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Contos-->O Motorista e Minhas Algemas -- 24/06/2000 - 10:44 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Sou levado/ Como um navio sem piloto/ Como através do ar/ Um pássaro à deriva;/ Nenhum vínculo me prende,/ Nenuma chave me aprisiona,/ Busco meus semelhantes/ E me junto aos insensatos.”
Carmina Burana, In Taberna


Osso duro de roer é andar a pé - ou de ônibus - na cidade dos horizontes belíssimos. Pode às vezes ser perigoso.
Certa vez encontrei a turma da faculdade num bar próximo ao viaduto de Santa Teresa. Nosso papo sempre nos leva a tentarmos buscar soluções para o país - e de quebra - para a humanidade. Somos revolucionários de boteco por excelência.
- A salvação está no fim da má-vontade!
Assim pregava meu amigo Vandré Henrique Felinto para minha cara assombrada e para sua abismada namorada.
- Se nós não tivermos documentos o Sistema não vai poder nos dominar ou identificar.
Ia dizendo isso e pegando a carteira da pobre moça para pôr fogo e demonstrar sua teoria.
- Não, Vandré! - disse ela - reprimindo as tendências anárquicas de seu amado.
- Comprove a teoria na sua carteira, vamos ver.
Vandré mudou rapidamente de assunto e eu tive ímpetos de cantar “Prá Não Dizer que Não Falei das Flores” em ritmo de rap, mas me contive.
- Ninguém aqui está me entendendo! Se eu morresse agora vocês distorceriam tudo o que eu disse, como fizeram com Jesus Cristo.
- “Jesus Christ, Superstar”, cantei.
- Oh, coitado! - era Lalá, a amada de Vandré, merecendo com este tiro certeiro o apelido de Lalá Carabina.
- Você é o novo Jesus!
- Mesmo?
- Claro, você sempre nos chama para tomar uma e elas se multiplicam em dez. Trata-se do milagre da multiplicação das cervejas.
- Jesus Cristo foi um cara legal, prosseguia ele - um filho de Deus que transforma a àgua em álcool, em vinho, ganha pontos comigo.
- E a Lalá, é a Madalena? Ora, podemos fazer um musical, Vandré. Quando você fala com Madalena entra a música: “Madalena, Madalena, você é meu bem-querer/ Eu vou contar prá todo mundo/ Vou contar prá todo mundo/ Que eu só quero você.”
- Acho que. Sei lá. Tenho medo de ser crucificado...
_Quê isso!
_Só quem me entende aqui é o Miguel!
Miguel, colega nosso também presente à mesa, já estava entretanto prá lá de Teerã. Em estado de embriaguez completa ele tentou dizer algo, mas quase derrubou toda a mesa.
Mudamos novamente de assunto. Desdenhamos dos poemas de Ho Chi Minh, eu me lembrava de ter lido que Bob Dylan desejava lançar um livro chamado Ho Chi Minh no Harlem. Demonstramos leve desprezo por Che Guevara e Lênin e nos unimos em louvores a Camus. E nos deparamos com o mais cruel dos problemas humanos, o terror dos rebeldes botequineiros: a infindável, implacável e onipresente CONTA! Dela ninguém escapa. Nem nós, apostoletes de Santo Vandré.
E depois veio uma solitária e longa espera pelo ônibus. Ele chegou rápido demais naquela noite. Quem sabe fosse um milagre de Santo Vandré. Lá dentro era como se houvesse uma luz de milagre. O ônibus estava repleto de empregadas domésticas. Lá na frente havia um bendito fruto, um sujeito meio careca e de camiseta verde. De repente o cara foi reclamar da demora daquela linha-e com o motorista. A coisa esquentou e com a intervenção irritada do trocador se formou o clima caótico que precede os grandes desastres. Era como se a explosão do Vesúvio estivesse iminente. O ônibus acelerou a marcha e não parou mais em ponto nenhum. As jovens criadas ficaram histéricas. Eu ainda admitia a possibilidade de pular janela afora quando a Barragem Santa Lúcia saltou à nossa frente. Meu ponto ia se distanciando e eu ia adentrando nos reinos do pavor: o veículo ia descarregar seu gado humano no batalhão da Polícia Militar que fica entre a favela e os bairros de bacanas como o São Bento. Logo o cara de verde estava amaciado e o motorista vociferava, tripudiando sobre ele e sobre nós:
- Vocês nem me ajudaram, ficaram aí querendo descer! E este sujeito aqui puxando briga!
Quando eu abandonei a confusão o interior do ônibus estava empestado por um perfume de couve-flor podre e tinha um ar de templo profanado. Precisei sair dali rápido, antes que eu ganhasse um belo par de algemas prateadas.
Um dia é da caça, outro do caçador.








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