Prisco voltou ao Brasil sem grande aborrecimento. Havia colhido muitos aplausos por onde passou, entretanto, a sua arte parecia constituir-se em obstáculo para compreender a doutrina espírita, que tanto o interessara através da leitura da primeira obra.
Quase que sua encomenda se desencontra com ele, estando Mirtes prestes a despachar as obras solicitadas. No dia em que compareceu ao centro espírita, estava acompanhado de Janete, que não se cansava de censurar o futuro cunhado.
Bernardete ficou fazendo companhia a Paulo Henrique, que se viu às voltas com a justiça, acusado formalmente pela companhia de seguros que cobria a apólice de Prisco e dos empresários. O rapaz estava impedido de deixar o país, vivendo às custas da namorada, porque ele mesmo não era pessoa de muitos recursos.
Bem que Janete insistiu com a irmã para que voltasse, mas gastou bom dinheiro em ligações internacionais sem conseguir convencê-la de que cesteiro que faz um cesto... Tal foi exatamente a expressão que utilizou, ouvindo como resposta que ele estava arrependido, culpando o sentimento do ciúme e o exagero alcoólico, acrescentando ela que o cansaço da viagem e a impressão de intimidade com Prisco tinham provocado aquela reação absolutamente única em seu relacionamento. Por fim, Bernardete citaria o perdão como qualidade superior e a compreensão dos defeitos alheios como o reconhecimento da condição inferior dos encarnados, “os quais”, afirmou, “vêm ao mundo para evoluir”. Em suma, ela gostava dele.
Como veremos, não demoraria muito para a justiça espanhola concluir o inquérito, julgar o incidente e sentenciar o acusado.
Dona Maria e o marido cercaram o filho de cuidados, jamais permitindo que fosse sozinho ao hospital cujo corpo médico iria acompanhar o desenvolvimento da restauração óssea e dos ligamentos afetados pelo potente golpe.
Como disseram por carta, Prisco se surpreendeu com as mudanças operadas no apartamento, cujos móveis e apetrechos domésticos tinham sido trocados por novos, ainda que os antigos estivessem em perfeita condição de uso. O que mais o deixou satisfeito foi encontrar a guitarra nova guarnecida com o que havia sobrado da que despedaçara. Não podendo utilizar a mão esquerda, prendeu como pôde o braço do instrumento e dedilhou as cordas com a mão direita apenas para conferir que a sonoridade era magnífica. Ficou na vontade de executar um trecho qualquer.
Toda essa história lhe serviu de fundamento para questionar a sorte. Queria saber como é que Kardec resolveria a suprema questão de não haver sido protegido pelos guias na hora em que se viu ameaçado.
Propôs o tema a Janete:
— Você acha que estava escrito, que estava predeterminado que eu iria sofrer a desdita desta complicação?
— Todas as providências que se tomaram antecipadamente levam a crer que os acidentes acontecem e que as pessoas devem ficar prevenidas. Isto é próprio da inteligência humana, que sabe utilizar as experiências em proveito próprio.
— O que Kardec disse a respeito?
— Você vai me desculpar, mas não sou tão entendida assim. Acho melhor consultar os livros ou ir perguntar aos estudiosos da doutrina.
Foi assim que eles combinaram a entrevista com pessoal mais sabido, crentes de que essa era a porta de entrada na filosofia espírita.