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Erotico-->50. O CASAMENTO -- 21/10/2002 - 07:38 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O dinheiro vence qualquer obstáculo. Na expressão popular, ele não traz a felicidade: manda buscar. E assim sucedeu ao casal do Carmo e Leandro. Um duplex surgiu da noite para o dia e, em uma semana, estava totalmente decorado, segundo o gosto da moça. Leandro queria um local à parte, onde pudesse trabalhar sossegado, em contato direto com os subordinados. Gouveia providenciou uma sala ampla, acusticamente resguardada, com terminal de computador ligado ao centro de operações.

As instruções do velho foram claras:

— Leandro, tu vais casar-te com minha neta. Mas a tua presença perante mim não adquirirá nuanças de parentesco. Continuarás subalterno na linha da organização, executando as mesmas tarefas. Se, acaso, alimentas pretensões de evolução, podes esquecer. O quadro está completo e o teu casamento, de fato, só fez retardar o teu progresso, já que necessitas provar que não te afetarás com as novas responsabilidades. Isto inclui o segredo absoluto das atividades à tua futura esposa. Devo esclarecer-te que pensei na possibilidade de afastar-te dos trabalhos que vens desempenhando, para te destinar emprego na gerência dos supermercados. Contudo, fui alertado para tua excelente atuação, não havendo, no momento, quem te possa substituir. Continuarás recebendo o pessoal do morro, dando assessoria aos chefes locais. E terás de providenciar que as entregas se dêem sem problemas, dos tóxicos e das armas. Como sempre, cinco por cento deve ser deixado na mão dos policiais. Isto não deve ser mudado. É preciso que impressionem a população através dos jornalistas. Podes considerar estas palavras como o meu presente de casamento. Oficialmente, dirás a do Carmo que a dívida foi transformada em doação. O apartamento e tudo que nele se contém ficará em nome dela, de modo que, em caso de separação, nada levarás. Alguma questão?

Leandro fizera sinal de que estava agradecido, admirando intimamente a lucidez com que o velho descrevera o quadro. Compreendia que a vida não sofreria alteração, tão-só mudando o endereço de residência de ambos e o local dos encontros amorosos.

Na presença do juiz de paz e do sacerdote católico, repetiram o “sim” do comprometimento mútuo e se deram por felizes quando deixaram a suntuosa festa para a lua-de-mel, em ilhas caribenhas.



Três dias depois, recebia Leandro intimação de Gouveia para que comparecesse ao posto de trabalho: havia rebelião armada no morro, tendo-se unido dois dos chefes, para abocanhar os setores dos demais. Corria muito sangue e a polícia se aproveitava para achacar os presos, libertando-os por verdadeiras fortunas. Era preciso pôr fim à contenda e isso era função dele. Com a ameaça de corte do fornecimento de drogas e de armas, concordaram em reunir-se para deliberar sobre o novo mapeamento das zonas de influenciação de cada um. Viesse em vinte e quatro horas.

— Do Carmo, vou regressar ao Rio para coordenar a construção da boate.

— Não deixaste tudo em ordem?

— Deixei, mas parece que o empreiteiro sumiu, levando todo o material que pôde. A polícia está me requisitando, para registro de queixa e relação de tudo o que o malandro levou.

— Meu pai ou meu avô não podem assumir essa responsabilidade?

— Vão poder, assim que eu lhes passar a devida procuração. Vou fretar um jatinho e hoje mesmo estarei no Rio. Amanhã acerto tudo e, antes que anoiteça, estou de volta. Gostaria que ficasses fazendo compras.

— Acho que desejas te livrar da parte mais maçante.

— É por aí. Mas o cachorro que me enganou vai me pagar...

— Nada que tiver levado será muito importante. O dinheiro do meu avô está intacto. Ou não?

— Claro que está!

— Então, vamos nos despedir em grande estilo. Só não estou gostando de que te vejam no Rio, como se estivesses fugindo de mim. Nada de te apresentares para a imprensa nem para as primas...

— A viagem será estritamente para tratar de negócios.



Quando Leandro chegava ao Rio, do Carmo fazia duas horas que estava a bordo de outra aeronave.

“Esse miserável pensa que me engana. Onde se viu vir em viagem de núpcias com guarda-costas. Será que pensa que sou tão tonta assim? Para que servem os capangas aqui? Que medo terá de sofrer algum atentado? O pior é que um deles pertence à segurança de meu avô. Simples comerciante não pode se sentir tão ameaçado. Desta vez vou resolver o caso da metralhadora.”

No aeroporto, constatou que ludibriara a vigilância dos dois homens que haviam ficado com ela. Havia arquitetado o seu plano. O primeiro passo era desmascarar a mentira do roubo. Para tanto, alugou um carro e se dirigiu ao restaurante. Eram quase cinco da tarde, quando os empregados largam o serviço. Lá chegando, surpreendeu a pessoa acusada em plena atividade. Nada indicava que tivesse havido interrupção das obras. Mesmo assim, quis obter total certeza de que as impressões estavam corretas.

— Leandro passou por aqui?

— Não, madame.

— Não veio meu avô ou meu pai?

— Não. Ninguém veio fiscalizar o serviço hoje.

— E como estão as obras?

— Estamos tocando dentro do cronograma. Aliás, o tempo tem ajudado e nos adiantamos um pouco. Veja que a cobertura está quase concluída.

— O engenheiro está por aí?

— Saiu não faz meia hora. A senhora poderá encontrá-lo no escritório, para onde vai sempre.

— Obrigada.

Adquirida a certeza da mentira, precisava de confirmação. Não estava com o celular. Foi até o restaurante, para surpresa do “maître”, e de lá ligou para o engenheiro. Com ele teve breve conversa. De fato, nada ocorrera na obra que justificasse a vinda do proprietário. Entrementes, sua presença no restaurante foi transmitida para a família.

Tendo sido alertado, Leandro se viu na necessidade de inventar outra desculpa. Precisava dar cabo da missão e não podia deixar do Carmo suspeitar de mais nada. Admirou-se de que a moça estivesse tão próxima de colocá-lo em cheque. Vestiu-se para subir o morro. Chamou os capangas e pediu-lhes para informar aos rebelados e aos demais que estava subindo duas horas antes. Achou que a antecipação poderia dar a idéia de estratagema de segurança. Assim, com o dia ainda claro, chegava ao ponto da reunião, sendo o primeiro dentre os que iriam discutir. O ambiente, contudo, estava coalhado de seguranças de todos os líderes, fortemente armados. Não se intimidou. Se lhe vissem o rosto debaixo do capuz, saberiam que não estava perturbado.



A reunião foi longa, cansativa e perigosa. Leandro não compartilhava do espírito de justiça de cada um. Havia os que diziam que tinham perdido parentes.; outros reclamavam de que seus pontos tinham sido ocupados.; a maioria se queixava de que a ganância dos dois rebelados tinha feito que todos perdessem muito.

— Como representante da organização, devo dizer a todos que, se não acharem um meio de restabelecer a paz, não receberão um grama de cocaína e nem uma só “bereta”. Se estão pensando em se proverem por meios próprios, o tráfico no exterior receberá o relatório das dissidências e dos problemas. Muito sangue irá correr. Vocês é que sabem quais são os vossos deveres. O meu está em fazer que entendam que as guerras entre as gangues só oferecem perdas. Houve um tempo, para quem não sabe, em que algumas quadrilhas conseguiam dizimar os adversários e instalar-se no domínio deles. Mas isso é coisa do passado. Por isso, eu peço que cada grupo reúna a chefia para decidir se os que estão no comando merecem a confiança dos demais ou se não está na hora de substituir.

Era a convocação clara da eliminação dos dois insurrectos. Era o teste de sua liderança. Um deles percebeu a manobra e interrompeu o discurso:

— Por mim, eu só quis ganhar o mesmo que os outros. A minha região está sendo atacada pela polícia...

— É mentira! — gritou um dos agredidos. — Os meganhas só avançaram para recolher os corpos dos nossos, porque os deles eles levaram, para não serem identificados.

Leandro voltou a impor ordem, disparando ostensivamente uma rajada de metralhadora para o alto.

— Esses problemas não são os meus. O que eu vim saber é se vão continuar a guerra ou se vão entrar em acordo. Os chefes da organização estão cobrando isso de mim, para resolverem o que fazer. Se for guerra, saem de cena. Se for paz, vão continuar negociando. O morro decide.

Na mente dos traficantes, a organização possuía poder sobre-humano. Tinham visto desaparecer muitos dos chefes, naquela época citada pelo mediador. Sabiam que havia infiltrados mas não conseguiam reconhecê-los. Alguns policiais que intentavam o mesmo sistema acabavam fuzilados. Por isso, não poderiam dar prejuízo para quem os ameaçava de extermínio.

Leandro viu as horas. Estava ficando tarde para o que pretendia fazer. Deu um ultimato:

— Vou esperar cinco minutos do lado de fora. Se não me chamarem durante esse prazo, desço o morro e as decisões vão ficar adiadas.

Lá fora, ouvia o vozerio das discussões. Houve tiros e gritaria. Ninguém, no entanto, saiu do galpão. Não tinham passado quatro minutos, foi chamado.

— Vejo que criaram juízo. Quem morreu?

Perguntou por perguntar.; sabia que os dois chefes revoltosos haviam sido mortos pelos subalternos.

— Quem irá falar por todos?

Apresentou-se um dos executores:

— Ofereci a todos a solução de se manterem os limites antigos. Quanto aos prejuízos, cada grupo deve relacionar o que julgam que perderam. Dentro de três dias, voltaremos a nos reunir...

— Sem a minha presença...

— Claro! E iremos acertar a forma dos pagamentos. Moeda por moeda.; cabeça por cabeça.

— Então, acrescentou Leandro, dentro de dez dias voltaremos a negociar, se, até lá, as coisas andarem de acordo.

Sabia ele que as reservas de drogas dariam para sete ou oito dias. Não era à toa que mantinha toda a escrituração atualizada e computadorizada.



Uma vez livre do compromisso, retornou ao aeroporto, de onde partiu diretamente para o Caribe. Se do Carmo estivesse lá, deveria ficar surpresa com regresso tão pronto.

Pela manhã, denunciava o desaparecimento da esposa à família. Do Carmo, realmente, ficou estupefacta com o telegrama. Lourenço se aprestou para avisar que ela retornaria imediatamente.

— Não vou!

— Vais, sim!

— Ele mentiu para mim.

— Mentiram para ele.

— Ele nem veio até as obras.

— Deve ter entrado em contato com o advogado.

— Por que não fez isso por telefone, de lá mesmo?

— Isso quem poderá explicar é ele.

— Pois que venha explicar aqui mesmo.

— E se nem saiu de lá e voltou para o hotel do aeroporto?

— E eu fui tola de não ter confirmado qual empresa o trouxe?

— Então, vai ver que retornou do meio do caminho.

Do Carmo, queria ficar, mas o pai estava inflexível:

— Três dias de casada e desconfias de que o teu marido tenha aventuras em plena lua-de-mel! Estás destruindo esse relacionamento. Se ele está onde pediu que ficasses, terá razão para se decepcionar.

A mãe estava presente, mas não abria a boca. Sempre fizera esse papel de muda. Só falaria, se o marido deixasse a arena. E este não estava disposto a permitir que a filha prevalecesse sobre a sua vontade.

— Vamos, querida, o avião está à tua espera!

Do Carmo não tinha outros argumentos. Poderia expor o problema que desejava resolver, mas não na presença da mãe. Teve de adiar mais um pouco a solução do mistério. Ao abraçar a progenitora, esta lhe sussurrou:

— Cala a boca e vai-te embora!

A frase era uma promessa de esclarecimentos posteriores.



Leandro estava a esperá-la no aeroporto. Ambos haviam preparado os seus discursos, mas nada disseram até que estivessem trancados no quarto. As acusações foram mútuas e terríveis. Ambos se fizeram de vítimas. Mas não houve lágrimas. Enfim, concordaram que estavam desempenhando papéis ridículos. Não haviam casado para usufruto das sensações físicas? Por que esse desespero todo em relação ao domínio da vontade do outro? Selaram com beijos as promessas de melhor comportamento. Ficaram com o pé atrás, quanto ao futuro. Enfim, tal como no morro, tinham estoque de afetos e carícias para mais dez dias. Em casa, as conversas poderiam trazer à baila os temas por hora suspensos.

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