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Cronicas-->O homem que inflou -- 10/06/2002 - 11:57 (Marco Antonio Athayde de Britto Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Não era um sujeito de aparecer. Não era também de transparecer. Talvez por isto mesmo é que era notado.Notado pela sua falta de notoriedade.
Sujeito do tipo miúdo, magro e franzino. Carregava a título de bigode uma tênue linha de pêlos acima dos lábios. Olhos escuros protegidos por uma armação de aros finos, lentes de grau leve.
Comumente vestia-se de modo sóbrio: sapatos pretos de bico fino, calças e camisas de algodão em cores neutras: cinza, cáqui, alguma coisa assim...
Seu trabalho também era discreto. Trabalhava em cartório, num prédio na mesma rua de onde ficava meu escritório, uma janela em lado contrário à minha, pouco abaixo do andar de onde me situava.
Tínhamos por hábito, todos os que ali trabalhavam, fazer uma pausa para um cafezinho lá pelas dez. Ficávamos apoiados nos cotovelos no grande balcão de madeira já há muito lustrada pelas mangas de paletós, ou com xícara e pires na mão, enquanto, entre uma mordida e outra num pão com salaminho, discutíamos sobre qualquer assunto. Todos menos ele. Sentava-se numa mesa de canto e pedia um copo grande de café com leite e pão com manteiga. Debruçava-se sobre um livro de bolso e só levantava depois que o último de nós houvesse saído. Sabíamos seu nome através de Ingrácia, sua colega de seção e uma das únicas com a qual falava. Bem, não era exatamente uma conversa que os dois mantinham, era algo como um código que só o tempo permitiu a Ingrácia entender. Comunicava-se através de monossílabos, tiques e acenos de cabeça. Tinha também uma coleção de sons ininteligíveis que nem mesmo sua colega sabia como traduzir. Chamava-se Tenório.
A mudança não foi percebida de imediato. Acho que primeiro foi a gravata que deixou de usar.Gravatas da cor da camisa, apenas com o tom um pouco mais claro ou escuro, conforme o caso. Depois deve ter sido as próprias camisas que começaram a ganhar um pouco de vida. Do cáqui para o verde oliva, daí para a mostarda. Calças de listras "tom sur tom" foram sendo substituídas gradativamente por modelos e cores mais em voga. Os sapatos de bico fino por fim foram deixados de lado, trocados por mocassins. Depois vieram os tênis importados, sandálias franciscanas.
Um dia, quando da hora do cafezinho, o próprio Manolo; e aqui faço um aparte para apresentar este personagem que vem a ser o proprietário do Café e Bar Madri, palco desta história e de todas as outras que eu venha a ousar contar, vem chamar-nos a atenção para o fato da nossa personalidade estar mostrando-se cada dia e cada vez mais relaxado. Deu até para assobiar, chegara naquela manhã assim, assobiando. Baixinho é verdade, mas assobiava. E esboçava um sorriso, um arremedo de sorriso, mas sorria.
Foi um alvoroço. Até os resultados dos jogos da Copa ficaram para trás. Bolsa de apostas, especulações várias: ganho de loteria, havia mesmo um prêmio ainda não reclamado. - Herança, alguém apostou em herança? Ponho dez.
Ninguém entendia, não se sabia de nada. Ingrácia coitada, sentia-se a própria esposa traída, resmungava para quem quisesse : muita ingratidão, quanta decepção, logo com ela, a única amiga (?), sua confidente (?).
Após toda esta metamorfose de caráter meramente material, vieram as verdadeiras transformações. Estava engordando. Não, não engordava, ele inchava, "embolava" ( desculpem-me pela minha limitação linguística, não tenho outro termo, ele virava uma bola!) a olhos vistos. Inflava, é isto, inflava. E muito rapidamente...
Na segunda-feira deu na manchete de jornal. Saiu em noticiário extraordinário de TV...
O "Inflável" não apareceu no cartório, não desceu para tomar seu copo de açaí com mel e um super-hiper-turbo cheese-egg-bacon-burguer .
A manchete dizia: "Avião comercial cruza com ET". Na TV, em imagens ao vivo ouvíamos a versão da tripulação: - "Vestia-se com um uniforme engraçado: bolinhas vermelhas num fundo branco...".
A aeronáutica foi acionada, caças de guerra patrulhavam o espaço aéreo, companhias turísticas agendavam vóos, emissoras de TV aumentavam o tráfego aéreo. Notícias das aparições vinham de várias partes do mundo: Plaza San Pedro, Niágara Falls, engarrafamento na Ponte de San Francisco...
Furo de reportagem, CNN, imagens ao vivo. Era ele.
O homem que inflou agora voava, ou flutuava. Tenório, com as faces rosadas, sorria enquanto flutuava...
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