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Artigos-->Tropa de Elite ou Tropa da Elite? -- 02/03/2009 - 12:06 (Mauro Bartolomeu) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
14/9/2008



A julgar pelo arrojo criativo da mais nova safra do cinema brasileiro, notadamente pela dupla Wagner Moura e Lázaro Ramos, o badalado Tropa de Elite deixou muito a desejar. O filme tem o mérito de denunciar algumas irregularidades de parte da polícia e de não “glamurizar” a criminalidade, mas peca em igual medida por fazê-lo com a “elite da tropa”. Certo, o treinamento dos aspiras pode não ser muito sedutor, mas não deixa dúvida quanto ao seu resultado: possuímos um batalhão melhor que o exército israelense! (Aliás, que mal pergunte, por que o exército de Israel é tão bom? Pelo abuso da violência?) Quanto aos policiais convencionais, têm três opções: a omissão, a corrupção ou a guerra. Mas mesmo os que optam pela segunda alternativa, nunca o fazem por maldade: suas condições de trabalho os levam a isso. A elite, então, que é mostrada como incorruptível, apenas exagera um pouco numa circunstância que era extrema, por conta de uma conjunção de fatores cruciais: um Papa hospedado no centro de uma favela e um capitão que já estava sob forte estresse antes disso.

Mesmo quem não leu o livro pode legitimamente supor que ele faz a mesma defesa ideológica do filme, a julgar pelo trio de que o redigiu (até para escrever agem corporativamente): um major, um capitão reformado da Polícia Militar e um ex-secretário nacional de Segurança.

Interessante a maneira pela qual o filme virou sucesso nacional: não pelo seu conteúdo, mas pelo crime cometido contra ele (como todos sabem, ele foi lançado no mercado informal antes de ir parar nas telas). Isso não o impediu de ser sucesso de bilheteria, mas ainda que o não fosse, o nome de José Padilha estaria de qualquer forma definitivamente lançado no cenário cinematográfico brasileiro, sendo por isso lícito e justo esperar que nos brinde com produções melhores no futuro. Mas, neste caso em particular, só resta lamentar uma produção tão competente para um roteiro tão fraco.

Claro que parte de seu sucesso se deve à violência de algumas cenas, mas nem nesse aspecto ele se compara aos enlatados estadunidenses. O que atrai a molecada é o fato de retratar uma violência mais próxima, e que eles sabem que é bem real. Outro fator do seu sucesso é a polêmica por ele desencadeada, um mérito, aliás, inegável.

Para muitos, Tropa de Elite é um filme fascista. Outros acharam que o BOPE foi mostrado como um grupo terrorista, que amedronta a população marginal e que abusa da força. Essa é geralmente a opinião de quem se posiciona favoravelmente às nossas políticas de segurança pública (é, por exemplo, a opinião do ouvidor da Polícia Militar de São Paulo, Antonio Funari Filho, em entrevista concedida à Superinteressante de Novembro de 2007, disponível nos “extras” do sítio eletrônico da revista). Só alguém muito particularmente sensibilizado pelas denúncias pode pensar dessa forma, afinal é preciso uma dose muito grande de ingenuidade para crer que o referido batalhão seja melhor do que o mostrado no filme, cuja ideologia é nitidamente “pró-Caveira”. Do ponto de vista da Teoria da Narrativa, basta lembrar que o narrador homodiegético é o próprio capitão de um dos destacamentos do BOPE, o que geralmente é índice de um claro posicionamento do autor, uma vez que a perspectiva narrativa destaca o narrador-personagem, conferindo-lhe um status diferenciado. E essa tese se comprova ao longo da obra: o BOPE é chamado para resolver a situação quando a polícia comum não dá conta do recado, seus membros são incorruptíveis, nem o exército de Israel possui soldados tão bem treinados, e a violência utilizada pela corporação é justificada o tempo todo, e mostrada como necessária e inevitável. O próprio Foucault é pisoteado pelo policial ‘intelectual’, com o brilhante argumento de que “tem que reprimir mesmo”. Caricaturalmente, todos se calam, como se ele tivesse dito algo genial.

Afinal, a culpa não é dos policiais, mas da classe média que financia o crime. Essa é a tese central do filme: a de que a culpa da violência é de quem financia o tráfico. A idéia não é nada original, mas o maior pecado dos autores é ela também não ser muito inteligente. Isso não quer dizer que ela esteja errada. É óbvio que o dinheiro que alimenta o tráfico de armas vem do tráfico de drogas. A tese, correta do ponto de vista econômico, falha, contudo, no seu teor político. É preciso perguntar qual seria a solução do problema se a levarmos às suas últimas conseqüências. Bem, se a culpa é do usuário, ele deve ser tratado como um criminoso muito mais perigoso do que aqueles que cometem os assassinatos brutais que tanto chocam os espectadores! Então “tem que reprimir mesmo”!… Mas não creio que alguém com médio QI possa acreditar na possibilidade de pôr fim a essa guerra por meio da repressão policial. Quem defende esse ponto de vista gostaria que o mundo funcionasse de uma maneira que, efetivamente, não corresponde à realidade. É preciso implementar mecanismos sociais mais efetivos que os simplesmente morais para se obter resultados minimamente satisfatórios num problema dessa complexidade.

O próprio ouvidor da Polícia Militar defendeu, na entrevista supracitada, a despenalização do consumo de drogas, para evitar que o usuário seja tratado como bandido. Ora, defender a descriminalização do consumo implica, por uma lógica de mercado, defender a liberalização do comércio, já que o consumo pressupõe a aquisição. Pensemos, como exercício de raciocínio, em termos econômicos: enquanto houver alguém disposto a consumir um produto, haverá alguém disposto a comercializá-lo, dependendo dos seus incentivos. Interferir nessa relação dificilmente poderá impedi-la; o máximo que se pode esperar obter é um desequilíbrio na relação de oferta e procura. Quando os estadunidenses bombardearam o Afeganistão, e com ele seus campos de papoula, apenas conseguiram elevar a cotação da heroína colombiana. E quando instauraram a Lei Seca apenas conseguiram enriquecer alguns contrabandistas de bebidas alcoólicas, dos quais Al Capone é o modelo. A mesma situação se repete no caso das outras drogas: para sermos realistas, a única solução prática é a legalização (e o controle) do seu comércio.

Claro que isso não acabará com o contrabando; o comércio informal é uma conseqüência de outros índices socioeconômicos. Enquanto houver desemprego haverá informalidade. Mas não há como negar que, por uma simples lógica de mercado, o tráfico sofreria um grande golpe com a legalização, pois além da quebra dos monopólios, o aumento da oferta faria baixar os preços e, portanto, diminuiria a margem de lucro dos comerciantes e desestimularia os grandes produtores. A concorrência aumentaria entre os pequenos produtores e os varejistas, pulverizando os lucros. Além disso, é claro, o Estado teria um controle muito mais efetivo sobre esse comércio, desde a sua produção até sua comercialização, podendo exercer um rígido controle de qualidade, muito mais desejável, do ponto de vista da saúde pública, que um policiamento ostensivo. E ainda poderia contar com a renda gerada pelos impostos cobrados sobre essas atividades, que poderia ser destinada a programas preventivos, de tratamento a dependentes e de propaganda antidrogas.

Moro num bairro que há bem poucos anos era considerado um dos mais violentos de Ribeirão Preto. Uma base da Polícia Militar foi instalada nele em decorrência disso, mas a verdade é que a guerra entre as facções do tráfico só cessou após a intervenção do PCC. Essa organização criminosa monopolizou o rentável negócio, unificando os comerciantes de droga sob a égide de uma única facção, que controla a distribuição da droga com uma racionalidade muito maior do que a do “livre mercado”. A exemplo de qualquer grupo terrorista, o PCC sabe que a mera ameaça de morte é muito mais eficiente para controlar as pessoas que um grande número de execuções sumárias. Também sabe que o policiamento prejudica seus negócios, e que, portanto, quanto mais reinar a paz e a ordem, maior a tranqüilidade para praticar seu comércio ilegal, e maiores os lucros auferidos. A isso chama-se “crime organizado”, e sua existência deveria bastar para demonstrar aos cabeças-duras que o crime é muito mais sensível às leis do mercado que à coerção ostensiva das forças policiais. Mas eles preferem se agarrar ao moralismo à trabalhosa tarefa de agir com racionalidade.

Até querem consertar o mundo. Mas talvez não conheçam o princípio baconiano segundo o qual a natureza só se vence obedecendo suas leis. E são eles mesmos que dizem que de boa intenção seu inferno está cheio…



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