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Artigos-->ENCANTADOS: UMA FÓRMULA MÁGICA (reedição) -- 16/01/2002 - 16:29 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Das lembranças que trago da infância, cabe um lugar de destaque às encenações do Grupo Amador de Teatro do SESI de Sorocaba. Por nada eu perderia uma só das oito noites que compunham a temporada de cada peça.



Tantos cacoetes, truques circenses, tiradas de efeito, que incansavelmente repetíamos. Era como se, num passe de mágica, súbito nos transformássemos nos ectoplasmas de “Pluft, o fantasminha”, nos heróis e nos vilões de “O casaco encantado”, ou nos personagens adultos de “Arsênico e Alfazema”, “Nossa Cidade” ou “Leonor de Mendonça”, que mal e mal entendíamos, mas adaptávamos às nossas, digamos, possibilidades interpretativas.



De “O casaco encantado”, ficou-nos a imagem terrífica de um pirata. Como esquecer a perna-de-pau, o ruído de cada uma de suas estocadas? E quem nos garantiria que também nós, na plenitude da empatia, não estivéssemos expostos a sérias ameaças e perigos. E a venda num dos olhos, meu Deus! Para nós não havia a quarta parede. Não nos sabíamos platéia. Nem gente, como os adultos viviam a repetir. Éramos o mundo.



Falas desconexas, que retínhamos para nosso uso "artístico" imediato, ecoam ainda hoje na memória. O resto, o depois, ficava por nossa conta, com a repetição dos bordões, tiradas expressivas, ditos chistosos, gestos significativos, sustos, surpresas, emoções, detalhes, combustível para as nossas explosões criativas, brincadeiras e inventos.



Eu mesmo, com mão de ferro, dirigi tantas vezes um elenco formidável de cartas de baralho. Insubordinadas, nem sempre obedeciam as marcações, escapando à difícil engenharia das dobras que lhes impingíamos para que não caíssem de seus personagens. O rei, a dama e o valete eram os destaques, o luxo absoluto, marcas de uma produção esmerada. As outras, irremediáveis figurantes, sempre a exigir de nós um a mais em fantasia. E isso, bem, isso era o que não nos faltava.



Mas onde o texto? Onde as didascálias? O enredo? As falas passavam a existir no momento em que se pronunciavam. Era o método de encenação mais propício às urgências e inquietações daquela nossa idade.



Das falas, uma ainda hoje segue comigo. Como haveria de se apagar da memória um fórmula mágica? Ei-la, transcrita com a mesma emoção com que a memorizamos, a mesma devoção com que a repetimos tantas vezes. Que dela possa o leitor fazer bom uso, é infalível. Só não pronunciá-la, em hipótese alguma, em presença de adultos que se levem a sério. Perderia todos os seus poderes.



Fórmula, abracadabra, sortilégio, nonsense, mantra dadá, um encantamento entre tantos outros, que, para as crianças de antes e de sempre, em sua passagem pela terra, Maria Clara Machado perpetrou:



"malacafum malacafum clincóide /

chiribitu, chiribiti, magá /

tum zaravai otim maratum dispim /

o requequé o requequé /

o rinhanhão o rinhanhão /

o pingolim pim pim".



Com o registro, a minha homenagem a essa mulher de teatro admirável. Por ter vivido como viveu. Por ter-nos deixado o que nos deixou: encantamentos. E como nos deixou: encantados.



Hoje, na certa, estará rodeada de outros espíritos trelentes, impossíveis e elevados, num mundo que com ela, nós, o seu público fiel de meninas e meninos brasileiros, aprendemos a arremedar, a vislumbrar, a antever, na imitação do que nos tocou ver, sentir e viver. Um mundo de sonhos, luzes, transparências, falas vindas como que de um outro plano, puro e diáfano, onde ela agora certamente passeia, como quem está de regresso à casa.



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Para Álvaro Alves Filho e todo o pessoal do Núcleo de Artes Cênicas do Sesi, Araraquara, pelo que realizam e representam e, muito especialmente, pela revelação desse grande talento é Andrea Campagnã.

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Zé Pedro Antunes é professor da Unesp, na área de língua e literatura alemã, e escreve às quartas neste espaço.





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