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Erotico-->7. JANETE -- 31/10/2002 - 08:07 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

— Janete, faz tempo que você está velando a defuntinha?

— A verdade é que sempre passo por aqui quando retorno do trabalho. Eu gosto de medir a dor dos parentes...

— Macabra distração!

— Expressei-me muitíssimo mal. Não é que eu goste, mas conforta-me saber que existem pessoas mais infelizes e que as lágrimas que chorei não significaram grande coisa perto da dor, por exemplo, da pobre mulher que perdeu a filha hoje.

— Assim mesmo, fico arrepiado só em pensar em agüentar de novo o desespero das mães nessa situação.

— O meu carro está na rua. Eu levo sua mãe e você vai com seu pai.

Prisco pensou em que era uma boa oportunidade para as duas “tricotarem” à vontade. Considerou também que não iria precisar contar os momentos trágicos de sua vida nem fazer fé de suas convicções filosóficas e religiosas.

Com o pai no carro, pôde pôr a limpo o que Janete contara a eles:

— Que moça esquisita, pai. Sabe que eu não me recordo dela? Que é que ela faz na vida?

— Ela administra um negócio para o pai. Estão muito bem, segundo entendi. Sua mãe é que conversou mais com ela.

— Quem é que ela perdeu?

— Se ela disse, não prestei atenção. O que notei é que o pessoal do cemitério a trata muito bem, com formalidade e respeito. Acho que ela comparece aos velórios para cobrir as despesas dos mais pobres.

— Uma boa alma, em suma.

— Eu vi quando ela acalmou o pai da menina. O homem estava guardado pelos irmãos, meio alucinado. Ela chegou e levou o rapaz para outra sala. Quando voltaram, ele vinha enxugando as lágrimas. Ambos foram ao pé do caixão lacrado e oraram em silêncio. Antes de ir embora, o jovem deu um demorado abraço nela, saindo tranqüilo, atrás da esposa amparada pelos familiares.

— Ela falou a respeito da religião que segue?

— Ela é espírita, pelo que entendi. Mas você vai poder tirar as suas dúvidas logo.

— Eu estou achando que ela atendeu muito depressa ao apelo da minha mãe.

— Elas falaram bastante a seu respeito, a ponto de pedir que a gente o chamasse para revê-lo.

— Deve ter ficado decepcionada por eu não tê-la reconhecido.

— Ela tinha previsto isso. Mas é esquisito que você não se lembre dela, já que era a melhor aluna da escola.

— Eu nunca me interessei pelas colegas. Mas agora não vem ao caso. Por certo ela vai contar algum fato que me faça lembrar dela.

O carro da moça ia na frente, de forma que, ao chegarem ao restaurante, ela entrou primeiro no estacionamento, ocupando uma vaga de ocasião, já que um freguês estava saindo. Prisco precisou largar as chaves com um manobrista, que prometeu estacionar o carro na primeira vaga que se abrisse.

O restaurante estava cheio. O cheiro de churrasco dominava o ambiente, sem que se notasse a fumaça da gordura caindo sobre as brasas. Para obter-se uma mesa, foi preciso solicitar senha ao “maître”. Foram encaminhados ao balcão do bar, onde poderiam começar pelas bebidas. Foi aí que Janete e Prisco ficaram juntos, enquanto Maria e Joaquim se situaram alguns tamboretes adiante.

Ambos pediram cerveja sem álcool, Prisco, para imitar a moça.

— Janete, que é que você tem contra as bebidas alcoólicas?

— Aprendi com meu pai. Ele também não bebe e, quando lhe fazem essa pergunta, responde que o álcool é que tem alguma coisa contra ele.

— Eu faço questão de tomar um vinho de boa safra. Você vai incomodar-se se eu fizer acompanhar a comida com um “vin de table” importado?

— Desde que você não exagere. Não se esqueça de que vai dirigir.

— Se eu ficar bêbedo, o que raramente acontece, peço para o restaurante me levar. Os manobristas gostam de ganhar um extra.

— Quando sua mulher era viva, isso aconteceu alguma vez?

— Agora você me pegou. Só aconteceu nos últimos três meses, depois que eu a enterrei. Parece que minha mãe a pôs a par da minha desgraça.

— Sem dúvida. E seu pai deve ter dito por que eu falei a respeito das lágrimas que verti na vida.

— Eu bem que perguntei, mas ele não disse nada.

— Pois eu perdi meu noivo num desastre, três dias antes da cerimônia. Fiquei desesperada. O que me valeu foi minha crença em Deus e nos espíritos que me protegem. Eles me deram força e me pediram para freqüentar o cemitério, dando conforto às pessoas, sempre que possível.

— Meu pai disse que você ajuda os pobres.

— Raramente. O que eu mais faço é providenciar algumas coroas de flores, quando ninguém da família ou entre os amigos tem condições de comprá-las. Você precisa ver o efeito benéfico que elas causam no ânimo dos enlutados. Parece uma coisa boba e supérflua, mas é uma providência bastante oportuna. Contudo, é preciso tomar cuidado que existem os orgulhosos que não aceitam nenhum tipo de ajuda. Aí os funcionários me avisam e eu mando vir uma ou duas coroas com expressões como “Dos amigos, que não vão esquecer-se de você” ou “Dos colegas de serviço, que rogam pelo bem-estar de sua alma”. O pessoal da floricultura já está acostumado e varia as frases.

— Esse seu cuidado é muito bonito. Você está de parabéns, mesmo.

Naquele momento, liberou-se uma mesa e eles foram chamados.

A conversa durante o jantar girou em torno do trabalho de cada um, tendo Janete ficado por demais impressionada com a projeção internacional de Prisco, um quase desconhecido no Brasil.

— Quer dizer que você já participou de várias bandas “flamencas” e agora segue uma carreira solo, com três CDs. à venda. Eu não me lembro de você tocando nas festas da escola.

— Eu também não vi você nas revistas nem nas entrevistas na televisão. E fomos encontrar-nos num lugar bem pouco provável...

— Se você não tivesse saído ao sol, não tivesse sido levado para aquele ambulatório, a menina não se tivesse queimado hoje, seus pais não cismassem de acompanhar a pobre família...

— Não me diga que tanta desgraça foi causada para nos encontrarmos.

— Eu não acredito nisso — acabou participando Dona Maria. — Eu acho que haveria outros meios de vocês se encontrarem. O que houve foi uma coincidência, principalmente porque Janete criou o hábito de ir ao cemitério consolar o povo.

Joaquim quis expressar uma idéia que achou no meio de suas divagações religiosas:

— Vocês atenderam ao convite para as bodas do filho do rei. Muita gente se recusou a comparecer e acabou onde há ranger de dentes e outras coisas mais.

— Pai, que é que isso tem de ver com o assunto?

— Meu filho, é fácil: se vocês não se encontrassem, nós não estaríamos agora falando a respeito. E, se cada um tivesse achado um outro colega, estariam combinando as circunstâncias para atribuir aos protetores espirituais a feliz coincidência. Tudo no mundo vai acontecendo conforme uma sucessão de causas e efeitos. Nada está predeterminado, senão não haveria como exercer a vontade, o livre-arbítrio.

Janete admirou-se com a exposição e não regateou elogios:

— “Seu” Joaquim, quem diria. O senhor está saindo um kardecista perfeito. Parabéns. Nem o presidente do centro diria isto com tamanha precisão. Aliás, bem pensando, o que tenho ouvido mais freqüentemente é o contrário, ou seja, que o acaso não existe e que tudo se escreve no plano da espiritualidade, tornando-se as pessoas verdadeiras marionetes nas mãos dos sagazes construtores do destino, como se fosse possível prever todas as injunções e conjunções dos azares do mundo. Se fosse assim, vamos convir, ninguém atearia fogo sem querer em sua fábrica de fogos de artifício, mas seria sempre por obsessão diabólica de espíritos malignos. E assim todas as desgraças que ocorrem. Podem reparar, quando as coisas são boas, foram os protetores.; quando são ruins, foi por maldade dos humanos e dos seres descontentes com a justiça de Deus, que escreve direito sobre linhas tortas.

Prisco, que observava que os pais haviam parado de mastigar para ouvir a moça, aproveitou para propor um brinde:

— Todos vamos erguer as nossas taças e beber à saúde e felicidade de nossa anfitriã moral e espiritual. Janete, que a sua presença entre nós repita o afeto que você demonstra pelos coitadinhos que sofrem. Pelo que pude compreender, você se interessou por me ver para me dar o mesmo apoio que costuma propiciar aos pobres. Eu lhe agradeço e peço, comovido, aos seus guias que nos orientem e estimulem, para que superemos as crises que a tristeza nos produz.

Dona Maria deixava escorrer livremente as lágrimas.

Após tocarem os copos, todos compenetrados pela seriedade do brinde, Janete propôs:

— O vinho está muito gostoso, mas um gole é suficiente. Para finalizar, gostaria de pedir que todos tomassem um ou dois copos de água de coco, porque temos aqui uma pessoa que não pode desidratar-se.; ao contrário, que precisa de componentes minerais para restabelecer o equilíbrio homeostático orgânico.

Na saída, já haviam trocado os endereços e os números dos telefones, prometendo que iriam encontrar-se de novo para porem em dia todas as informações relativas ao progresso da cura moral de Prisco. Desculpa para se verem sozinhos.

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