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Artigos-->A História do Rock Segundo Glauco Mattoso -- 13/10/2008 - 23:58 (Jayro Luna) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A História do Rock Segundo Glauco Mattoso





A poesia que trata da contracultura e do rock, em especial, tem sido escrita por alguns poetas vindos da chamada Poesia Marginal, principalmente dos anos 70 e 80. As noções de base romântica de liberdade individual, de amor livre, de expressão da emoção e dos sentimentos e de recusa do status quo e do stabilishment fundamentaram idéias de defensores do movimento hippie, da beat generation, enfim da contracultura e do rock. Lembro aqui, no Brasil, de poemas como “Ten Years After” de João Carlos Pádua, com o título dedicado a uma das mais roqueiras bandas dos anos 70, com o guitarrista Alvim Lee como band leader:



“Os insetos voejam no entra e sai pela janela

Já não caço mais

Joguei fora todas as minhas armas

Já não sei mais o que caço

Ten Years After

Já não sei mais o que faço”



Ou do poema de Chacal, “Ginga Genipapo”, que compõe um verdadeiro paideuma de referências do rock, que transcrevo, abaixo, uma das quadras:



“aquele som de fuder

orelhas pra que ti quero

who knows

straight ahead”



Eu mesmo, nos anos 80, escrevi três livrotes inspirados na relação entre rock, contracultura e poesia: Bagg’Ave (1984), Ópium (1985) e Metamorphoses n’Ovídeo (1986), e quando li, por esses dias, os poemas de Glauco Mattoso acerca do rock, achei que precisava me pronunciar, uma vez que tocava num tema tão caro para mim.

Glauco Mattoso em A Letra da Ley (São Paulo, Annablumme/Dix Editoral, 2008) compõe na segunda parte do livro intitulada “História do Rock” um conjunto de 134 sonetos acerca de bandas, cantores e filmes do rock e da contracultura. Partindo de Bill Halley, Perkins, Elvis e passando pelas bandas dos anos 60 (Beatles, Stones, Kinks, Hollies, The Who, etc..) por banda de heavy metal, punk, rockabilly entre outros sub-estilos do rock, citando filmes diversos da contracultura (Laranja Mecânica, Hair, Jesus Cristo Superestar, Easy Rider) e alguns singers com destaque (Rod Stewart, Lou Reed, David Bowie, Cat Stevens, etc...), Mattoso vai nos apresentando não propriamente uma História do Rock no sentido do que um Teodoro Roszak, um Paulo Chacon ou um Roberto Muggiati comporiam, isto é, como se fosse um crítico de rock ou um historiador da contracultura, mas como um fã, um áudio-fã, que ouviu e curtiu um sem-número de discos de vinil, fitas cassette, cds, dvds e assistiu filmes no cinema, na televisão, foi a shows aqui e acolá, enfim essa “História do Rock” de Glauco Mattoso é efetivamente, nesse aspecto, a “História de Glauco Mattoso ouvindo rock”. Por isso mesmo ela tem um caráter mais pessoal do que histórico mais poético lírico do que épico.

Algum fã mais aficcionado deste ou daquele artista, desta ou daquela tendência pode reclamar, discordar, mas é isso mesmo o que provoca toda conversa entre fãs do rock. Uns preferem mais esse àquele, é quase como discutir sobre política ou futebol. Onde está o Thin Lizzy? Por que Glauco não fez um soneto só para o Jimi Hendrix ? E cadê o soneto para o Bod Dylan? E o Bad Company, e o UFO, o Humble Pie, o Spooky Tooth, o Premiata Marconi, o Stooges, o Oásis, Radiohead, Uriah Heep, Kiss, Talking Heads, Van Halen, King Crimson, Scorpions, Focus, Frank Zappa, H.P. Lovecraft ? Pôxa, fazer sobre o H.P Lovecraft daria até um lance intersemiótico com a literatura dos contos góticos....Ora, essas e muitas outras reclamações poderiam ser feitas, mas cada um que se dispusesse a árdua, mas prazerosa tarefa de contar em poesia acerca de suas preferências em termos musicais e, em especial, do rock, não conseguiria evitar reclamações nem agradaria às preferências de gregos e troianos, de judeus e romanos....

E o poeta reconhece essa questão relativa às predileções pessoais de cada fã de rock, podemos perceber isso no soneto dedicado aos Rolling Stones: “Seus fãs dos fãs dos Beatles são rivais, / igual a uma torcida.”

Assim não me deterei nos pontos relativos ao paideuma do rock que Glauco montou, mas sim no modo como ele o faz. Isto sim, me parece mais importante e significativo, uma vez que a “A História do Rock Segundo Glauco Mattoso” é antes de tudo, um conjunto de sonetos, poesia.

As preferências de estilo musical de Glauco Mattoso não estão delineadas apenas pela seleção de grupos e cantores que se dispõe a homenagear com seus sonetos, pois entre os “homenageados” estão também alguns criticados, no sentido de que o poeta não gosta desse ou daquele grupo. Mas por quê então os insere no paideuma? Ora, para um poeta cronista satírico como Glauco Mattoso, seguindo a linha neobarroca com bases em Gregório de Mattos e Bocage na língua portuguesa, é perfeitamente fiável que se diga muitos “nãos” para que se possa entender o “sim”. A crítica mordaz é aqui, no caso, subterfúgio poético para o diálogo com o leitor, para a polemização desconstrutiva, para a inserção do espaço do controverso no cenário aparentemente laudatório.

Desse modo, é que, por exemplo, no “Soneto para o Grupo Black Sabbath” em que aponta o que lhe desagrada nas músicas dessa banda: “O som é lento / sem forças, arrastado” e levanta a hipótese de que a fama de ser uma banda macabra, satânica não seja de todo justa: “Não justifica a fama que Satã / desejaria nela”. No mesmo soneto, aponta que o Deep Purple, pelo ritmo mais veloz de sua batida e pela irreverência mais humorada seria digna dessa fama: “Deep Purple com certeza, essa acelera (...)//Lamento pelo Sabbath”.

Mais duro ainda é o poeta com os partidários ou representantes do movimento “disco”dos anos 80. Em “Soneto da Cacofonia Eletrônica” desfere: “Mecânico, sem vida, isso que embala / as noites de quem dança em nenhum vate.” Para tratar da cacofonia Glauco se utiliza dum artifício de sugerir por explicação, uma onomatopéia. Os sons da música “disco” lembram “a máquina da fábrica que bate / na peça, feito estaca, até torná-la / monótono compasso, sem quilate...”, “que varia / bem menos que um martelo sobre o prego”. Evidentemente, a música disco tem suas bases no próprio rock, porém, tinha uma intenção menos politizada, aliás, nenhuma, e sua textura musical sem qualquer espaço para overdoses de solistas, assim como as letras, não apenas banais, mas também muito repetitivas. Em que se pese o trabalho inovador e original de um Kraftwerk, o som disco foi logo considerado a negação da mensagem do rock.

No “Soneto para o Grupo Bee Gees” acentua sua crítica à discoteca: “Que nada! Foi frustrante: além de brega, / descamba o som do grupo para a ‘disco’, / pior que merda mole, que escorrega...”

Já em “Soneto para o Grupo Village People” se reafirma seu desgosto para com o ritmo disco (“Odeio, já falei, danceteria”), por outro lado ressalta o aspecto satírico do grupo, com seus personagens alegóricos do mundo gay: “mas este pessoal tira tal sarro /do típico machão, que eu me desgarro / a rir, e já libero um lado ‘tia’”

Neste sentido o elemento satírico seria um elemento fundamental para a valorização do rock ou do estilo musical popular para Glauco Mattoso.

A questão do “brega” é outro ponto abordado para a compreensão dessa história do rock. E “Soneto para o Grupo Bread”, Glauco escreve: “Em termos de breguice, o rock enfrenta, / às vezes, saia justa.”

A “breguice” é um elemento para definição da qualidade da banda de rock para Glauco, porém, tal breguice parece ser um fator variável por si mesmo, uma vez que o Bread, apesar da breguice tem alguma coisa que poderia elevar a banda a um patamar de maior consideração na história do rock escrita pelo poeta: “Como alguém / dirá que um David Gates não faz bem / a tal ‘lição de casa’, nos setenta?” Ou seja, existe uma competência no caráter de ser brega que qualifica o som do Bread num sentido positivo.

No “Soneto para o grupo Raspberries” o poeta destaca acerca do brega: “O nome de Eric Carmen normalmente / ao brega associado, foi mais rude / em que assumiu uma atitude / paródica da música ‘pra frente’.” Assim, a paródia passar a ser o aspecto que transforma o que seria em princípio brega, como o anti-brega, ou a desconstrução do brega pelo brega. Neste sentido, talvez eu reclamasse aqui a presença dum soneto para Frank Zappa, mas abstenho-me de querer colocar minhas preferências, já expliquei o porquê.

O termo brega nessa “História do rock” não parece estar diretamente associado ao Kitsch. O “mau gosto” inclusive é um dos aspectos integrantes de várias performances musicais e, nesse ponto, Alice Cooper merece destaque:



“Em vez de melancólico e deprê

que nem um ‘emo’ ou ‘gótico’, ele quer

chocar, exagerando o que puder,

e, mórbido, se expondo a quem o vê.”

(“Soneto para o Grupo do Alice Cooper”)



Esse exagero, a intenção de chocar, inclusive nas cores (“Das cobras ele abusa até no tom / das capas de seus discos: um vermelho, / um verde, um amarelo, outro marrom...”), e por fim, a simulação. O simulacro é aquilo que define a proposta de vários grupos de rock, de tal modo que o satanismo é o simulacro a maldade, da violência, apenas enquanto arte, enquanto mimesis com fins catárticos:



“Necrófilo, simula que lhe dê

vontade de trepar com a mulher

defunta e de posar, quando estiver

ao lado dum satânico bebê.”



A imitação, aliás, é um processo contínuo no rock, num cenário em que pouco se cria e muito se copia. Porém, a cópia deve ser feita com capacidade clássica de algo próximo do termo “Aurea Mediocritas”, isto é, numa intenção de chegar à excelência pela imitação, destacando nesse imitar, aspectos que no original pareçam tênues, exagerando-os, quase ao paródico, ou propriamente a tal ponto, recriando, desconstruindo, reciclando.



“Se todos copiaram e no vento

seguiram, por que, então, tanta contenda

p’ra olhar os ‘micos’ com olhar atento?”

(“Soneto para o Grupo The Monkees”)



Tais imitações quando acabam por ser “melhores” que os originais, nos aspectos que ousam destacar tornam-se criativas, assim é, por exemplo, o que Glauco vê ao falar do Nazareth: “Imita o Dan McCafferty o vocal / o Plant? Ora, e daí?”, ou quando fala do The Gants: “Plagia mesmo o Lennon? Noutra ou numa / canção, talvez, mas segue ele também / algumas outras fontes, e faz bem, / ainda que tal plágio não assuma.” O Plágio é, pois, aqui, um termo válido, no sentido de que plagiar, seja ao mesmo tempo, imitar, homenagear, mas também reciclar. Como ocorre no soneto em que fala do New York Dolls:



“Imitam Rolling Stones, mas já têm

maior proximidade com aquilo

que o punk alastraria como estilo:

total escrotidão, vergonha sem.”



Desse modo, paródia mais que paráfrase, humor, deboche passam a ser elementos em que a ironia se sobressai. A postura irônica é aqui, ponto de apoio fundamental do projeto programático de avaliação de cada grupo levado a cabo por Glauco Mattoso.

Poderíamos aqui citar Linda Hutcheon (“O status ideológico da paródia é paradoxal, pois a paródia pressupõe autoridade e transgressão da mesma, ou como acabamos de ver, repetição e diferença” – HUTCHEON: 1985, p.135), ou ainda, Muecke que diz:



“Estilisticamente falando, a ironia é um dandismo, cujo primeiro objetivo, como nos conta Max Beerbohm, ironista e dândi, é ‘a produção do efeito máximo através dos meios menos extravagantes’. O ironista consumado usará tão poucos sinais quanto puder. Não denunciará os males da inveracidade histórica quando, como Jane Austen, precisa apenas dizer que julga ‘a verdade... muito desculpável historiador’.”

(MUECKE: 1995, p. 73)



Mas prefiro aqui comentar a citação retirada da obra de Abraham Moles, O Kitsch, acerca da música, logo após Moles citar Nietzsche: “Uma determinada música só começa a ter um efeito mágico a partir do momento em que ouvimos nela a linguagem de nosso próprio passado”, então, Moles escreve:



“Parece ser esta exatamente a causa do sucesso da música Kitsch, ou seja, a possibilidade de ouvir por intermédio a linguagem do nosso passado, de nossa familiaridade com o passado, de nosso cotidiano passado. O vetor do reconhecimento constitui aí uma das partes essenciais do prazer, podendo-se chamar Kitsch uma obra musical composta ou realizada de maneira a exigir o apelo máximo à linguagem sonora sócio-cultural já adquirida.” (MOLES: 1974, p. 132)



Esse “apelo máximo” é o que se destaca como exagero em Alice Cooper, New York Dolls, Deep Purple na análise de Glauco Mattoso, e nesse aspecto, a ausência dum soneto para o grupo Kiss, deve ter deixado os mais fãs em completa ira para com o poeta.

Ao “apelo máximo” some-se a questão da performance no palco. O simulacro – já comentado – realiza-se no palco, de forma a construir um conjunto cena-cenário para a música em que os músicos passam a representa um papel, notadamente o cantor. Se um Gênesis da era Peter Gabriel foi assim – embora não Glauco não o coloque no seu paideuma – também o foi Fred Mercury, do Queen, de quem Glauco comenta: “Queria o Freddy Mercury ser tido / e havido, no cenário, como diva.” (“Soneto para o Grupo Queen”), mas para Glauco Mattoso, esse aspecto performático é um tanto quanto secundário, preferindo o poeta o que ele considera de som mais simples e mais objetivo enquanto rock, marcado pela paródia, pela sátira:



“Barulho por barulho, sou simplista:

prefiro um rockabilly sem frescura,

sem palco nem platéia, pose ou pista”

(“Soneto ao Metaleiro”)



Além dessa simplicidade encontrada no rockabilly, é o punk o outro estilo que mais lhe apraz, vendo nele o anarquismo, o “faça você mesmo”, a postura tanto rude quanto satírica:



“Ao som dos progressivos não deu bis.

Não faz nenhum fingido culto ao demo.

Lançou, no estilo ‘faça você mesmo’,

Fanzines tão zoneiros quanto fiz.”

(“Soneto ao Punk”)



Revela-se aqui outro aspecto relativo ao simulacro, pois, ao mesmo tempo em que valoriza esse processo de simulação como artifício irônico e paródico em grupos de rock, principalmente do heavy metal, o poeta considera que no caso do punk e do rockabilly o que se deva levar em conta é a face verdadeira, sem simulação. Não vejamos, porém, aí qualquer contradição. Uma análise da “História do Rock segundo Glauco” no sentido de apreender o modo como essa história é contada. Ou seja, não é uma narração histórica em verso, como se poderia supor pelo título, portanto, não é também diacrônica no sentido de apresentar uma linha do tempo, desde a origem ao tempo presente, muito embora os primeiros poemas tratem de Bill Haley, Elvis, Beatles, o que temos é uma sincronicidade constante, um corte no tempo das três gerações do rock, de modo que se colocam na mesma página um soneto Lynyrd Skynyrd e outro para Arlo Guthrie. Embora os sonetos finais sejam dedicados as bandas de rockabilly, o último é parao U2 e se encontra também nessa parte um soneto para o Cure.

Ora, assim sendo, o simulacro do metaleiro, do glamour performática, é um processo de desenvolvimento do rock, que se inicia com Presley: “Apenas Elvis se revela / famoso de verdade na patota / provinda da Sun Records” (“Soneto para o Grupo do Warren Smith”), e vai se construindo de tal forma que chega-se ao distanciamento entre a realidade do fã e a vida glamurosa do ídolo (“Elvis e Michael Jackson: os dois são / exemplos de que a vida, quando dura, / decai de tal maneira que já não/ importa se é penúria se é fartura” –“Soneto da fama e da maldição”). Assim, o rockabilly e o punk representariam duas possibilidades de desconstrução do simulacro, com vistas à aproximação entre fã e ídolo, tornando o rock, novamente tribal:



“Jaqueta trespassada, seu topete

imenso, a cara lisa: o motoqueiro,

depois de cinco décadas, repete

aquilo que outra gangue fez primeiro...”

(“Soneto para a Juventude Transviada”)



Desse modo, é compreensível que o heavy metal e o rock progressivo tenham para Glauco Mattoso pouco encanto, reconhecendo aqui e ali a importância criativa dum Led Zeppelin, dum Deep Purple, mas desacreditando da validade de um Black Sabbath.



“A banda detonou no rock um ‘boom’

metálico e estilístico: se algum

rockeiro os imitou, imita a nata.”

(“Soneto para o Grupo Led Zeppelin”)



Aliás, a questão da “nata”, do artista que se destaca pela performance técnica é um ponto aparentemente controverso em Glauco Mattoso. Afinal, Glauco em termos de poesia é um bom sonetista, sabe burilar o verso medido e forma fixa do soneto com grande maestria e técnica, mas de certo modo, desconsidera como elemento principal de validade no rock a performance técnica. Objeta que o rock é básico, viral, rouquenho, por isso seu encantamento com o punk e o rockabilly, embora preste homenagens de cunho “formal” ou digamos, diplomático a um Cream, por exemplo:



“Será que tem o rock elite, ou nata,

deveras? Acredita nisso o trio

que junta aquelas ‘feras’. Eu confio

na crença, e não lhes vejo só bravata”





Ao fazer um “Soneto para o Grupo Pink Floyd”, Glauco reafirma sua posição contrária aos experimentos sonoros de caráter progressivo no rock, que para ele, se contrapõem à natureza simples de sua origem, fundada no blues.



“Ah, tenha paciência! Esse’Ummagumma’

é um puta pé no saco!A banda pensa

que minha tolerância é tão imensa

a ponto de que drogas eu consuma?”



O acid rock e o country rock dos anos 60 ganham seu espaço no sentido do quanto podem e puderam servir de referência para bandas de rockabilly. Assim, o Creedence (“Também sou eu fanático por tudo / que o ‘Crídens’ (não ‘Cridênci’) representa / em termos de rockão do mais graúdo...”), a The Band (“A casa cor-de-rosa ainda a tenho / na mente, mas ninguém cobrar me venha / que os curta: acho vocal pouco rouquenho...”) recebem seus sonetos nessa “História do Rock”, mas se ausenta o Greatful Dead do guru Jerry Garcia, marginal, psicodélico. O psicodelismo não é para Glauco uma corrente do rock propriamente dita,mas um componente estilístico que pode se somar às diferentes correntes, mesmo ao punk:



“Que um novo samba a Bossa nos burile

e Astor Piazzolla um tango, está inconteste.

Que sobre os Cramps a dúvida não reste:

Transformam rockabilly em psychobilly.”

(“Soneto para o Grupo The Cramps”)



“O punk é psicodélico? Ora, meu

é claro! Nos sessenta, já existia

a cena alternativa, e essa fatia,

na América, é filão que não morreu.”

(“Soneto para o Grupo Mouse and The Traps”)



As tragédias do rock, os artistas que morreram por overdose de drogas também não escapam ao crivo crítico do poeta (“Rockeiros morrem cedo! Alguém explica? / Nem sempre é pela droga: um acidente, / doenças, suicídios... De repete, / milhões de fãs são órfãos! Uma zica!” (“Soneto Mortal”)

A Utopia da Contracultura (“Não veio a nova era, e hoje na estante / conserva-se o vinil, pois, no chuveiro, / só canto um ‘Long Tall Sally’ que se cante...”), o pacifismo (“Bobagem! Tudo passa, diz o George. / Por mais que a má fornalha o azar nos forje, / ainda acreditamos nós nos mitos”), o movimento hippie (“Mas como todo sonho tem um fim, / a roupa colorida desbotou”) são analisados criticamente por Glauco Mattoso, num momento pós-tudo, mais pessimista que Hebert Marcuse, mas dum pessimismo irônico, paródico, debochado. Nesse cenário algo cinzento de pós-utopia do rock dos anos 60, Glauco se filia como fã ao punk e ao rockabilly, já dissemos que pela simplicidade, pela objetividade musical, mas também pela questão sexual.

A questão do sexo é fundamental na temática da poesia glauquiana, seu fetiche pelos pés – podólatra – aparece em alguns momentos nos sonetos dessa história do rock:



“Prefiro a banda podre, que me ponha

debaixo do coturno, enquanto chupo

na sola seus escarros de maconha...”

(“Soneto Rockeiro - Remixado”)



No “Soneto para John Lennon”, Glauco poeticamente sonha com a planta do pé do beatle:



“Mas teve outra virtude: seu pé, chato

dedão tinha mais curto e, se galã

não chega a ser, sonhei ser seu sapato.”



Aliás, ao compor um soneto para cada um dos beatles, Glauco finaliza os poemas com apreciações dos pés, no caso do soneto que faz para Ringo Starr, escreve:



“Aos outros fãs não sei, mas, para nós,

podólatras, seu pé sabermos basta

que é chato e fede, mesmo o banho após.”



No “Soneto Objetado”, Glauco inverte a situação em que fãs atiram ao palco peças íntimas (“em vez da costumeira langerri”) e imagina a situação em que o cantor é que provoca o poeta-fã:



“Comigo é diferente! Se uma banda

quiser o meu delírio, nem preciso

meu tênis descalçar: antes que expanda



nos ares meu chulé, com um sorriso

o líder tira as meias e me manda

pegá-las com a boca ali no piso!”



No “Soneto Para Um Tema Que Queima A Língua”, Glauco faz referência a uma cena de “Laanja Mecânica” e, a partir dela, se insere no contexto, colocando-se numa atitude podólatra algo sado-masoquista:



“Espero ardentemente, que um mais louco

rockeiro de pezão nada pequeno,

esmague com a bota um berro rouco.”



O cenário do rock é visto por Glauco como dominado pelos homens, e esse domínio masculino vai se compondo entre atitudes machistas e homossexuais. Nesse jogo de sexualidade fálica, a condição da mulher é apresentada com de papel de menor destaque, como se fosse uma intrusa no clube do bolinha. No “Soneto para o Grupo Shocking Blue”, lemos:



“Já fomos todos pegos de surpresa

por ser uma mulher a vocalista

que, como um molecão, a voz despista,

mostrando que não tem garganta presa.”



Talvez, um rockeiro que vai aí pela casa dos quarenta anos, lembra-se além de Mariska Veres, e seu sex appeal de lindas perucas e maquiagem forte, da loirinha de voz agressiva e postura despojada que foi a cantora do Suzi 4. Notemos, o modo como Glauco se refere à voz de Robert Plant:



“O Plant era modelo de qualquer

vocal que um metaleiro timbre imita...



Do Purple ao Nazareth, que nem mulher

Não chegam a cantar, mas a bendita

Vozinha esganiçada era miter”

(“Soneto para o Grupo Led Zeppelin”)



Essas inversões de papéis sexuais, o cantor que tem voz de mulher, a cantora que parece com voz de rapaz, são para Glauco elementos que caracterizam o espaço da liberdade sexual e de expressão, como possibilidades de realização da condição de seres sexualizados, que não colocam como postura o encobrimento de desejos, do jogo da afirmação da personalidade no cenário que costumeiramente tem sido caracterizado como jovem. No “Soneto para o Grupo Bachman-Turner Overdrive”, assim o poeta caracteriza os vocalistas da banda:



“Um deles vozeirão tem de machão.

Tem outro uma vozinha de viado.”



Porém, o espaço feminino é, de fato, menor, com poucas personagens de destaque, no mais das vezes, restando às mulheres a condição de fãs, às vezes, estéricas, correndo atrás de seus ídolos. No “Soneto para Bo Diddley” lemos os versos:



“Machista pra caralho, a mulherada

faz fila pra sair com o rapaz

que agora é MAN, palavra soletrada.”



Entre as poucas cantoras que Glauco homenageia, está Mama Cass, de quem escreve:



“Mulher o meu desejo só provoca

se for varapau ou balofão:

oitenta ou oito; o meio termo não.

Por isso a Mama Cass, morta, me choca.”



O ideal de beleza feminina aqui exposto é o do exagero, ou magérrima ou obesa. oposição ao refinamento dos desejos sexuais e da linguagem. No “Soneto para o Grupo Pretenders” Glauco salienta a questão da bissexualidade:



“Na mosca! Mesmo que ao machão lhe doa

tirar o seu chapéu, resta-lhe a pica,

que a dama finge ter quando outra ‘chica’

aborda, procurando uma patroa.”



Um aspecto que gostaria de destacar ainda acerca da “História do Rock Segundo Glauco Mattoso” é o modo irônico com que ele trabalha a relação do roqueiro brasileiro com a língua inglesa. Por exemplo, no “Soneto Para o Grupo Creedence Clearwater Revival”, nos dois primeiros versos chama a atenção para a pronúncia do nome do vocalista da banda: “John ‘Fóguerti’ (ou ‘Foguérti’ como aqui / ficou sendo John Fogerty)”, e no segundo verso do primeiro terceto, chama a atenção para a pronúncia correta do nome da banda: “que o ‘Crídens’ (não ‘Cridênci’)”. Mas essas observações não tem o tom de crítica acerca da pronúncia popular, mas sim, o sentido de demonstrar ironicamente como ao nível da linguagem, inclusive, existe um processo de aculturação e reciclagem do inglês para o português no Brasil. Assim é que no “Soneto Para o Grupo Nitty Gritty Dirt Band” e em outros poemas, Glauco usa o termo “côver” (com acento circunflexo) num flagrante neologismo. Nesse mesmo soneto, ao final, Glauco usa “desire” incorporando a palavra ao português, tanto pelo eixo sintagmático, quanto pelo paradigmático, este por meio da rima: “Lhes paute / alguém o pé, e musicam meu ‘desire’.” Notemos aí, ainda, a inversão da colocação do pronome oblíquo para forçar a rima com “nocaute” no terceto anterior.

Incorpora Glauco palavras da gíria cotidiana, como “o cara”, “mina”, mas também usa das palavras inglesas usadas no cotidiano do roqueiro brasileiro: “metal”, “dark”, “rockabilly” entre outras. No “Soneto Objetado”, Glauco escreve “langerri”, adotando assim a forma aportuguesada da palavra francesa, numa demonstração da incorporação desse processo da língua portuguesa, que pode causar calafrios nos puristas da gramática e do vernáculo, mas que é um processo rico de desenvolvimento da língua portuguesa.

No “Soneto para o Grupo Slade” escreve o poeta acerca do modo como banda escreve suas letras:



“Cantando um inglês coloquial

a ponto de escreverem tudo errado,

os caras começaram pelo lado

contrário ao do bom senso oficial”



Pois é esse lado “contrário” que Glauco valoriza crítica e criativamente na relação entre língua inglesa – da quase totalidade das bandas de rock citadas – para com a língua portuguesa dos aficcionados do estilo musical no Brasil.

Nos dois primeiros versos de “Soneto Fundamental”, Glauco aponta como essa relação entre a língua inglesa e portuguesa pode ser usada criativamente: “ ‘Revólver’, ou ‘revolver’... Quem vê sentido / ambíguo é o Walter Franco”.







Por fim, destacaremos aqui nesse texto um aspecto que parece importante e rico da poética de Glauco nesse conjunto de sonetos. O poeta, já há vários anos sofrendo de glaucoma, daí seu pseudônimo artístico, e há alguns já cego, descreve não poucas vezes capas de discos. Essas descrições parecem fazer parte da memória visual do poeta, do tempo em que se ouvia os discos de vinil LP – long play, em que os grupos se esmeravam na produção gráfica das capas, não raras vezes, contratando artistas plásticos para composição das mesmas. Outras vezes, capas interativas, como a simplezinha do “The Who By Numbers”, do The Who, que era um jogo de ligar pontos para formar a caricatura dos componentes da banda, ou outros, com encartes diversos, como se fossem livros infantis ou histórias em quadrinhos (Magical Mistery Tour, dos Beatles, por exemplo), com capas duplas com recortes que precisam e ajustar para montar uma figura (Physical Graffiti, do Led Zeppelin ou Some Girls, dos Rolling Stones).

No “Soneto Rockeiro – Remixado”, Glauco avalia sua condição de cego e como essa condição modifica sua relação de apreciador das bandas de rock:



“Agora que estou cego, só me ocupo

curtindo som em meio a muita bronha,

sonhando ser o roadie de algum grupo.”



As memórias visuais das capas dos discos de rock vão aparecendo à medida que Glauco vai falando deste ou daquele grupo e a lembrança da capa e algum disco vem à mente. No “Soneto Contracultural”, existe a referência à capa do disco Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band, dos Beatles: “Na capa estão de farda colorida / e as letras vêm impressas, novidade / até então não vista. Minha idade / ainda juvenil vê verde a vista.” No “Soneto par o Grupo Mungo Jerry” outra memória visual da capa deflagra o poema:



“Imensas costeletas e uma cara

risonha de tarado, é o que aparece

na foto. Com a língua, ele umedece

o lábio, enquanto os dentes escancara.”



No “Soneto para o Grupo Judas Priest”, a referência a mais famosa capa de álbum do grupo:



“A capa da gilete é tão famosa,

que sei de muita gente que a pendura

num quadro, lá no quarto, e até na escura

penumbra brilha a lâmina, fogosa”



Assim, algumas capas de discos de rock iam se tornando verdadeiros objetos de arte da contracultura, assim como alguns cartazes de shows.

No “Soneto para o Grupo Chron Gen”, Glauco comenta que comprou o disco da banda motivado pela capa, arriscando-se ao sentido do ditado “Não se conhece um livro pela capa”, aliás, título de uma das canções da banda de rock dos anos 70, a americana e bem pesada Cactus. Lemos no soneto de Glauco:



“Na capa um moicano tatuado

indica ser o disco duma banda

bem punk. E, pelo jeito, a propaganda

funciona, pois me sinto motivado.”



Esse fascínio pelas capas de disco de vinil acaba se dissipando, tanto pela modificação da mídia: a substituição do bolachão de vinil pelo cd o que reduziu drasticamente o tamanho da capa, e posteriormente, na contemporaneidade, os softwares para busca e download de arquivos musicais, no estilo torrent, de modo que muitos jovens hoje têm as músicas preferidas no pen drive, no Ipod, no celular ou no notebook, dispensando no mais das vezes a chamada capa. Por outro lado, a cegueira em Glauco também se lhe apresenta como um elemento de dificuldade para a apreciação de eventuais trabalhos gráficos e visuais que acompanhem os novos lançamentos. No “Soneto do Saudoso Assobradado”, Glauco nostálgico, passeia no ônibus londrino típico de dois andares, e ante a ameaça de que venham a sair de circulação, o poeta conclui:



“Agora me disseram que abolido

seria o vermelhinho mas duvido

que alguém possa apagá-lo em minha mente...”



Assim, essa persistência da memória tem um caráter muito visual (“o vermelhinho”), como é o caso das capas de discos de vinil. A dança, por sua vez, tem para Glauco um caráter de desafio, uma vez que não é do espírito glauquiano a prática da dança como terapia ou como elemento de expressão corporal do ritmo do rock. Nesse âmbito, no “Soneto Para Uns Passos No Compasso” o poeta escreve:



“Dançar atualmente, só equivale

a todo estilo fazer grossa vista.

Que importa qual o som que nos embale,

Se já não é preciso ser artista?”



A “grossa vista” aqui colocada se contrapõe ao sentido do poeta que não a tem para analisar o estilo, não é por acaso que os verbos do poema estão na terceira pessoa, no imperativo e, por vezes, no infinitivo, pois os outros é que dançam, mas no primeiro terceto como não ver a presença do poeta na cena sadomasoquista pedólatra que desenha:



“Debate-se! Sacuda o corpo! Agite

os braços! Pule! Chute! Não evite

sequer chutar a cara de quem cai!”



Desse modo, a “História do Rock Segundo Glauco” é um ousado e rico exercício de poesia no âmbito da contracultura, não deve o leitor e fã de algum grupo de rock lamentar a falta deste ou daquele artista, o que Glauco Mattoso nos oferece é mais do que suas preferências pessoais acerca de grupos musicais e suas respectivas tendências, nestes sonetos, estão ali os elementos principais e característicos do movimento musical que modificou a percepção acerca do que seja a música, do que seja a arte sendo poetizados, de forma crítica – por vezes apaixonada – mas sempre poética e por isso mesmo, ambígua e purissignificativa.



Referências



HUTCHEON, Linda. Uma Teoria da Paródia. Lisboa, Edições 70, 1985.

MOLES, Abraham. O Kitsch. São Paulo, Perspectiva, col. Debates vol. 68, 1974.

MUECKE, D.C. Ironia e o Irônico. São Paulo, Perspectiva, col. Debates vol. 250 1995.

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