram pelo “maître”, que lhes deu a notícia de que a noitada fora cortesia da casa. Prisco agradeceu-lhe efusivamente, prometendo jocosamente voltar outras vezes. Ainda ficaram retidos por algum tempo, até que ele foi chamado ao palco para receber uma ovação da clientela.



Mais tarde, no carro, o hálito carregado do esbelto senhor, tiraria da cabeça de Janete a idéia de um beijo, limitando-se a despedi-lo, oferecendo-lhe a face. As luzes pisca-piscantes dos luminosos dos motéis se deixaram ofuscar pela sensação desagradável de que “paella” e salada de cebola não combinam nem no coração nem no olfato feminino.

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