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Artigos-->MACHADO DE ASSIS - UMA CARTA DE AMOR -- 01/10/2008 - 00:26 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
I - UM TEXTO DE MACHADO DE ASSIS - UMA CARTA DE AMOR



Comemorando os 100 anos do passamento de Machado de Assis



CARTA DE MACHADO DE ASSIS A CAROLINA NOVAIS [RJ, 2 mar. 1868/9]



Minha querida C. / Recebi ontem duas cartas tuas, depois de dous dias de espera. Calcula o prazer que tive, como as li, reli e beijei! A m.ª tristeza em converteu se em súbita alegria. Eu estava tão aflito por ter notícias tuas que saí do Diário a 1 hora para ir à casa e com efeito encontrei as duas cartas, uma da quais devera ter vindo antes, mas que, sem dúvida, por causa do correio, foi demorada. Também ontem deves ter recebido duas cartas minhas; uma delas, a que foi escrita no sábado, levei-a no domingo às 8 horas ao correio, sem lembrar-me (perdoa-me!) que ao domingo a barca sai às 6 horas da manhã. Às quatro horas levei a outra carta e ambas devem ter seguido ontem na barca das duas horas da tarde. Deste modo, não fui eu só quem sofreu com demora de cartas. Calculo a tua aflição pela minha, e estou que será a última. / Eu já tinha ouvido cá que o M. alugara a casa das Laranjeiras, mas o que não sabia era que se projetava essa viagem a Juiz de Fora. Creio, como tu, que os ares não fazem nada ao F.; mas compreendo também que não é possível dar simplesmente essa razão. No entanto, lembras perfeitamente que a mudança para outra casa cá no Rio seria excelente para todos nós. O F. falou-me nisso uma vez e é quanto basta para que se trate disto. A casa há de encontrar-se, porque empenha-se nisto o meu coração. Creio, porém, que é melhor conversar outra vez com o F. no sábado e ser autorizado positivamente por ele. Ainda assim, temos tempo de sobra: 23 dias; é quanto basta para que o amor faça um milagre, quanto mais isto que não é milagre nenhum. / Vais dizer naturalmente que eu condescendo sempre contigo. Por que não? Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida. Não te admires, é cousa muito natural; és tão dócil como eu; a razão fala em nós ambos. Pedes-me cousas tão justas, que eu nem teria pretexto de te recusar se quisesse recusar-te alguma cousa, e não quero. / A mudança de Petrópolis para cá é uma necessidade; os ares não fazem bem ao F., e a casa aí é um verdadeiro perigo para quem lá mora. Se estivesses cá não terias tanto medo dos trovões, tu que ainda não estás bem brasileira, mas que o hás de ser espero em Deus. / Acusas-me de Pouco, confiante em ti? Tens e não tens razão; confiante sou; mas, se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do coração, resumem-se em dous capítulos: um amor, não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo; fui eu o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não Prolongam sem sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com Os seus conselhos, a rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem remorso. Eis tudo. / A tua pergunta natural é esta: Qual destes dous Capítulos era o da Corina? Curiosa! Era o primeiro. O que te afirmo é que dos dois o mais amado foi o segundo. / Mas nem o primeiro nem o segundo se parecem nada corri o terceiro e último capítulo do meu coração. Diz a Stãel que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. Assim é comigo; mas, além dessas, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa razão tão reta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar. Como te não amaria eu ? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É a ambição dizer à tua grande alma desanimada: "levanta-te, crê e ama; aqui está uma alma que te compreende e te ama também". / A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, estou que saberei desempenhar este agradável encargo. / Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da M.a felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz? / Obrigado pela que me mandaste; dei-lhe dous beijos como se fosse em ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma. / Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom conosco. / Volto à questão da casa; manda-me dizer se aprovas o que te disse acima, isto é, se achas melhor conversar outra vez com o F. e ficar autorizado por ele, a fim de não parece ao M. que eu tomo uma intervenção incompetente nos negócios de sua família. Por ora, precisamos de todas estas precauções. Depois... depois, querida, queimaremos o mundo, por que só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambicões estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro por ti. Escreve-me e crê no coração do teu / MACHADINHO.



II - MACHADO DE ASSIS NUMA INTIMIDADE DESNUDADA - COMENTÁRIO DE JOÃO FERREIRA



A carta reproduzida acima foi escrita por Machado de Assis a Carolina Novais, sua namorada, no dia 2 de março de 1868/9. O texto encontra-se em Obra completa de Machado de Assis, volume III, Rio de Janeiro:Editora Nova Aguilar, 1994.

2.1. Machado era nessa altura um jovem romântico de 29 anos. Sua manifestação carinhosa mostra ao natural a linguagem espontânea do amor apaixonado e maduro.

Ao dizer à namorada que recebeu suas duas cartas e que teve muito prazer em recebê-las, em lê-las, em relê-las e beijá-las, dá-nos o testemunho sentimental de que seu coração estava decididamente fixado em Carolina Novais.

Outro detalhe de sua romântica paixão expressa bem explícita nesta carta é quando afirma que sofreu com a demora das cartas. Em seguida, envolvido na preocupação de arranjar uma casa para morar após o casamento, confessa que ainda há 23 dias e que esses 23 dias "é quanto basta para que o amor faça o milagre"...

2.2. Com muita habilidade mostra condescendência para com Carolina e reconhece a força amorosa que Carolina tem sobre ele: "Sofreste tanto que até parece que perdeste a consciência do teu império. Estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida. Não te admires, é coisa muito natural. És tão dócil como eu. A razão fala em nós ambos. Pedes-me coisas tão justas que eu nem teria pretexto de te recusar se quisesse recusar-te alguma coisa e não quero".

2.3. Em seguida defende-se da acusação de Carolina de que ele não tem confiança na namorada por não lhe contar seus casos amorosos anteriores. "Confiante sou", responde. "Mas se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do coração resume-se em dois capítulos: um amor não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro, nada tenho que dizer; do outro não me queixo; fui eu o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso. Há situações que se não prolongam sem sofrimento."

2.4. Citando Madame de Stael diz que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. E contrastivamente passa a falar do amor de Carolina: "Tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido".

2.5 E logo passa a tecer as qualidades de sua namorada: "Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo"! E dá a Carolina um elogio extremo: "Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar". Aproveita e pergunta: "Como não te amaria eu"? Valoriza a história de vida e a capacidade de sofrer de Carolina.

2.6. Machado passa a ponderar sobre a responsabilidade que tem de fazê-la feliz - responsabilidade que diz aceitar com alegria: "estou que saberei desempenhar este agradável encargo". "Olha, querida", diz: "também eu tenho pressentimento da minha felicidade".

2.7. Agradece a carta recebida: "dei-lhe dois beijos como se fosse em ti mesma".

2.8. E como se fosse um jovem namorado igual aos nossos jovens de hoje, ele também espera ansioso pelo sábado que é o dia em que vai visitar Carolina: "Sábado é o dia da minha ida. Faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso. Não afrontemos o destino que é tão bom conosco"!

Para finalizar a carta, Machado comporta-se como um apaixonado de verdade: "Amamo-nos. E eu vivo e morro por ti. Escreve-me e crê no coração do teu Machadinho."



João Ferreira

Brasília, 1 de outubro de 2008

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