A Tristeza do Centenário da Umbanda em face de sua desunião e do
preconceito entre os Umbandistas.
A importância dos 100 anos da Umbanda vai muito além de Zélio, isso
dentro do meu entendimento.
Fundador ou Institucionalizador?
Eu acredito em Zélio como um institucionalizador de algo que já existia
em termos práticos, ou seja, o trabalho de guias como pretos-velhos,
caboclos etc.
Zélio deu um nome (que já era conhecido dos Bantos e que podemos
encontrar em um dos livros do Artur Ramos como sendo o sacerdote de uma
Macumba aqui no Rio de Janeiro) e uma formatação, intitucionalizando uma
forma de culto, chamando-a de Umbanda ou Alabama ou Aumbandam. Até hoje
não se tem certeza do nome original, mas que acabou ficando como Umbanda.
O que era praticado antes do Caboclo das Sete Encruzilhadas, pelos guias
nos Candomblés de Caboclos, nas Macumbas Cariocas (Omolokô), nas
Juremas, nos Catimbós etc, pode ser considerado como Umbanda?
Se considerarmos o trabalho desses guias, a sua atuação e a sua
essência, podemos dizer que sim. Porém, se considerarmos apenas a forma
pela qual foi definida a institucionalização do culto de Umbanda pelo
Caboclo das Sete Encruzilhadas, na constituição de suas casas, não
podemos considerar como Umbanda qualquer outra forma (lembrando que
Umbanda então, seriam apenas as casas que seguem na íntegra, sem
misturas, o culto introduzido pelo Caboclos das Sete Encruzilhadas;
qulaquer coisa retirada ou acrescida a esse culto, já não pode ser
considerada como Umbanda, vendo o Caboclo das Sete Encruzilhadas como
seu Fundador e idealizador). Se esse contexto for dito como a
verdadeira Umbanda, como a correta (a que foi institucionalizada por
Zélio), ela inviabiliza quaisquer outras formas e práticas, assim como
doutrinas, ritos ou fundamentos que não sejam aqueles formatados por
Zélio e o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Existe Umbanda sem os guias?
Se considerarmos o trabalho precedente ao Caboclo das Sete
Encruzilhadas, como já sendo Umbanda, na atuação de vários guias, ela
simplesmente trilhou vários caminhos (a de Zélio era mais uma, e com a
finalidade de institucionalizar a religião que já era praticada de forma
desordenada), assim como o próprio Cristianismo formou várias crenças,
várias religiões Cristãs pelo mundo.
Hoje, como acontecia nos anos 40 do século XX (na época do Primeiro
Congresso de Espiritismo de Umbanda - até o nome Espiritismo soa
estranho, pois mostra uma dependência de identidade da Umbanda dentro do
Espiritismo, e não dentro dela mesma como uma religião autônoma ou como
um conjunto religioso por si só), existem diversas formas de Umbanda
(ritos, práticas, formas, doutrinas etc) diferentes. Muitas que nem
sabem quem foi Zélio ou o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Que foram
formadas a partir das Macumbas, dos Candomblés, das Juremas, dos
Catimbós etc. As quais os seus guias fundadores nunca, se quer,
souberam ou citaram Zélio e, muito menos, o Caboclo das Sete
Encruzilhadas como sendo fundador ou institucionalizador da Umbanda.
Muitas pessoas hoje em dia souberam de Zelio e, por conseguinte, seus
terreiros, suas casas e até suas entidades, por meio de escritores como
Rubens Saraceni, ou por meio das listas e sites na Internet.
Eu também não encontrei nenhuma referência ao termo Umbanda como
constitutiva de uma forma de religião, nesses meus 22 anos de estudos,
antes de 1908. Porém, encontrei referencias ao trabalho de entidades
como pretos-velhos, caboclos, boiadeiros e até de exus, antes de Zélio.
Então temos que pensar: se retirarmos essas entidades trabalhadoras
teríamos Umbanda? Ou só temos Umbanda porque temos o trabalho
estruturado dessas entidades; seja separadamente ou em grupo?
Então para mim, como para outros pesquisadores, como Renato Ortiz, José
Guilherme Cantor Magnani, Diana Brown, Yvonne Maggie e tantos outros, a
representatividade daquilo que se chama Umbanda, não é dada pela
anunciação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, mas por algo que já
existia antes dele, e que por ele foi institucionalizada, dado um nome e
colocamdo como sendo uma religião de negros e indios, de excluídos,
digamos assim. Formas e essencias que se juntaram e foram se
aglutinando ao longo do tempo, formando o que conhecemos hoje como
Umbanda ou como um conjunto religioso chamado Umbanda.
Acredito eu que o mais importante hoje não é saber quem têm ou quem não
têm a verdadeira Umbanda (ou se apenas aqueles que seguem o Caboclo das
Sete Encruzilhadas são Umbanda - Mas tem que ser seguidor na íntegra e
sem misturas ou adaptações, porque se isso ocorre já descarecterizou o
que foi por ele colocado), mas sim todos nós, independente da forma,
prática, doutrina e fundamentos (se veio ou não de Zélio, ou se nunca
escutou quem ele foi), todos nós termos respeito e nos enxergamos como
Umbandistas.
No passado e hoje em dia, continuamos errando e batendo na mesma tecla
dogmática (e dizem que Umbanda não tem dogmas) da verdadeira Umbanda.
Que a verdadeira Umbanda é assim, que ela é assada; que a verdadeira
Umbanda é a de Zélio ou de A, ou de B, ou C ... E, pela lógica, se só
existe uma proposição correta, as outras, por conseqüência, estarão
erradas. Assim, se a Umbanda preconizada por Zélio é a verdadeira e a
que tem que ser seguida, as outras estão erradas: não são Umbanda.
Muita gente ainda vê a Umbanda por essa lógica simplista e, se os demais
não seguem a Umbanda preconizada por Zélio, a Umbanda Branca e
verdadeira, então não estão fazendo Umbanda. Mas quem hoje em dia (como
nos idos de 41) faz essa Umbanda? Nem nas casas institucionalizadas pelo
caboclo das sete encruzilhadas se faz a mesma forma de Umbanda, ou
fazem? (pode atabaque, tem o título ou a função de Ogã, pode beber, pode
fumar, se trabalha com exu, boiadeiro, marinheiro, baiano, corta-se
porco, não se pode cortar ...).
Eu acredito que temos que mudar o foco das verdades, da exclusão
(exclusão essa que foi a espinha dorsal do mito da anunciação do caboclo
das sete encruzilhadas, na federação Espírita de Niterói) das Umbandas.
Temos que partir para a inclusão e não para exclusão; nos vendo como um
todo, um conjunto diverso e plural que é a Religião de Umbanda em todas
as suas vertentes.
Enquanto os Umbandistas não se aceitarem como tais; enquanto houver
discriminação intra-religiosa e super-valorização de algumas doutrinas
como sendo Umbanda e de outras como não sendo Umbanda, nunca iremos nos
unir de fato. Esse foi nosso erro do passado e continua sendo nosso
erro de hoje.
A Umbanda, há muito tempo, já se tornou Ecumênica (um conjunto religioso
diverso e plural), mas parece que a soberba e o dogmatismo de ser ou
estar acima do outro, de ter a verdadeira verdade ou de se deixar
acreditar que se tem a verdadeira verdade, está destruindo uma esperança
de união.
Na época em que Zélio incorporou o caboclo e ele institucionalizou uma
forma de culto, aquilo alí era contextual e necessário naquela época,
naquele momento histórico. Hoje existem várias formas de doutrina
dentro da Umbanda e é essa a nossa realidade de hoje.
Devemos lembrar também, que na época inicial do caboclo das sete
encruzilhadas, ter a doutrina espírita como referência era a doutrina
que se espelhava a Umbanda por ele preconizada. Só que as coisas
mudaram e a religião se transformou, se modificou, evoluiu em diferentes
partes, se fundindo e assumindo outras formas, e manifestou outras
doutrinas (vide os diversos livros tidos como "doutrinas Umbandistas"
que, por vezes, são discriminatórios entre sí ou cada um fala a sua
própria verdade como sendo o todo da Umbanda; há casos até, em que são
obras psicografadas, manifestando uma legitimidade do Astral Superior
como uma codificação geral, para toda a religião).
Se não entendermos as modificações acontecidas na Umbanda ao longo
desses 100 anos (essas transformações, essa evolução), nunca
conseguiremos nos ver como um todo, nos respeitar como um todo, nos
aceitar como parte desse todo que mudou e evoluiu: plural e diversificado.
Se o próprio Cristianismo se modificou, se transformou, se ramificou em
diversas crenças, em várias religiões Cristãs diferentes, porque seria
diferente com a Umbanda?
A Umbanda é uma religião ecumênica, diversa e plural. E só iremos
alcançar uma união de fato e de direito quando todos nós nos enxergarmos
como membros dessa diversidade e dessa pluralidade; num ecumenismo sem
fronteiras para a espiritualidade.
Um contexto religioso onde não há Papas, Potestades com a única e
verdadeira verdade, onde não há uma única doutrina codificada, mas
diversas doutrinas irmãs e correlatas dentro de princípios básicos de
caridade, amor ao próximo, paz, evolução e fraternidade.
É assim que vejo a Umbanda em seu todo e espero que um dia possamos nos
unir, nos despindo do fantasma do dogmatismo, da exclusão e do preconceito.
Que tenhamos mais 100 anos de vida, mas com uma união ecumênica e
fraterna, real e transparente.
Sem preconceitos de que isso não é Umbanda, você não pode ser Umbanda, a
Umbanda só pode ser isso ou aquilo. Afinal, a Umbanda não tem donos,
muito menos, um terreiro, centro ou tenda que possa dizer, com plenitude
e firmeza, que pratica a verdadeira Umbanda em toda a sua abrangência.
Até porque, quem faz ou o que é a verdadeira Umbanda?
Que possamos ter 100 anos de respeito entre nós, buscando uma União e
sem preconceitos, mágoas, ofensas, humilhações ... 100 anos de
valorização de todos os Umbandistas, respeitando um ao outro como irmãos
de Umbanda (independente das formas e doutrinas), em uma cultura de
alteridade e fraternidade.
Um abraço a todos,
Etiene Sales - GhostMaster
Administrador, Sacerdote Umbandista, Pós-graduado em Ciências da Religião |