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Erotico-->9. BARTIRA -- 02/11/2002 - 08:12 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Prisco venceu a languidez que o prendia ao leito e se dirigiu ao banheiro para realizar sua higiene matinal. Sentiu o corpo flácido, bem diferente daquele que o conduzira no dia anterior a caminhar pela praia. O banho quente relaxou-o ainda mais, dando-lhe a sensação de que o melhor seria voltar a dormir.

Em vez disso, avaliou-se no espelho, decidindo que estava na hora de fazer a barba. Foi quando reparou que os olhos se deixavam adornar por profundas olheiras.

“Noite de cão. Não podia ter deitado cedo? Agora vou ter de me apresentar como se todo o sofrimento do mundo recaísse sobre minhas costas.”

Eram nove horas passadas quando pediu a Bartira que lhe preparasse o café, recomendando-lhe que descascasse e picasse alguma fruta fresca que estivesse gelada. Avisou-a que iria pegar os recados telefônicos, sem receber dela nenhuma informação nesse sentido.

Na secretária eletrônica, registrava-se apenas o pedido para que ligasse para determinado número, número que reconheceu como sendo de seu empresário para “shows”.

“O Alfredinho vai ter de esperar. Preciso, antes de falar com ele, avaliar se estou me sentindo suficientemente lúcido para auxiliá-lo a decidir em quais eventos poderei atuar.”

Contemplou-se de novo no espelho da sala de estar, achando-se mais guapo e formoso, posto que as manchas lívidas se mantivessem onde as havia encontrado.

Na cozinha, Bartira, consultada, afiançou:

— Se o senhor colocar um bife em cada olho, vai ver que essa olheira vai passar.

— Essa de bife, eu já sabia. Quero que você me diga se estou com alguma mandinga, algum quebranto...

— Sou preta e velha mas não sou benzedeira.

— Você não me disse que toda sexta-feira vai rodar a baiana no terreiro?...

— Mais respeito com a minha crença.

— Eu falei alguma bobagem?

— Eu não vou fazer isso que o senhor está dizendo. Eu vou rezar e pedir por todas as pessoas que precisam de oração.

— Você reza por mim?

— Com Dona Eulália viva, nunca achei que o senhor precisasse. Depois que ela morreu, a toda a hora, eu peço aos guias que auxiliem o senhor.

— E eles, o que têm respondido?

— E eu sei lá? Eu acho que eles estão cuidando do senhor, tanto que o senhor esteve no centro espírita ontem.

— Quem lhe contou?

— Dona Maria, ora essa. Quem mais poderia ser?

— Então, ela ligou...

— Ela esteve aqui hoje bem cedo, arrumando as coisas que o senhor vai doar ao centro.

— Ela entrou no quarto?

— Se entrou, eu não vi. As trouxas de roupas estão na sala da frente.

— Bartira, eu acho que não vou querer este leite quente. Me dá o gelado.

— Eu esquentei tudo. O senhor quer que eu abra uma caixinha do armário?

— O que tem gelado?

— Tem suco de uva e de maracujá.

— Me faz um copo de suco de maracujá, com bastante gelo. Ou melhor, encha a jarra que eu vou levar pro escritório. Enquanto isso, vou comer esta salada de frutas. Tem iogurte pra eu pôr por cima?

A empregada abriu a geladeira e apanhou os frascos e o gelo. Passou dois copinhos de iogurte natural para o patrão, que os despejou no prato em que depositara as frutas picadas.

Quando o suco foi posto em sua frente, ele pegou um guardanapo de pano, mergulhou a colher na jarra, catando umas pedras de gelo, embrulhando-as e levando aquela trouxinha gelada à olheira do lado direito.

— Eu acho que isto vai substituir o seu bife.

Bartira deu de ombros e perguntou se poderia desfazer a mesa.

— Ainda não terminei, mulher de Deus! Está nervosa hoje?

— Nem um pouquinho. Só que eu não quero perder o emprego. Na minha idade, nenhuma família vai me querer mais.

— Quem lhe falou em perder o emprego?

— Dona Maria disse que o senhor conheceu uma moça ontem e que ela é muito rica, com muitos empregados, copeiras, arrumadeiras e até mordomo.

— A minha mãe não está a par de nada. Só porque eu conversei com uma antiga colega de escola, não quer dizer que vá me mudar daqui. Uma de vocês duas deve estar caducando.

Foi a vez de o olho esquerdo receber o influxo da friagem, com água escorrendo já sobre o prato vazio.

— Sua mãe me perguntou se eu conhecia a moça, Dona Janete. Ela disse que freqüenta um centro espírita. Eu respondi que conheço uma Janete, que não é rica e está desempregada. Acho que não é essa.

— Claro que não Bartira. Você ouviu falar do caso da menina que morreu queimada?

— Ontem mesmo. Quando seu pai ligou avisando que o senhor estava no hospital, disse que a menina tinha morrido. Mas eu não conhecia bem a família. Sei onde moram. Quando eu vinha vindo, eles estavam saindo. Havia muita gente. Eu rezei bastante porque achei que aquele povo estava precisando.

— Bartira, você incorpora alguma entidade?

— Incorporo, sim.

— Algum preto velho?

— O que vier.

— Algum índio ou índia?

— Sim.

— O seu nome tem alguma influência, por se tratar de um nome indígena?

— Não tem nada a ver.

— É verdade, se eu incorporasse algum espírito, pelo meu nome, deveria ser um romano antigo. Bobagem minha. Você já leu algum livro de Kardec?

— Quem?

— Allan Kardec. Dizem que escreveu a respeito do espiritismo. Eu estou com três livros dele.

— Foi ele quem emprestou pro senhor?

— Não, querida. Ele já morreu faz tempo. Estou vendo que a sua religião nem leva em conta essa ilustre personagem. Não faz mal. Quando eu precisar saber mais sobre o terreiro, vou perguntar-lhe com todo o respeito. Agora você pode limpar a mesa.

Bartira gostava de prosear com o patrão. Naquela manhã percebeu que seu emprego perigava realmente, porque os assuntos mostravam que Prisco não estava tão infeliz quanto a máscara que pusera no rosto indicava.

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