300 DIAS NA FUNAI (de Von Steisloff)
Por Paccelli José Maracci Zähler
Eu estava envolvido com as idéias de Rousseau a respeito do “bom selvagem”. Segundo este autor, todos os homens nascem livres, iguais e são bons por natureza, porém acabam sendo corrompidos pela sociedade. Incontinenti, veio à minha memória a imagem dos índios vivendo livremente na floresta, caçando, pescando, cultivando mandioca, praticando uka-uka, bebendo cauim, festejando o Kuarup. Sim, dos índios de um Brasil de tantas etnias dominados e quase extintos pelo homem branco, hoje tutelados pelo Estado.
Enquanto eu meditava sobre isso, eis que adentra a minha sala Von Steisloff, amigo de mais de uma década e com um talento literário admirável.
No decorrer de nossa charla, Von Steisloff convidou-me para prefaciar o segundo volume de sua coletânea de memórias, intitulado “300 Dias na FUNAI”. Como eu estava sob a influência do pensamento de Rousseau, não titubeei em aceitar o honroso convite, porém, impus uma condição: ler os originais!
Em pouco tempo, recebi pelo correio os originais da obra “300 Dias na FUNAI” e comecei a lê-la.
À medida que eu me aprofundava na leitura, cativante desde a primeira página, fui me decepcionando com Rousseau.
Von Steisloff conta sua história como Superintendente da 6ª SUER da FUNAI, em Goiânia, GO. As dificuldades iniciais, os desmandos, as insubordinações, as politicagens, as tramas, a irritante burocracia, a influência de figurões da República, empregando apadrinhados, interferindo, legislando, manipulando processos e projetos em causa própria, sob uma cortina de fumaça de probidade, sem falar nos recursos do Erário escorrendo pelo ralo em projetos de “proteção aos índios” sem sentido.
De outro lado, os índios tutelados pelo Estado agindo impunemente, tirando proveito de tudo, fazendo algazarra, invadindo repartições públicas, servindo-se de sua condição inimputável.
A pena afiada de Von Steisloff faz cortes precisos e profundos na carne, expondo as entranhas da suposta “causa indigenista”.
Assim, o mito do “bom selvagem” caiu por terra, bem como toda a fantasia de que o Brasil realmente deseja proteger aqueles que o habitavam na época do Descobrimento.
De qualquer maneira, fiquei me perguntando se Rousseau teria ou não razão. Somente Von Steisloff pode dar-nos a resposta.
* Paccelli José Maracci Zähler é escritor e poeta e membro da Associação Nacional de Escritores, Brasília, DF.
(Prefácio do livro "300 Dias na Funai", de autoria de Von Steisloff, parte da Série Memórias nº 2, Tomo I)
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