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Artigos-->O importante é que emoções eu vivi -- 09/01/2002 - 02:48 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Texto publicado há algum tempo neste site. Reescrito, ele aparece na edição de hoje (09/01/2002) do jornal Tribuna Impressa, de Araraquara: . A minha coluna (OXOUZINE) sai todas as quartas-feiras.



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O importante é que emoções eu vivi

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Espantoso dar de cara com pessoas que, de tanto vê-las filtradas por fotografia e televisão, quase não conseguimos imaginar de carne e osso. Nos grandes centros, encontros assim podem ser comuns, mas nem por isso menos surpreendentes. É quando com mais força nos damos conta da exclusão a que nos relega o sistema criador de mitos e estrelas.



Ocorre-me um texto de Gabriel Garcia Marquez sobre um encontro, em Paris, Boulevard Saint-Michel, com seu ídolo Ernest Hemingway. Tal leitura produziu em mim a fantasia meio absurda de, um dia, ali mesmo, naquele burburinho, eu também vir a cruzar com o autor de “Cem anos de solidão”, dando prosseguimento à mágica dos acasos implausíveis.



Pois foi ali mesmo, em Saint-Michel, que vivi um desses encontros. Era janeiro de 1981, eu cumpria o último dos oito meses de contrato com o Le Discophage, casa de espetáculos brasileira no Quartier Latin. Chegava ao final, e eu não sabia, a longa temporada de andanças e cantorias pelo velho mundo. Dia clareando, eu a caminho de casa.



Morava, então, no apartamento do compositor e cantor Georges Moustaki, Île Saint-Louis, atrás de Nôtre-Dame, orgulhoso da vizinhança com Piazzola e, presença marcante na trilha sonora de minha adolescência, Françoise Hardy (quem ainda se lembra?).



Como de hábito, para dar uma espiada nos jornais do dia, eu me detive numa banca que fica defronte ao café Aux Deux Magots. Distraído, de repente ouvi um “Est-ce que vous avez Le Monde?”, com aquele inconfundível sotaque baiano. Olhei, estarreci. Era ele mesmo. “Ei, eu te conheço!”, foi o que me veio à boca. E a resposta, marota: "Tem mais é que me conhecer, meu chapa!"



Quis saber o que eu fazia, prometeu ir me ver à noite no Le Discophage e perguntou por um certo Epaminondas. Eu não sabia de ninguém com esse nome. Mais alguns dias, estaria em Veneza, para o Festival de Cinema.



De lá, sabe-se, voltaria amargurado com a recepção de A idade da terra. Morreria em Portugal alguns meses depois. De septicemia, conforme anunciado. De aids, quiseram os sedentos de escândalo. De Brasil, repete a mãe zelosa, ecoam os inconformados com o descaso para com os gênios da raça. Ah, ia me esquecendo, o leitor terá intuído. Era o maior dos cineastas brasileiros: Glauber Rocha!



De volta ao Brasil, Rua Barão de Limeira, São Paulo, alguns passos depois do prédio da Rádio Excelsior, um outro encontro. O vaivém das duas da tarde por pouco não me impede de notar o personagem que tateava em sentido contrário.



Custei a acreditar. Cabelo tipo Visconde de Sabugosa, meio palhaço, óculos fundo-de-garrafa, andar hesitante de quem não enxerga um palmo adiante do nariz, só mais um brasileiro, velho de guerra.



Ao passar por mim, o lampejo, a conhecida chispa de um dos maiores artistas comunicadores que o país já conheceu: “Onde é?”, perguntou. E eu, tomando-o pelo braço e ajudando-o a chegar à entrada do edifício, não podia ter palavras.



Mais alguns passos, o grande Abelardo Barbosa adentrava o seu mundo, que, para o bem e para o mal, era e continua a ser o nosso, o dos meios eletrônicos de comunicação. Nele, foi imperador inconteste, o Chacrinha, como o Brasil inteiro o aclamava!



Às vezes, me pejo de seguir contando aventuras tão improváveis, inverossímeis até, sérias candidatas ao repertório das petas. Cascatas, lérias, leros, lorotas, anedotas, invencionices? Mas como fugir à emoção que me ficou desses átimos de eternidade? Instantes em que, súbito, vulneravelmente nos vemos de cara com a nossa humana fragilidade.



Ver e ouvir os mitos, saber que são feitos de carne e osso, não deixa de ser um lenitivo, nos faz caber melhor em nossa pequenez irremediável, com todo o cabedal de ilusões que a condição humana requer e os meios de comunicação, quase sempre mesquinhos, só fazem explorar.



Massas de pessoas é o que somos. Mágicos, momentos como esses acabam por nos devolver um pouco a individualidade, migalhas da elevação que os humanos sempre buscaram na convivência com os mitos, ficções, narrativas. Neles, as nossas histórias também se tornam dignas de serem vividas. E contadas.



Para que esta vida, em seu ramerrão, não nos seja inteiramente destituída de graça, não corresponda somente à dureza dos fatos e vicissitudes materiais que insistem em nos prender ao solo, a nos impedir os “vôos para fora do tempo”.







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