POEMA FRAGMENTADO EM CABO BRANCO
Autor: Paulo Nunes Batista
I II
De Cabo Branco fica a referência. seios, pescoço, barriga
Mas a Praia é do mar de Tambaú. nessas eternas carícias
... que os machos talvez lhes negam...
Com as mulheres escancaram as pernas E como essas fêmeas gostam
numa inocência de espantar os Anjos! de expor os bumbuns roliços
... e fingir que estão dormindo
Depois que descobri que não sou santo (sempre com um olho acordado)
conservo um certo ricto de ironia. enquanto os homens passeiam
seus olhares cobiçosos.
... É tudo mar de desejos
Ainda busco os fantasmas diluídos explícitos ou inconfessáveis.
na poeira perdida do passado.
...
A brisa morna nos bafeja o corpo O homem pega a machadinha
com bocas de mil dedos indeléveis. ou foice- e lá vai cortando
... a verde csaca do coco
Oh tu que vendes geladinho, e só cuja água se vai chupando
tens o braço direito, o esquerdo ausente através de canudinhos.
A dor daquele braço que te falta Quem não tem dinheiro, fica
dói de mais nestes braços que me sobram. sugando o suor dos dedinhos.
. . .
As ondas levaram sombras Léguas e léguas de areias
as ondas levaram sonhos ao longo de muitas praias.
de manhãs alvissareiras Os coqueiros carregados-
de falas e borborinhos, cocos verdes e amarelos.
pregões, cantigas de feiras Mas todos eles têm donos.
molhadinhas de saudades, O pobre pensa que é livre-
velhas canções jangadeiras mas é escravo do Dinheiro,
que as ondas trazem do alto- o Senhor Absoluto
mar, nessas vozes praieiras... de Tudo, neste país.
. . . E quando vem para a praia
Cada gota desse Mar a Pobreza nordestina
levo guardada nos poros a tragicomédia ensaia
impregnada na pele “brincando de ser feliz”...
como do Sol levo os raios.
O Sal que o Vento carrega E cada um passeia
gruda no todo da gente por sobre a praiareia
misturado aos grãos de Areia os seus baixos e altos.
como tempero da Praia. umas e outras com sobras
de ondas, volumes, dobras.
Em cima o céu azul-claro, E outros de tudo tão faltos.
embaixo o mar quase verde.
Nosso olhar sonha e se perde No banho de mar se brinca
como um cão que perde o faro. de andar, correr e pular,
fingir que se tem coragem
Vendedores ambulantes e se desafia o mar
oferecem suas coisas e tudo termina em nada
de comer e de beber pra quem não sabe nadar.
e de lambusar os corpos.
Como as mulheres adoram Mulheres seguram os seios
ficar horas se alisando nas conchas do sutiã.
as coxas, pernas e braços, Biquinis disfarçam coisas
à luz forte da manhã.
Mulheres ficam de bruços
para- sem quaisquer discursos-
tentarem o olhar do Dom Juan.
III IV
Hoje é domingo. E pu (lu) lam Yemanjá, Dona das Águas
na praia seres humanos Salgadas, do Mais Profundo
ao Sol, os paraibanos do Mar, governa esse Mundo
adoram pacas saltar de Algas, peixes e Corais...
com seus mulatos franzinos e a gente que o mar adentra
e suas mulheres belas se benze, pede licença
abrindo portas, janelas à deusa, cuja Presença
do corpo, na beira-mar... representa o Sempre Mais...
Velhos e velhas obesas, Olhando as mansões praianas
rapagões desempenados, dos burgueses ditos nobres,
morenas de corpos dados eu lembro as casas dos pobres
à areia, aos ventos, ao ar, onde anda faltando o pão...
enquanto o Sol lambe tudo Lembro a miséria de muitos
da unha dos pés ao cabelo- vendo a fartura de uns poucos:
seios, olhos, tornozelos, há homens de Fome loucos
bocas viradas pro mar... assaltando no sertão...
O mar me beija, me fala E aqui mesmo em João Pessoa
nas bocas de ondas sonoras se vou, na periferia,
que rendilham espumas-flores a fome de cada dia
na tela desse areial. cumprindo bem seu mister:
E eu fito os longes, tentando Comendo a força e a vergonha
descobrir o No’r’destino dessa Pobreza sofrida,
que se perdeu com o Menino jogando à margem da vida
no céu, no Sol e no sal... homem, menino, mulher...
Branca, morena, mulata Divaguei, saí da praia
sarará, loura, galega pros subúrbios pessoenses,
que todos chamam de “nega” me envolvi noutros suspenses
na hora de chumbregar... que não consigo evitar...
A multidão de mulheres Será que algum dia, ainda,
maduras novas meninas posso ver toda a Pobreza
enchem as praias nordestinas gozando a rica Beleza
de Sol, de céu e de mar... do céu, da terra e do mar?...
Saio da praia sonhando
minha querida Utopia.
João Pessoa, Cabo Branco, Poeta – resta a Poesia!
Sonhador resta Sonhar!
26-10-1993. Sonhador – resta sonhar!...
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