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Artigos-->Pense canhoto -- 27/06/2009 - 14:13 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meu pai é canhoto. Quando eu era catatau, gostava de vê-lo exercendo suas habilidades de mecânico profissional e pedreiro amador com ferramentas todas desenhadas para destros. Mesmo com as chaves de boca, os esquadros e as furadeiras sendo claramente partidárias dos destros, as obras na casa da minha infância nunca deixaram de ser feitas. É fato: um canhoto vive “direitinho” no mundo construído para destros.

Eu sou destro, mas de tanto ver meu pai segurar a caneta de um jeito diferente, escrevo usando a mão direita com jeitão de canhoto, punho flexionado para dentro e um certo vacilo no ato. Dizem que o canhotismo é genético, mas não sei se isso significa que é hereditário. Sendo, os genes de meu pai perderam a guerra e minhas irmãs também não são canhotas. É fato: não sendo canhoto, escapamos de levar tapas na mão esquerda quando estávamos no primário, castigo que vi muitos coleguinhas sofrendo nas décadas de 1970 e 1980.

Se, como provou meu pai, os canhotos se adaptam ao nosso mundo, está tudo resolvido, não há o que polemizar. Tudo bem que essa é a maneira de um destro encerrar o assunto e seguir assistindo ao jogo do Curintia contra o Bacalhau, admirando a finta a la Garrincha que o Fenômeno, ambidestro (o que é isso? Com duas direitas?), deu no Touro Sentado vascaíno. Fosse eu um canhoto, usaria esse espaço para protestar, como bom homem de esquerda que eu seria. Quem foi que disse que o certo é o direito?

Essa história tem História. Há indícios de que, desde que o homem começou a usar a linguagem falada para se comunicar, existe uma prevalência do direito sobre o esquerdo. Nas principais línguas modernas, o vocábulo usado para designar o lado direito ainda sustenta uma carga semântica sempre associada à idéia de correção, de bem, de legalidade. Em português, espanhol, inglês, italiano e francês, a palavra que define o lado contrário ao esquerdo é, também, usada para o que é legal, o que obedece à ordem, o que é “de direito”. Já o que é esquerdo, também é sinistro em italiano e no português mais arcaico; sinistro, em diversas línguas neolatinas, tem um peso negativo, até assustador. Em inglês, esquerdo é left, usado ainda como particípio do verbo to leave, com freqüência sinônimo de abandonar, sair, escapar. Em francês, é gauche, palavra usada para definir pessoas sem jeito, fora do eixo, desajustadas, inaptas.

Na política, o binômio esquerda-direita surge exatamente na França do Antigo Regime. Os membros do Terceiro Estado - nem padres, nem nobres – ocupavam, no Parlamento, um lugar à esquerda do rei. O clero e a aristocracia estavam sempre à direita. A resistência à manutenção do Antigo Regime vinha, quase sempre, dos integrantes da esquerda, enquanto as anuências ficavam mais à direita. O Terceiro Estado era formado por trabalhadores urbanos, camponeses e pela burguesia. Era o novo que buscava espaço, tentava subverter a ordem. Chegando depois de a “festa” começar, ficava à esquerda do rei, pois ficar à direita equivalia a estar à direita do Pai, honra guardada para os homens santos e/ou de sangue azul. Jesus está à direita do Todo-Poderoso; o diabo está à esquerda e da sua benção com a mão...esquerda.

Quem nunca acordou mal, com o “pé esquerdo”, ou desejou a um amigo que começasse o ano bem, com o “pé direito”? Posso parar por aqui? Não preciso dizer que, na Idade Média, canhotos eram queimados vivos por serem filhos do Coisarruim? Então está direito...ops. Já estamos convencidos que vivemos num mundo de destros e que por mais que a ciência possa relacionar essa preferência com os movimentos de rotação e translação da Terra, o resultado prático disso, poucas melhoras a parte, é que nós, 90 % de destros, pouco ligamos para os canhotos.

O que me faz pensar que também não nos colocamos no lugar de qualquer um que seja diferente de nós: palestinos, judeus, palmeirenses, diabéticos, milionários, miseráveis, poetas, obesos, magríssimos, vaidosos, padres, prostitutas, negros, amarelos, tricolores... Qualquer um que ameaça o nosso conforto, a nossa direita segura (mantenha a direita!), não merece nossa capacidade de empatia, de sentir o que o outro sente. Se eu fizesse a pergunta: você tem preconceito em relação aos canhotos? A sua resposta seria negativa. Quem é que tem preconceito contra canhotos? Ninguém. O que se tem em relação a canhotos, palestinos, judeus, palmeirenses, diabéticos, milionários, miseráveis, poetas, obesos, magríssimos, vaidosos, padres, prostitutas, negros, amarelos, tricolores, quase sempre, é uma total indiferença. Para os destros, todo os tipos de destro, a indiferença é melhor que o preconceito. Para os canhotos, todos os tipos de canhotos, a indiferença é a fogueira reeditada. Pense canhoto.



* Publicitário e professor de língua portuguesa. Tem um pé esquerdo cego, mas, sem ele, desaba.
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