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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->O Príncipe das Trevas -- 10/05/2001 - 18:20 (Vanessa Mazza Furquim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


1- EXT. CAMPOS DO PAÍS DE GALES/ MANHÃ

A cena começa com UM FALCÃO cruzando os ares, planando ora sobre as águas de um lago, ora volteando entre as árvores de uma densa floresta. SEUS OLHOS são detalhados, impassíveis. Campos e mais campos são vistos de cima até que vemos um rio que desemboca no mar e, ao redor dele uma pequena cidade medieval. Ao centro dela há um palácio fortificado. Uma legenda aparece. Está escrito: “PAÍS DE GALES. BRETANHA MAIOR. 453 D.C”. O falcão dá mais volteios pelo ar. À distância, na estrada, uma tropa de cavaleiros se aproxima à galope em direção aos portões principais. CAMLACH, que é o chefe deles, é visto de perto montado em seu cavalo negro, vestido também com a mesma cor. O falcão passa rasante por ele e continua voando se aproximando cada vez mais de uma das janelas nas paredes laterais do palácio. Subitamente ele a invade.

2 - INT. APOSENTO DAS MULHERES / MANHÃ

O FALCÃO entra pela janela e pousa sobre um poleiro. Ele olha para os presentes na sua mesma atitude impenetrável. NINIANE está ao lado da janela fiando em um tear. MERLIN está sentado ao seu lado no chão, brincando de bater uma mão na outra. O sol que entra pela janela brilha nos mosaicos rachados no chão. ALGUMAS MULHERES são vistas conversando em voz baixa, movimentando fusos em um canto do longo aposento. MORAVIK sentada em uma banqueta dorme a sono solto. Logo após a entrada do falcão, o barulho de cascos no chão e gritos são ouvidos. Niniane pára de fiar e as mulheres ficam mudas. Moravik acorda bufando, de olhar fixo.

VOZ DO REI
(rindo às gargalhadas)
Ah, você não mudou nada, meu filho!

VOZ DE CAMLACH
(replicando indiferente)
Claro que mudei. Estou mais alto agora e mais velho
também.

Novo acesso de riso do rei. Enquanto escutam as vozes há um momento de tensão entre Niniane e Moravik. Ambas se olham silenciosamente e jogam olhares preocupados sobre Merlin que continua brincando distraidamente.

MORAVIK
Merlin, Merlin, venha cá.
O menino se levanta e fica em pé na sua frente. Ele lhe abre um sorriso.
A cortina da porta então é puxada para um lado e o REI e CAMLACH entram. Niniane levanta-se, mas os olhos dos visitantes estão fixos em Merlin.

O REI
(com um movimento de cabeça)
Saiam! Você também Moravik.

Todas as mulheres presentes saem apressadas do aposento. Moravik hesita durante um instante lançando um olhar de desafio ao rei, mas ao receber o olhar de volta, desiste se retirando. Ele então volta sua atenção para o menino.

O REI
Aí está. O bastardo de sua irmã. Vai completar seis
anos este mês. E não parece nada com nossa gente.
Olhe para ele! Cabelos pretos, olhos pretos... é
mesmo a cria de um demônio!

Merlin é novamente mostrado, enquanto o avô o descreve. Sua expressão é calma, não parecendo se intimidar com suas palavras.

CAMLACH
(dirigindo-se para Niniane)
De quem é?

O REI
Acha que não perguntamos, tolo? Ela foi chicoteada
até as mulheres dizerem que abortaria, mas não
arrancamos uma palavra. Talvez fosse melhor que
tivesse abortado, porque dizem...bobagem de mulheres
velhas...que os demônios se deitam com as donzelas,
quando escurece. Pela aparência deste aí, até pode
ser verdade.

Camlach observava o menino por um instante pensativamente. Niniane permanece imóvel e silenciosa. O rei respira fortemente, com raiva.

CAMLACH
Venha cá.

O menino caminha alguns passos em sua direção, mas hesita parando.

CAMLACH
Como se chama?

MERLIN
Myrddin Emrys.

CAMLACH
(gentilmente)
Emrys? Filho da luz, protegido dos deuses...? Não parece
o nome apropriado para uma cria do demônio.

MERLIN
Também me chamam de Merlin. O nome de um tipo
de falcão, como aquele que está perto da janela.

O falcão novamente é mostrado quieto em seu poleiro.

O REI
(com desprezo sacudindo os braceletes)
Falcão!

MERLIN
(defensivamente)
Um falcão pequeno.

Enquanto isso Camlach continua observando-o pensativo. Coça o queixo e olha para Niniane, erguendo as sobrancelhas.

CAMLACH
Nomes estranhos, todos eles, para uma família
cristã. Foi um demônio romano, Niniane?

NINIANE
(erguendo o queixo)
Talvez. Como vou saber? Estava escuro.

Camlach e Niniane se entreolham e um brilho de humor passa pelos olhos do irmão, rapidamente disfarçado.

O REI
Está vendo? Só mentiras, histórias de bruxaria,
insolências! Volte para o trabalho, moça, e mantenha
seu bastardo longe de mim! Camlach, espero que
você veja a necessidade de arranjar uma esposa e
ter um filho ou dois, pois esta é minha última
esperança. Estou velho e atravessando tempos
difíceis. Quanto a esse menino...Esqueça-o . Se
quem o gerou não se apresentou em seis anos, não
irá aparecer agora. Nem o próprio Vortigern, o Grande
Rei, se fosse o pai, conseguiria transformá-lo em
algo que preste. Um fedelho que vive amuado pelos
cantos! Nem brinca com os outros meninos,
por covardia, provavelmente. Tem medo até da
própria sombra.

O rei sai do aposento rodopiando sua capa ainda falando. Niniane solta um suspiro aliviado e senta-se. Camlach continua no mesmo lugar e sorri para o menino, convidando-o para se aproximar.

CAMLACH
Venha Merlin, conversar comigo enquanto me
banho. Nós, príncipes, precisamos nos conhecer
melhor.

Depois de um momento de hesitação e após olhar sua mãe, que permanecia sentada, olhou novamente para o tio e correu para ele alegremente.

3 - EXT. PÁTIO DO PALÁCIO / NOITE

Uma forma esbelta é vista correndo no pátio. Todo o ambiente é apenas iluminado pela luz da lua. Esta aparece entre as nuvens, refletindo-se nas águas límpidas do riacho que passa ao lado da fortificação e que pode ser visto, pois os muros estão em ruínas. MERLIN é visto correndo cautelosamente. Ele passa entre antigas construções arruinadas, dependências abandonadas até chegar na casa de banhos.

4 - EXT. CASA DE BANHOS/ NOITE

Sobre a abertura de uma caldeira, , escondida entre o mato, está um pedaço de lenha. Ele o tira cuidadosamente e entra na abertura pequena, porém na medida certa para seu pequeno corpo.

5 - INT. SUBTERRÂNEO/ NOITE

Merlin cai dentro do subterrâneo e começa a se rastejar. O local é bastante estreito e escuro. Várias vigas que sustentam o teto estão se desfarelando e o chão está cheio de entulhos. O lugar onde ele está é um túnel reto. Às suas costas estão vários materiais empilhados e à sua frente um canal seco e bem arejado, aparentemente mais seguro que o outro. Merlin continua se rastejando e de vez em quando olha para cima, sabendo que está passando por debaixo de vários aposentos. Ele fica intrigado ao ouvir vozes em um deles e pára para escutar. É a voz de CAMLACH conversando com um outro HOMEM. Percebendo isso resolve voltar para a entrada do túnel, mas fica nervoso e ao passar entre os pilares bate sem querer o ombro num cano solto deixando que um pedaço de argila caísse fazendo barulho.

6 - INT. APOSENTO DE CAMLACH/ NOITE

CAMLACH e ALUN estão sentados ao redor de uma mesa. Camlach de costas e Alun de frente. Uma garrafa de vinho está posta entre eles. Seus copos acabaram de ser esvaziados. Tudo parece abandonado, por falta de uso. Há poeira pelos cantos. Uma lareira queima mais ao fundo, sendo a única coisa a iluminar o aposento.

ALUN
...sua irmã não será um problema?

O barulho de argila caindo é escutado e Alun se cala rapidamente.

ALUN
O que foi isso?

CAMLACH
(sem se perturbar)
Nada. Um rato. O barulho foi debaixo do piso.
Este lugar está caindo aos pedaços.

Camlach se levanta e pega a garrafa de vinho e serve-se novamente. Coloca-a sobre a mesa e caminha até a lareira. Começa a falar.

7 - INT. SUBTERRÂNEO/ NOITE

Merlin volta, muito lentamente a rastejar ao longo da parede, em direção à abertura da caldeira. Escuta-se a voz de Camlach.

VOZ DE CAMLACH
Minha irmã não é o problema. Há anos que resolveu
tornar-se freira. Tanto que o bispo vive insistindo para
que meu pai a deixe partir para o convento. Acredito
que mesmo que seu amante volte, não desistirá disso.

8 - INT. APOSENTO DE CAMLACH/ NOITE

Camlach que estava próximo à lareira, aproxima-se novamente da mesa e coloca seu copo vazio sobre ela. Alun o olha ainda preocupado com o assunto em questão.

ALUN
Pode mesmo confiar nisso?

CAMLACH
Acredito que sim. Tenho investigado e todo mundo
diz a mesma coisa.

ALUN
E o menino?

CAMLACH
(ficando mais sério de repente)
O menino?

Camlach volta a caminhar pelo quarto, olhando para algum ponto fixo.

9 - INT. SUBTERRÂNEO/ NOITE

MERLIN pára novamente e apura os ouvidos quando percebe que estão falando dele. Olha para cima entre as frestas do chão e vê o rosto de Alun parcialmente. Este está olhando para o lado, provavelmente para Camlach que depois de um instante volta a falar.

10 - INT. APOSENTO DE CAMLACH/ NOITE

CAMLACH
O menino... Uma criança inteligente, parece-me,
mais do que pensam. É à ele que eu devo temer.
Por isso irei mantê-lo perto de mim...

ALUN
Você acredita que um dia ele se torne um soldado e
o tire do poder?

CAMLACH
Eu não sei ainda. Ele parece ser inofensivo. Pelo
menos no sentido das armas...Agora mande o
servo entrar. Esta garrafa já está vazia.

Alun assentiu com a cabeça levantando-se. Camlach espalma as mãos sobre a mesa, após jogar a garrafa de vinho para o lado, enquanto falava, com indiferença. De repente olha para o chão como se visse algo.

11 - INT. SUBTERRÂNEO/ NOITE

Merlin vê assustado o olhar de Camlach entre as frestas e suspira aliviado quando este se afasta do seu campo de visão. Aproveitando a oportunidade vai embora, afastando-se do local.

12 - EXT. TERRAÇO DE MORAVIK/ TARDE

MERLIN está deitado de bruços no piso observando UM LAGARTO. Seu rosto é focalizado sorrindo para o animal, que imóvel, só coloca a língua para fora para capturar suas presas. Merlin toca suas patas gentilmente, mas o animal se assusta e foge se escondendo numa fresta entre as pedras. Merlin vira seu rosto. CAMLACH está atravessando o pomar, vindo em sua direção. SUAS SANDÁLIAS pisam macio nos três degraus que sobem até o terraço. Ele fica observando Merlin. Este desvia o olhar para os MUSGOS entre as pedras do piso. Camlach vai até o BANCO DE PEDRA e senta-se, os joelhos separados, as mãos entrelaçadas repousando entre eles.

CAMLACH
Olhe para mim, Merlin.

Merlin vira-se para ele e o encara impassível.

CAMLACH
Disseram-me que você não gosta de brincadeiras
grosseiras, que nunca será soldado, e nem mesmo
um homem de verdade.

Merlin continua calado. Camlach tenta decifrar seus pensamentos mas não consegue.

CAMLACH
Talvez você não seja o que eles pensam, Merlin.
Você não deseja que sua mãe se case para que você
se torne um príncipe e seja respeitado?

MERLIN
Eu já sou príncipe. Tão príncipe quanto posso ser.

CAMLACH
( intrigado )
Você ainda continua esperando seu pai, não é?
Mas isso é tolice. Precisa encarar a realidade. Ele
morreu.

MERLIN
Ela disse que ele morreu?

CAMLACH
Não. Mas se estivesse vivo, teria vindo há muito
tempo. Sua mãe me disse que deseja entrar para
a Comunidade de São Pedro. E você que é inteligente
e esperto poderia ser padre.

MERLIN
(violentamente)
Não!

Camlach fica cada vez mais inquieto com as respostas do menino. Suas sobrancelhas se unem no topo do nariz.

CAMLACH
(persuasivo)
Mas se não nasceu para a guerra porque não
desfrutar da segurança que um mosteiro lhe daria?

MERLIN
Para continuar livre, não preciso ser guerreiro e
nem ficar trancado num lugar como São Pedro...


Camlach desiste de tentar convencê-lo e levanta-se. Caminha novamente para o pomar. Quando toca os degraus vira-se para Merlin.

CAMLACH
(convidando)
Venha.

Merlin levanta-se e o acompanha. São vistos de costas adentrando o pomar numa longa passarela.

13 - EXT. POMAR/ TARDE

MERLIN e CAMLACH passam pela passarela e árvores de todos os tipos são mostradas enquanto caminham. Primeiro pés de bergamota, alfazema, até chegarem aos damasqueiros e pessegueiros. Vários POMBOS arrulham no pombal perto dali. Merlin olha para o chão. Um DAMASCO maduro está caído . Com a ponta do pé empurra a fruta que rolando mostra que está podre, cheia de vespas. UMA SOMBRA cai sobre a fruta. Camlach aparece ao seu lado com um damasco em cada mão. Estende a fruta para o menino que a pega.

CAMLACH
(mordendo a fruta que segurava)
Vamos, coma. Está ótima.

Merlin fica parado com o grande damasco nas mãos. Do seu ponto de vista vemos a fruta brilhando com o sol quente enquanto ele a gira lentamente. Camlach aparentemente nervoso, olha-o impaciente.

CAMLACH
O que foi? Não fique aí parado, olhando para a
fruta, menino! Coma! Não há nada errado com
ela, há?

MERLIN
(olhando para o tio e estendendo-lhe a fruta)
Não quero. Está preta por dentro. Olhe. Dá para
ver através da casca.

O damasco é mostrado e nada se vê de estranho nele. Parece ser uma fruta madura e deliciosa. Camlach olha ora para a fruta ora para Merlin com um expressão aterrada. Subitamente pega a fruta das mãos do menino e joga-a contra a parede violentamente. Esta se espatifa num jato de polpa e o sumo escorre. Camlach começa a se afastar de Merlin.

CAMLACH
(num tom cheio de ódio)
Fique longe de mim, rebento do diabo! Está ouvindo?
Fique longe de mim.

Camlach passa as costas das mãos na boca e afasta-se em largas passadas na direção da casa. Merlin continua no mesmo lugar. Observa o sumo escorrendo pela parede. UMA VESPA então voa até o caldo, arrastando-se pegajosamente. De repente, o bicho solta um zumbido agudo e se debate até ficar imóvel, morto. As feições de Merlin então mudam da impassibilidade para uma grande tristeza. Seus olhos se enchem de lágrimas e ele começa a chorar. JARDINEIROS chegam ao pomar passando pelas ROSEIRAS com CESTOS nas mãos. Merlin vira-se e corre para fora do pomar.

14 - INT. ESTREBARIA/ TARDE

Merlin ainda chorando é visto entrando na estrebaria. Não há ninguém lá. Sobe rapidamente em seu pônei e sai pelo portão em direção aos montes verdes.

15 - EXT. MONTES VERDES/ TARDE

Merlin vai subindo os montes passando ora em frente ao moinho, ora por rebanhos imensos de ovelhas guiadas por um pequeno pastor sujo que lhe acena de longe. Pega um trilha de cascalho. Vai seguindo o curso tortuoso de um riacho. É um lindo dia. O rosto do menino está calmo agora. As árvores começam a aumentar de tamanho se transformando em grandes pinheiros à medida que ele avança com o pônei. Sua jornada termina quando chega à um vale. Sobre um rochedo está uma caverna. Merlin desce do pônei e o amarra em uma das árvores. Um falcão passa por sua cabeça voando em direção à caverna. Há muita relva. Merlin parece fascinado com a visão do estranho lugar.

16 - EXT. ENTRADA DA CAVERNA/ TARDE
Merlin está em frente à caverna. Uma bacia redonda esculpida na pedra está ao lado da entrada. Samambaias caem por todos os lados, meio que escondendo a abertura na pedra. Merlin entra.

17 - INT. CAVERNA PRINCIPAL/ TARDE

Tudo está escuro por dentro. Só a luz do lado de fora ilumina parcialmente. Morcegos estão dormindo no teto. Merlin dá um giro olhando para cima observando-os.

MERLIN
Tem alguém aí?

Ele apenas recebe seu eco de volta. De repente uma sombra se projeta no rosto do menino. Uma forma de homem desenha-se na entrada da caverna obstruindo a passagem de luz. Uma voz é escutada.

GALAPAS
(gentilmente)
Saia.

18 - EXT. LADO DE FORA DA CAVERNA/ TARDE

Galapas é visto afastando-se da entrada da caverna. Logo em seguida Merlin aparece e sai para a luz. Seus olhos se ofuscam com a claridade. Galapas que está de costas para ele, se vira e sorri. Ele é um homem velho, barbado, usando uma túnica. As mãos estão sujas de terra, mas são bonitas. Ele lhe estende o braço convidando-o a se aproximar.

GALAPAS
(suavemente)
Venha. Não precisa ter medo.

MERLIN
(aproximando-se)
Não estou com medo.
(parando à sua frente)
Por que teria medo de você? Sabe quem eu sou?

GALAPAS
(refletindo um pouco)
Deixe-me ver: cabelo e olhos escuros, corpo de
bailarino e jeito de lobo jovem...Seria melhor dizer
de um jovem falcão?

MERLIN
(surpreso)
Você me conhece?

GALAPAS
Digamos que eu sabia que você viria um dia. Meu
nome é Galapas.

MERLIN
O meu é Merlin, mas você já sabia, não é?

Galapas não responde e caminha para um campo mais abaixo deles. Vira-se.

GALAPAS
Está com fome? Tenho deliciosos bolos de mel, frutas
e água pura da fonte.

Merlin o segue até o lugar. Sobre uma pedra estão todos os alimentos. Merlin olha para ele estranhando. O velho nada diz. Aproximam-se e sentam na relva. Merlin olha para as frutas, mas não ameaça pegá-las. Galapas tenta encorajá-lo.

GALAPAS
Vamos. Pegue. Não tenha tanto receio.

O menino decide-se e pega, comendo com entusiasmo. Enquanto come pergunta.

MERLIN
(curioso)
Você é ermitão? Um beato?

GALAPAS
Não.

MERLIN
Se não é ermitão, o que é?

GALAPAS
No momento, um mestre.

MERLIN
E você pode me ensinar? Eu tenho um professor,
mas não gosto muito das coisas que ensina.

GALAPAS
(sorrindo)
Aposto que gosta de observar os animais e aprender
várias línguas, não é?
MERLIN
(surpreso novamente)
Como sabe?
(caindo em si)
Você me ensinaria estas coisas? É para isso que estou
aqui?

GALAPAS
Está querendo saber se os deuses o guiaram até mim?
A resposta é sim. Irei ensiná-lo tudo o que quiser saber.

Vários TAKES são mostrados dos dois estudando mapas, escrevendo na areia, observando animais, colhendo plantas.

19 - INT. CAVERNA/ TARDE

Velas estão acesas. Merlin está sentado diante de uma fogueira. Galapas está a sua frente e de acordo como movimenta as mãos, as chamas descem ou levantam. Os olhos de Merlin são detalhados assombrados, olhando ora para ele, ora para as chamas.

20 - EXT. VALE EM FRENTE A CAVERNA/ TARDE

O sol está baixando sobre o vale, estendendo uma longa sombra na encosta. Merlin está perto do pônei pronto para montar. Galapas está a sua frente.

MERLIN
Muito obrigado pelas coisas que me mostrou hoje,
Galapas.

GALAPAS
Você não parece tão satisfeito. Quer voltar outras
vezes?

MERLIN
(contente)
Eu adoraria! Mas não sei dizer quando virei. Só
quando puder fugir, isto é, quando estiver livre.

GALAPAS
Não se preocupe. Eu saberei, quando você vier.
E estarei aqui, esperando.

MERLIN
(curioso)
Como saberá?
GALAPAS
(misterioso)
Do mesmo jeito como soube hoje. Um dia você
entenderá.

Merlin é visto descendo o vale com seu pônei. Galapas fica no alto observando-o placidamente. Seguem-se então vários TAKES indicando passagem de tempo. O pônei reaparece carregando Merlin, que sorridente sobe a encosta. Outra imagem se sobrepõe à esta, idêntica, mudando apenas a idade de Merlin, agora um ano mais velho. Esta seqüência se repete mais uma vez, Merlin agora com doze. Galapas aparece novamente no alto do vale esperando. Três anos se passaram, porém ele mantém a mesma aparência. Sorri, enquanto Merlin se aproxima.

21 - INT. CAVERNA PRINCIPAL/ TRÊS ANOS DEPOIS/ TARDE

Merlin novamente está sentado em frente a fogueira, só que desta vez quem faz as chamas subirem e descerem acompanhando os movimentos das mãos é ele mesmo. Galapas está trás dele, satisfeito com seus esforços. Aproxima-se de Merlin e coloca sua mão sobre o ombro do garoto. Este está concentrado nas chamas, os olhos brilhando. Com o toque desconcentra-se e o fogo subitamente cai por terra e se apaga. Só a luz das velas ilumina o ambiente. Merlin fica chateado. Olha para Galapas.

MERLIN
(inconformado)
Não adianta, eu ainda não consigo controlar o meu
poder.

GALAPAS
(batendo a mão em seu ombro)
Não se cobre tanto, meu rapaz. Um dia o conseguirá.

MERLIN
(pensativo)
Galapas... Lembra do primeiro dia em que vim aqui?
Você sabia que eu viria, mas como? Nestes três anos,
nunca me contou. Quando vai me ensinar a ver o que
você vê?

GALAPAS
(caminhando para o fundo da caverna)
É, chegou o momento. Vou lhe mostrar a caverna de
cristal. É lá que fico sabendo de suas visitas e de outras
coisas, antes que elas aconteçam.

Merlin fica empolgado e o segue até o fundo da caverna principal. Lá há uma plataforma de pedra e em frente a ela uma abertura na pedra. Galapas pega uma tocha e a aproxima da entrada. Reflexos saem de dentro da pequena caverna. Merlin olha para Galapas intrigado.

GALAPAS
(apontando a entrada)
Entre lá.

O garoto obedece e entra dentro da caverna de cristal. Galapas coloca a tocha presa na abertura da caverna.

22 - INT. CAVERNA DE CRISTAL/ TARDE

A caverna é uma grande saliência, mas apenas para pessoas magras. O chão está gasto e incontáveis cristais são vistos cobrindo todo o teto tal como um globo de luz. A luz da tocha provoca oscilações de claridade e cor nas paredes da caverna. Escuta-se a voz de Galapas do lado de fora.

VOZ DE GALAPAS
Não pense em nada. Eu controlo as rédeas, que ainda
não são para as suas mãos. Apenas observe.

Merlin tira sua capa e dobra-a, improvisando uma cama, deita-se e olha a parede abaulada. As chamas entram atrás dele, fileira após fileira , enchendo o ar, até que ele fica no centro de um globo de luz. Imagens começam a se produzir nos cristais e vão correndo de um lado para o outro, até se concentrarem num ponto e se expandirem por todo o globo. Uma explosão de luz acontece e tudo de repente fica escuro. A cena a seguir é a Visão que Merlin tem nesta caverna de cristal.

23 - EXT. ESTRADA ROMANA/ NOITE

Os cascos de um cavalo à galope arrancam centelhas do cascalho na estrada romana. O chicote de um cavaleiro estala no ar. O cavalo vai a toda velocidade. Suas narinas estão abertas e vermelhas. Vemos que o cavaleiro é CAMLACH. Atrás dele vem uma comitiva de jovens e ao fundo segue o mensageiro, puxando o cavalo manco e coberto de suor. Tochas brilham pela cidade e homens correm ao encontro do cavalo de Camlach, mas este esporeia o cavalo e atravessa a cidade, entrando no pátio exterior do palácio.

24 - EXT. PÁTIO EXTERNO/ NOITE

Camlach salta para o chão, jogando as rédeas nas mãos de um ESCRAVO.

25 - INT. ESCADA/ NOITE

As botas de Camlach sobem os degraus de uma escada circular rapidamente.

26 - INT. COLUNATA/ NOITE

Uma porta ao final do corredor aparece, aberta. A CÂMERA detalha as costas de Camlach e sua capa preta que se movimenta com ele. Este anda apressado. Quando chega na porta pára na sombra sob sua a moldura.

27 - INT. QUARTO DO REI/ NOITE

Camlach continua parado na porta. O quarto está parcialmente escuro. Do seu ponto de vista vemos ao centro do quarto a cama romana, toda entalhada. O rei está deitado sobre ela coberto com um manto roxo. Seu rosto envelhecido já perdeu um pouco a elasticidade, caindo frouxo pelos lados. Moedas de ouro cobrem suas pálpebras e sua boca. Estas brilham com a luz de quatro tochas colocadas nos cantos da cama. Niniane se encontra aos pés do leito, entre as tochas. Muito quieta e vestida de branco, segura um crucifixo com as duas mãos. Quando Camlach aparece na soleira da porta, ela mantém seus olhos fixos no manto roxo, distante. Camlach, todo de preto, caminha até a cama e fica olhando o pai. Sua mão é vista pousando sobre as mãos mortas, cruzadas sobre o manto. Olha para Niniane. Atrás dela, nas sombras, está um pequeno ajuntamento de homens, mulheres e servos.

CAMLACH
(dirigindo-se à Niniane)
Disseram-me que foi um acidente. É verdade?

Niniane não se move, nem responde. Camlach encara-a . Depois olha para as pessoas atrás dela.

CAMLACH
( exigiu, erguendo a voz)
Alguém me responda! Foi um acidente?

As pessoas ficam intimidadas e um homem dá um passo à frente, hesitante.

MABON
(lambendo os lábios)
Foi, meu senhor.

Todos olham para ele atemorizados e vários CLOSES de seus rostos são mostrados, todos olhando para a cintura de Camlach. A expressão deste denota raiva e arreganha os dentes.

CAMLACH
Que diabo está acontecendo com vocês?

Ele acompanha o olhar de todos para a sua cintura. Um punhal desembainhado está enfiado no cinto. Está sujo de sangue até o cabo. Camlach solta uma exclamação de impaciência. Suas mãos são mostradas arrancando o punhal da cintura e jogando-o longe. Esta desliza no chão e bate na parede com um baque. O único barulho no quarto silencioso. Sua expressão continua irritada.

CAMLACH
De quem pensam que é este sangue? É sangue de
veado. Quando recebi a mensagem, tínhamos acabado
de matá-lo. Eu e meus homens estávamos a dezenove
quilômetros daqui.
( encara-os, desafiando-os.)
Continue, Mabon. Meu pai escorregou e caiu, de
acordo com o mensageiro. Como foi que aconteceu?

28 - INT. COLUNATA/ NOITE

O resto da comitiva de Camlach anda pela colunata com estardalhaço. Alun está a frente deles e faz movimentos com os braços para os homens o sigam mais depressa.

29 - INT. QUARTO DO REI/ NOITE

Os homens aparecem na soleira enquanto Mabon fala. Entram amontoando-se no aposento. Vários TAKES são mostrados. O rosto dos homens da comitiva vendo o corpo do rei morto. A expressão compenetrada de Camlach enquanto escuta o relato do servo. O próprio servo, um pouco intimidado com a situação toda.

MABON
Foi uma coisa estúpida, senhor. Puro acidente. Não
havia ninguém perto dele. Um dos homens tinha
acabado de encher as lâmpadas com óleo e derrubara
um pouco no chão. Antes que tivesse tempo de voltar
para limpar, o rei apareceu, bastante apressado. Escorregou
no óleo e caiu de costas, batendo com a cabeça no chão.

A imagem agora concentra-se apenas no servo e em Camlach.

CAMLACH
Quem é o culpado?

MABON
Um escravo, senhor.

CAMLACH
O que fizeram com ele?
MABON
Está morto.

Alun aproxima-se de Camlach e toca-o no braço.

ALUN
A cidade toda já sabe, Camlach. Há uma verdadeira
multidão lá fora, fazendo os comentários mais diferentes.
Teremos problemas se você não sair para falar ao povo.

Camlach lança-lhe um olhar e assente.

CAMLACH
Cuide disso, sim? Bran vá com ele. Você também
Ruan. Fechem os portões. Digam ao povo que
sairei logo. Fora daqui, todos os outros.

Os homens indicados aparecem assentindo com a cabeça as ordens de Camlach enquanto este fala. No final, todos os outros saem do aposento, menos Niniane que continua parada na mesma posição de antes. A porta do quarto se fecha. Camlach e Niniane são vistos de cima, a grande cama ao centro. Pelo ponto de vista dele Niniane é vista com a cabeça baixa e o crucifixo entre as mãos.

VOZ DE CAMLACH
Niniane?

Ela ergue os olhos. Seus olhos brilham com a emoção contida.

NINIANE
O que quer de mim? O que Mabon contou é verdade.
Mas ele não disse que o rei estava divertindo-se com
uma serva e embriagou-se. Mas foi um acidente e ele
morreu. Você estava com seus homens, a dezenove
quilômetros de distância. Agora o rei é você, Camlach,
e homem algum poderá apontar-lhe o dedo e dizer
que você desejava a morte de seu pai.

CAMLACH
Nem homem, nem mulher, Niniane.

NINIANE
Eu não disse nada. Só estou dizendo que agora as
brigas acabaram. O reino é seu. Agora, como Alun
aconselhou, vá falar ao povo.

CAMLACH
Quero falar com você primeiro. Por que age como
se não se importasse? Como se não estivesse mais
em nossa companhia?

NINIANE
Talvez porque seja verdade. O que você é, irmão, o
que deseja, não me diz respeito. Só quero pedir uma
coisa. Deixe-me ir embora. Meu pai nunca deixaria,
mas você, penso que sim.

CAMLACH
Quer ir para São Pedro?

NINIANE
(assentindo)
Tudo o que desejo é ir embora em paz, que deixem
que eu e meu filho vivamos em paz. Você sempre quis
isso para ele. Antes que meu pai quisesse.
Com certeza você percebeu que eu não iria embora
nem mesmo com o pai de Merlin, se ele aparecesse de
espada na mão na companhia de três mil homens.
Merlin não representa perigo para você, Camlach.
Nunca passará de um bastardo sem nome, e jamais
será um guerreiro. Os deuses sabem que ele não poderá
fazer-lhe mal algum.

CAMLACH
(irônico)
Menos ainda depois que for padre e estiver trancado,
não é?

NINIANE
(irritada)
Eu não estou mentindo! Quero que meu filho fique a
salvo de suas intenções. Não me importa o que irá
acontecer ao reino de meu pai, só sei que a Comunidade
de São Pedro ficará intacta.

CAMLACH
Viu isso no cristal?

NINIANE
(altiva)
Um cristão não deve brincar com previsões do futuro.
Os olhos de Camlach são mostrados tentando desvendar a alma de sua irmã. Esta o olha desconfiada. A expressão dele fica inquieta e ele caminha para as sombras de um canto do quarto. Volta parcialmente para luz, mantendo metade de corpo na obscuridade. Seus olhos faíscam estranhamente.

CAMLACH
(abrupto)
Diga-me o que acontecerá a Vortimer, o filho do
Grande Rei Vortigern.

Niniane que o observava, vira o rosto.

NINIANE
(indiferente)
Ele morrerá.

CAMLACH
Todos nós morremos um dia. Mas você sabe que
agora estou comprometido com ele. Sabe dizer o
que acontecerá na primavera?

Niniane o encara novamente.

NINIANE
Já lhe disse que abandonei meu poder. Não posso
mais ajudá-lo. Nem eu, nem meu filho.

Camlach sorri zombeteiramente ao escutar a palavra “filho”. Niniane parece apreensiva.

NINIANE
Você não mataria meu filho.

Camlach não responde, mas ambos se olham fixamente. A imagem os vê de cima enquanto uma rajada de vento entra pela janela deitando as chamas das tochas. Ele sorri e vai embora. A porta bate atrás dele. O vento novamente invade a sala e apaga as tochas, deixando Niniane na penumbra, brilhando com a claridade de seu vestido branco.

FUNDE COM:

30 - INT. CAVERNA DE CRISTAL/ NOITE

Os cristais refulgem com a claridade das tochas, mas estas vão se apagando lentamente fazendo com que os cristais subitamente percam a estranha luminosidade. Merlin está olhando para eles, piscando os olhos fortemente. Seus olhos são detalhados nublados por causa da Visão. Logo eles parecem voltar ao normal. Ele então saí da caverna e ao arrastar a capa, a rasga em um dos cristais.

31 - INT. CAVERNA PRINCIPAL/ NOITE

Merlin é visto saindo da caverna de cristal com agilidade. A caverna principal está escura, já que as brasas da fogueira estão com uma luz muito fraca. Enquanto desce da prateleira vai gritando.

MERLIN
Galapas! Galapas!

Termina de descer e corre para a entrada da caverna. O vulto alto de Galapas é destacado em meio às sombras. Este que se encontrava do lado de fora, entra. Seus pés estão seminus, nas velhas sandálias, azuis de frio. Merlin pára a um metro dele. Os olhos do menino estão um pouco assustados.

MERLIN
(engolindo em seco)
Galapas, meu avô está morto. E agora eu corro perigo.


GALAPAS
Por que diz isso, Merlin? Conte-me o que aconteceu.

Merlin leva a mão à cabeça, que aparenta doer muito. Galapas percebendo o que acontece, pega-o pelo braço e o faz sentar perto do fogo. Eles se sentam. O diálogo dos dois pode ser visto através das chamas.

MERLIN
(surpreso)
Eu pensei que você soubesse o que havia acontecido.

Galapas não faz menção de responder. Merlin continua.

MERLIN
Um servo derrubou óleo nas escadas e meu avô
escorregou. Agora ele está morto e Camlach é o rei...

Enquanto Merlin fala, vemos vários TAKES de Galapas levantando-se, enchendo um cálice com vinho, entregando-o ao menino.

GALAPAS
Beba. Devia ter dormido até que eu o acordasse.
Não despertaria sentindo-se mal. Beba tudo.
Merlin bebe o líquido e sua expressão vai suavizando aos poucos. Do seu ponto de vista formas flutuantes passam a sua volta, apagando-se uma à uma, até tudo voltar ao foco normal.

MERLIN
Já estou melhor agora, obrigado. É estranho, mas
até agora pouco não estava conseguindo raciocinar
direito, via vultos por todos os lados.

GALAPAS
(sorrindo benevolente)
Isso é normal. Depois que se acostumar, não sofrerá
tanto. Mas continue o seu relato.

MERLIN
(pensativo)
Eu acho que Camlach quer me matar. Eu vi uma
conversa dele com minha mãe e pressenti isso.
Depois que eu e ela estivermos no convento de São
Pedro, ele me matará. Ninguém poderá levantar a
voz contra ele, afinal minha mãe já não seria mais
a filha do rei e sim uma religiosa. Os boatos ficariam
durante um tempo, mas logo desapareceriam.
(olhando para Galapas, com o cálice na mão)
Por que uma pessoa teria tanto medo de mim?

GALAPAS
(sem responder, apontando o cálice)
Acabe de beber. Depois, meu querido, precisa ir
embora.

MERLIN
Ir embora? Mas se eu voltar ao palácio eles podem
me matar, ou me trancar... Não posso ficar com
você? Ninguém sabe que eu venho aqui.

GALAPAS
(meneando a cabeça)
O momento para isso ainda não chegou. Um dia
ficará aqui, mas não agora. Você não pode se esconder,
assim como seu falcão não pode voltar para o ovo.

Merlin olha para o lugar onde o falcão ficava e percebe que este se foi. Galapas segue seu olhar e depois o encara.

GALAPAS
Ele se foi quando você me chamou. Partiu para o sul.
Talvez você deva segui-lo e ver para onde ele o leva.

Merlin levanta-se, pega sua capa que estava no chão aos seus pés e a coloca. Galapas também se levanta. Merlin aproxima-se de Galapas.

MERLIN
Tornarei a ver você, Galapas?

GALAPAS
Prometo que sim. Algum dia a caverna será sua,
com tudo o que contém.

Um golpe de ar passa pelos dois, sacudindo a capa de Merlin e vibrando as chamas. O menino o abraça afetivamente e caminha até a saída. Galapas o acompanha.

GALAPAS
Para onde pretende ir?

MERLIN
Não sei ainda, mas eu continuo no caminho do deus.
Sinto o vento soprar.

GALAPAS
(sorrindo)
Vá. Já selei o pônei.

Os rostos de ambos são focalizados. O de Merlin um pouco apreensivo e hesitante. O de Galapas, tranqüilo e imperturbável. Depois de alguns instantes de hesitação, o menino sai de uma vez. Galapas aproxima-se um pouco mais da entrada e fica vendo-o partir.

32 - EXT. VALE/ NOITE

O vale está escuro e sendo assolado por ventos e chuva. Vemos Merlin montado em um pônei descendo o vale e em seu rosto vimos algo triste e algumas lágrimas escorrem por ele confundindo-se com as gotas de chuva. Às suas costas, a caverna se distancia cada vez mais. À sua frente toda a encosta a ser descida. De longe se vê a pequena cidade, o rio e as fortificações.

33 - EXT. PÁTIO DO ESTÁBULO/ NOITE

A chuva pára, virando garoa fina. Merlin está em frente ao portão do estábulo. Tenta abri-lo, mas este encontra-se trancado. Ele monta novamente o pônei e trota com ele lentamente acompanhando o muro em direção à ponte.
34 - EXT. PONTE/ NOITE

Dois cavaleiros são vistos atravessando a ponte em sentido oposto ao do menino.

35 - EXT. MURO DO POMAR/ NOITE

Há várias árvores pelo caminho. Um fosso está ao longo do muro e os ramos caem por sobre ele gotejantes. Merlin pára e desce do pônei levando o animal para debaixo dos galhos de uma macieira que caem para fora do muro, e o amarra. Volta a subir na sela e fica de pé. Tomando impulso ele salta para um galho acima dele. Um de suas mãos escorrega, mas a outra o segura firmemente. Ele joga as pernas para cima enlaçando-se no galho. Termina de subir o muro e salta para o lado de dentro.

36 - INT. POMAR/ NOITE

Merlin é visto caindo ao chão. Ele olha rapidamente para os lados. À esquerda vê o muro alto que escondia o jardim de seu avô, à direita está o pombal e o terraço de Moravik. À frente, os alojamentos dos servos. Estes estão completamente sem luz. Mais afastado dali, ele vê o prédio principal, com movimento e luz. De longe se escuta o tumulto das ruas, abafado pela chuva que agora recomeça mais forte. Ele corre até uma das janelas apagadas e entra por ela.

37 - INT. QUARTO DE MERLIN/ NOITE

Merlin caí por sobre um corpo que está deitado em sua cama. Ele rola rapidamente para o chão e depois levanta-se vagarosamente para ver quem é. O quarto está totalmente sem luz. Pela janela a luz da lua aparece e ilumina o rosto do homem imóvel deitado na cama. Este é o SERVO que derrubara óleo nas escadas. Estava morto, degolado. Um braço estava caído para o lado. A mão aberta tocando o chão. Os olhos de Merlin se enchem de pavor.

MERLIN
(sussurrando)
É Cerdic...o servo que derrubou o óleo...

A VOZ DE UM HOMEM é ouvida e Merlin cai ao chão novamente entre a cama e um enorme baú. Passos são ouvidos do lado de fora. Através da porta vemos sombras passando com tochas.

VOZ DO HOMEM
(gritando)
Não. Por aqui ele não entrou. Estou vigiando a
porta. Viram o pônei?
Merlin espia por baixo e vê apenas dois pares de botas ora parados ora se movimentando em frente sua porta.

OUTRA VOZ DE HOMEM
Não, nem sinal. Ele não deve ter ido muito longe,
mas sempre fica fora até tarde.
(outra voz grita algo distante; o homem responde)
O quê? Ah, certo...

Passos são ouvidos se afastando. Merlin relaxa um pouco com o súbito silêncio. Quando levanta-se de frente para porta uma luz atinge seu rosto. Vemos uma lâmpada pendurada num suporte logo em frente, na colunata. Merlin olha para o baú que está aos seus pés e o abre. Tira algumas roupas, uma capa e um par de sandálias.

38 - EXT. POMAR. JANELA DO QUARTO DE MERLIN/ NOITE

Uma trouxa de roupa é vista sendo jogada pela janela. Esta cai no chão.

39 - INT. QUARTO DE MERLIN/ NOITE

Merlin está parado ao lado do servo na cama. Ele puxa o cobertor e ajoelha-se ao seu lado procurando algo no quadril do morto. Vemos um punhal reluzindo à meia-luz. O menino solta a fivela do cinto e o tira. Logo em seguida pega o seu pequeno punhal e o troca pelo maior do servo. Levanta-se e olha para o servo por um instante.

MERLIN
O que fizeram com você foi injusto, meu bom
homem, por isso o mandarei ao encontro de seus
deuses do jeito como você desejava.

Merlin corre para a porta e averigua se ninguém está por perto. Pega a lâmpada que está pendurada e leva-a de volta ao quarto. Chega em cima do corpo e esparrama o óleo por toda a cama. Depois termina por jogar a própria lâmpada acesa. Vemos o fogo tomando conta de todo o corpo, espalhando-se rapidamente. Quando este começa a tomar conta da cama e de outros objetos, Merlin se precipita para a janela e antes de dar o último salto, olha para as chamas e despede-se do morto.

MERLIN
Vá com os deuses, Cerdic.

O menino então some da cena. Só vemos o fogo tomando conta do lugar.

40 - EXT. POMAR. JANELA DO QUARTO DE MERLIN/ NOITE

Vemos os pés de Merlin aterrizando o chão e ele caindo por sobre a trouxa de roupa. Levanta-se e corre para o muro.

41 - EXT. POMAR. MURO/ NOITE
Merlin joga a trouxa para que esta caia do outro lado do muro. Corre para a macieira, onde o pônei está amarrado e sobe por ela. Lá de cima, olha para trás. Vemos a janela de seu quarto brilhando com uma luz vermelha e pulsante. Ele pendura-se no galho pelas mãos e deixa-se cair.

42 - EXT. MURO DO POMAR. / NOITE

Merlin tenta se levantar. Uma sombra enorme salta sobre ele e o atinge. Ele cai sob o peso do corpo de um HOMEM que o prende no chão molhado. O rosto de Merlin é visto atingindo o solo, molhando-se. Merlin fez menção de gritar. A mão do homem tapa sua boca. Passos apressados e o ruído de uma arma sendo desembainhada é escutado. HANNO aparece falando para o homem que segurava o menino, MARRIC.

HANNO
Espere. Faça-o falar, primeiro.

Marric está encostando a ponta de uma faca no pescoço de Merlin. Quando escuta a voz do companheiro rola de cima do menino com um resmungo surpreso, afastando a lâmina.

MARRIC
(em tom desgostoso)
É uma criança.
(dirigindo-se ao menino)
Nem um pio ou cortarei seu pescoço aqui e agora.
Entendeu?

Merlin assente com a cabeça. Marric tira a mão da boca dele e levanta-se, puxando-o junto. Empurra-o contra o muro, prendendo-o lá, com a ponta da faca encostada em sua clavícula.

MARRIC
O que significa isso? Por que está fugindo do
palácio como um rato? É ladrão? Fale logo, antes
que eu o enforque.

Marric o sacode fortemente. Merlin fica meio sem fôlego, mas consegue responder.

MERLIN
(arquejante)
Não fiz nada. Solte-me!

Hanno pega a trouxa que está jogada ao lado enquanto Merlin e Marric falavam e a desembrulha, analisando o que tinha dentro. Chama o outro homem.

HANNO
(mostrando o embrulho)
Veja o que ele jogou por cima do muro. Uma
trouxa cheia de coisas.

Marric olhou para dentro do embrulho. No mesmo instante uma fumaça cinza começou a surgir por sobre o muro e alguns lampejos de claridade, que tocavam o rosto dos três. Merlin temendo ser reconhecido, achata-se contra o muro, procurando ficar nas sombras. Marric afastou-se um pouco de Merlin, sem tirar os olhos dele. Hanno começa a vasculhar a trouxa. O rosto do menino é visto tentando reconhecer seu captor, mas percebe que nunca o viu.

MERLIN
Vocês não são homens do rei! Quem são? O que
estão fazendo aqui?

Hanno parou de remexer a trouxa e o encarou.

HANNO
Não é da sua conta.

MARRIC
Somos nós que fazemos as perguntas. Como sabe
que não somos homens do rei? Conhece todos eles
por acaso?

MERLIN
Naturalmente. Moro no palácio. Sou... escravo.

Hanno que estava sentindo cheiro de fumaça, afasta-se uns passos e percebe o incêndio. Há barulho de coisas caindo, pessoas gritando, correria.

HANNO
Marric ! Veja lá dentro. Um incêndio! Estão fazendo
Barulho como um bando de ratos. Não adianta perder
tempo com um escravo fujão. Corte o pescoço dele e
vamos embora enquanto temos tempo.

MARRIC
Um momento. Talvez ele saiba de algum coisa. Escute
aqui...

MERLIN
Se vão me degolar de qualquer jeito, por que eu
lhes diria o que sei? Quem são vocês?

Hanno começa a se desesperar olhando ora o rio ao lado, ora o incêndio que continua se alastrando.

HANNO
Marric , pelo amor dos deuses, estamos perdendo
tempo. A maré está baixando depressa e só os deuses
sabem se o navio estará lá com este tempo. Ouça
o barulho no palácio. Virão para cá a qualquer momento.

MERLIN
Não virão para cá. Estão ocupados com o fogo que
eu ateei.
( ao ver que ambos o olhavam surpresos)
Não me olhem assim. Mataram um amigo meu,
um servo, injustamente. Ele era saxão e o seu
povo prefere ser cremado quando morrem. Por
que sei disso, Camlach, o novo rei, acha que sou
perigoso, também porque ouvia coisas...


HANNO
(apressado)
Marric vamos levá-lo de uma vez! Pode falar
com ele no barco, não pode? Se demorarmos mais,
o navio partirá sem nós.

Marric concorda e arrasta o menino para caminho dos rebocadores, ao lado do rio.

43 - EXT. CAMINHO DOS REBOCADORES/ NOITE.

Marric está tampando a boca de Merlin novamente enquanto o arrasta. Primeiro são vistos de frente, depois de costas. Um barco é visto meio escondido sob o barranco da margem. Marric e Merlin descem a ribanceira. Hanno já está no barco. Marric dá um salto e num escorregão joga Merlin na embarcação oscilante entrando em seguida. Hanno começa a mover o barco. Marric volta a encostar a lâmina da faca no pescoço de Merlin. Hanno agora está remando para o centro da correnteza. Escuta-se o relincho do pônei. Merlin olha para trás. A luz do fogo bate em seu rosto. Pelo seu ponto de vista vemos o animal disparar na direção da estrebaria. O fogo e a fumaça tomam conta do lugar. A imagem toda se concentra no palácio parcialmente em chamas e nos reflexos que esta causa nas águas oscilantes. O arco negro da ponte passa por cima do barco. Hanno continua a remar. Merlin e Marric estão um do lado do outro. Marric tira a lâmina de perto do menino.

MARRIC
Até agora, tudo bem. O fedelho nos ajudou com
seu incêndio, já que ninguém reparou em nossa
presença aqui. Mas vamos ouvir agora o que ele
tem para nos dizer. Como se chama?

MERLIN
Myrddin Emrys

MARRIC
(surpreso)
Myrddin? Espere aí! O bastardo?
(Merlin assente)
Por que não nos disse desde o começo?

MERLIN
Eu não sabia quem vocês eram. Não me reconheceram,
então pensei que, se fossem ladrões, ou homens
de Vortigern, deixariam que eu partisse.

MARRIC
(desconfiado)
E aquela estória do servo? Ele era realmente seu
amigo?

MERLIN
Cerdic, o saxão, cuidou de mim desde que era garoto
junto com minha ama de leite, Moravik. Ele não teve
culpa do acidente, mas mesmo assim o mataram.
Eu apenas prestei homenagem à ele.

MARRIC
Você disse que sabia de muitas coisas. Por que não nos
conta?

MERLIN
Eu ainda não sei quem são vocês.

MARRIC
Está querendo bancar o esperto garoto? Sendo príncipe
ou não, se eu quiser o jogo agora mesmo na água.
(pegando-o pelo colarinho)
Agora me diga. Você estava fugindo por que seu
tio Camlach desconfia que você sabe demais. Mas
a pergunta é: para quem você ia levar estas informações?
Para Vortigern?

Merlin encara-o desafiadoramente. Marric solta-o um pouco.
MERLIN
Talvez. Eu não cheguei realmente a pensar nisso,
mas acho que não haveria outra escolha. Quem
mais poderia procurar?

Marric o solta e olha para Hanno. Este assente com a cabeça, remando cada vez mais rápido e sempre prestando atenção à conversa.

MARRIC
Ambrosius.

Merlin ri. Marric e Hanno continuam sérios. Merlin os encara surpreso.

MERLIN
(começa sério depois fazendo tom de ironia)
Vocês estão falando sério? Eu pensei que Ambrosius
fosse uma lenda. Há anos que escuto rumores de
que ele está exilado em outro país, só esperando
pelo dia em que invadirá a Bretanha e conquistará
sua coroa ursupada.

MARRIC
E ele o fará com certeza. Somos seus homens leais.
Por que não entrega estas informações para ele?

MERLIN
Por que não? É para ele que estão me levando?
Iremos embarcar naquele navio?

O navio é mostrado ancorado no meio do mar. Todas as luzes estão apagadas e uma pequena neblina se forma na superfície. Não está mais chovendo. O barco começa a se aproximar do navio, deixando que sua sombra caia sobre ele cobrindo-o totalmente. As dúvidas desaparecem sobre a pergunta de Merlin.

MARRIC
Eu não sei se vale a pena pagar sua passagem se
na verdade não tem nada a nos dizer, portanto fale
alguma coisa agora. O resto poderá dizer ao conde
pessoalmente.

MERLIN
Ele vai gostar dessa: Camlach se aliou a Vortimer e
está planejando levar todo o reino contra o Grande
Rei, Vortigern.

Hanno que se levanta para olhar para cima, no navio, vira para o garoto quando escuta suas palavras.

MARRIC
(impressionado)
Ele o quê? Tem certeza?
(Merlin assente novamente)
Tudo bem, você me convenceu. Uma última pergunta,
você seria leal à Ambrosius?

MERLIN
Só poderei dizer quando o vir.

Marric se enfurece de repente e lhe dá um soco, jogando-o para o fundo do barco.

MARRIC
Não importa se é um príncipe, mas toda a vez que
falar dele, encurte a língua. Pelo menos cem homens
o consideram rei, nascido com este direito.

Saudações do navio são escutadas. Vemos de baixo para cima cabeças surgindo na amurada do navio e algumas pequenas luzes sendo acesas. Merlin levanta-se corajosamente do fundo do barco.

MERLIN
Se ele for homem já será suficiente.

44 - EXT. POPA DO NAVIO/ TARDE

O NAVIO balança entre as ondas que batem violentamente em seu casco. Ele aparece navegando, mas logo vemos um MARINHEIRO jogando a âncora no mar. Neste momento uma legenda parece escrito: “GÁLIA. BRETANHA MENOR”. Há neblina por todos os lados e está quase anoitecendo. O navio atraca num cais feito de pedras, iluminado por duas lanternas penduradas em postes, onde cerca de vinte SOLDADOS esperam o descarregamento. Atrás deles vemos uma fileira de construções usadas para armazenagem. Atrás dos postes de iluminação mulas atreladas a carroças esperam pela carga. Os HOMENS que cuidavam delas estão uniformizados e armados. O navio é então amarrado na parte central do cais, onde fica a prancha de desembarque. Os homens encarregados da mercadoria começam a pegar os engradados e a descê-los. Os soldados os ajudam e um deles supervisiona tudo. Esta seqüência não tem diálogos, apenas movimentos de braços e a ação propriamente dita.

FUNDE COM:

45 - INT. CABINE DE MERLIN / TARDE
A cabine de Merlin nos é apresentada. Este está deitado em um embolado de cobertores em cima de uma pilha de sacos velhos. Ele está seminu. Um BAÚ rachado se encontra encostado à parede. Um amontoado de CORRENTES enferrujadas está jogada à um canto. Ao lado de Merlin vemos uma jarra de água e um pedaço duro de pão. Do outro lado da cabine se encontra o balde onde Merlin vomitou durante a travessia pelo CANAL DA MANCHA. Marric está ao lado dele meneando a cabeça inconformado. Hanno está na soleira da porta. Marric caminha até ele falando.

MARRIC
Esse aí parece que tem estômago de moça. Ficou
mareado os cinco dias da travessia!

HANNO
É. Nem sei por que ainda insistiu em trazê-lo. Acredita
mesmo que ele seja o príncipe? E será que tem
realmente mais coisa a contar?

MARRIC
Isso teremos que ver, a não ser que...e se o fizéssemos
falar antes? Se formos nós a dar a notícia ao conde?
A recompensa seria boa, não acha? E ainda não
corremos o risco de decepcioná-lo.

HANNO
E o que faremos ao menino?

Marric olha por sobre o ombro. Merlin está de costas para a porta. Aparenta estar dormindo tranqüilamente. Marric volta a encarar Hanno.

MARRIC
(maldoso)
Ele poderia desaparecer, de repente. Ninguém
sabe o que lhe aconteceu. Provavelmente já o dão
como morto. Não faria muita diferença.

O rosto de Merlin é focalizado. Ele está acordado e escutando tudo atentamente. Os dois homens são vistos de costas na porta. Hanno parece dizer alguma coisa mas o som da porta sendo fechada e o barulho das barras de ferro sendo colocadas no suportes abafam as palavras. Merlin escuta o som dos passos se afastando e as vozes do pessoal que está fazendo a descarga. O navio sacode um pouco de vez em quando. MANIVELAS guincham, HOMENS gritam no convés acima da cabine de Merlin, cordas deslizam silvando e grunhindo e a carga cai no cais com baques surdos. Ele tira os cobertores de perto e senta-se. Fica observando o lugar. Toma um pouco da água e cospe fora. Pega o pão e tenta mordê-lo, mas está muito duro. Bate com ele na parede e faz um pouco de barulho. Arranca um pedaço e molha na água e tenta mastigá-lo como pode.

46 - EXT. CONVÉS. AMURADA/ TARDE

Marric e Hanno estão chegando na amurada do navio. Estão conversando. Homens passam de um lado para o outro ocupados.

HANNO
Não sei se concordo muito com você. Por que não
falamos primeiro ao conde? Se o menino lhe for útil
receberemos recompensa do mesmo jeito e se não for
de grande valia podemos usá-lo como refém e, se
mesmo assim não der certo, ainda podemos vendê-lo
como escravo e racharmos o dinheiro. De qualquer
forma ganharemos com ele. Ele vale mais vivo do que morto.

MARRIC
(concordando)
Certo. Mas vamos agora. Lembra que é noite de
Reunião. O culto ao deus Mitra?

Ambos resolvem descer para a terra. São vistos de costas descendo do navio junto com alguns carregadores.

47 - INT. CABINE DE MERLIN/ TARDE

Merlin continua sentado. O pedaço de pão mordido está no chão, ao lado da jarra. Ele levanta e abre o baú. Fecha-o logo em seguida desanimado. Caminha até a porta e tenta alcançar a vigia, mas esta está muito alta. Vira-se e vê uma escotilha, boa o bastante para que ele passe. Ele pega os mesmos sacos que lhe serviram de cama e empilha debaixo da escotilha. Olha através dela.

48 - EXT. CAIS. VISÃO DA ESCOTILHA / TARDE

Vemos a mesma cena do cais de antes. Carroças e homens uniformizados ajudando no descarregamento. Amarrada à escotilha está uma corda e esta faz uma parábola até chegar no cais, com sua outra ponta amarrada à um pequeno poste. Entre o navio e o cais há quatro metros de água do mar. Vemos a cabeça de Merlin olhar para baixo, mostrando o movimento da água. Um rato gordo passa descendo a corda na sua frente.

49 - INT. CABINE DE MERLIN. ESCOTILHA/ TARDE

Merlin salta para o chão novamente e começa a procurar algo para se vestir. Não achando, rasga alguns sacos e se veste com eles. O vento entra pela escotilha fazendo-se se arrepiar. Arranca algumas tiras de sandálias dentro do baú e improvisa um cinto. Reluta mas pega o pedaço de pão. Enquanto isso, escutamos o som dos soldados entrando em marcha. Ele corre novamente para a escotilha.
50 - EXT. CAIS. VISÃO DA ESCOTILHA/ NOITE

Vemos os soldados em marcha, homens e carroças se afastando. Logo somem de vista ao adentrarem na floresta através da estrada romana feita de pedras.

51 - INT. CABINE DE MERLIN. ESCOTILHA/ NOITE

Merlin começa a sair pela escotilha agarrando-se à amarra. Aos poucos seu corpo vai desaparecendo de cena até seus pés saírem da cabine.

52 - EXT. CAIS. AMARRA/ NOITE

Merlin está pendurado na corda quase tocando a água. Dá um impulso jogando as pernas para cima e as entrelaça na corda. Vai descendo aos poucos até atingir o cais. Enquanto o faz, o navio balança com ele. Quando chega ao cais cai por terra rolando para não se machucar. Corre para atrás de algumas pedras para não ser visto.

53 - EXT. CAIS. NAVIO/ NOITE

Algumas luzes do navio estão apagadas. UM HOMEM é visto correndo no convés por causa do estranho movimento do navio. O homem grita alguma coisa.

54 - EXT. GÁLIA, BRETANHA. ESTRADA ROMANA/ NOITE

Merlin é visto correndo pela estrada romana no meio das sombras. Depois aparece correndo mais lentamente, até que enfim está andando calmamente. À sua frente vemos as carroças carregadas em fila à uma certa distância. Ele as segue procurando não alcançá-las. O céu está límpido e azul. As estrelas cintilam sem lua. O gelo brilha nas pedras da estrada. Os pés de Merlin às vezes o quebram o gelo sob suas sandálias. De repente ao terminar de subir uma elevação de terra, ele vê surgir uma cidade murada. Um fosso a protege. Uma ponte de madeira atravessa o fosso até o portão. As carroças param, enquanto um dos soldados fala com os guardas. Logo os portões são abertos e as carroças começam a entrar. Soldados se dirigem para o final da comitiva para vigiar. O portão se fecha com estrondo. São ouvidas suas trancas entrando nos suportes.

55 - EXT. FOSSO DA CIDADE MURADA/ NOITE

Merlin acompanha o fosso pelo lado direito. Luzes são vistas mais à frente. Merlin pega o pão duro que guardou e fica roendo-o . Vemos uma grande casa de dois andares com vários alojamentos como casa de banho, quartos de servos, estábulos, casa de forno. No que parece ser uma pequena chácara longe da cidade.

56 - EXT. CASA DE AMBROSIUS. MUROS DO LADO DE FORA / NOITE

Merlin passa pelo portão principal, mas hesita em bater nele. Acompanha as paredes enormes da casa, onde há tochas presas em suportes a cada três metros, até chegar ao portão do estábulo. Lugar que lhe parece mais seguro. Um CÃO late. UM HOMEM sai para fora e olha para os lados e nada vê. Merlin é visto achatado contra a parede, em expectativa. O cão continua latindo. O homem fica irritado e grita com o animal.

PORTEIRO
Cale a boca. Está muito frio aqui fora.

O cão fica quieto. Merlin fica parado encostado à parede tremendo de frio. Olha para o lado e vê o estábulo. Corre para lá silenciosamente e entra por uma abertura escavada no chão, numa espécie de barranco. Várias tochas estão acesas num círculo de fogo.

57 - INT. ESTÁBULO/ NOITE

O estábulo ou cocheira é uma construção pequena e rústica, com paredes não muito altas, coberta de colmo e apinhada de mulas e burros. Uma tábua atravessada na porta impedia-os de saírem. Pela entrada do barranco, Merlin vê estender-se o campo vazio à luz das estrelas, coberto de gelo acinzentado por onde crescem pinheiros tortos. No centro do campo ergue-se uma enorme pedra branca. O som de cascos se aproximando se inicia e torna-se cada vez mais alto devido a aproximação do cavaleiro. Escuta-se novamente o latir do cão. Merlin corre para atrás de um pilha de gravetos e feno que havia mais ao fundo da cocheira. Escutam-se vozes de dois homens, um empregado e outro jovem aristocrático.

VOZ DO PORTEIRO
Senhor Uther, venha por aqui. Não há muito espaço
lá dentro por causa dos cavalos...

VOZ DE UTHER
(interrompendo)
Há bastante gente, então?

Os dois homens então aparecem pela abertura no barranco. O porteiro está guiando o cavalo e o Uther está na frente. Este é um jovem de vinte anos, razoavelmente alto, olhos azuis, bastante arrogante, que anda com displicência e ignora todas as ações do criado.

PORTEIRO
Bastante. O senhor quer que eu o coloque ali?

UTHER
(irritado)
Já disse lá fora que qualquer lugar serve. Tire a tábua
e ponha-a para dentro. Depressa homem! Estou atrasado!

O porteiro limita-se a abaixar a cabeça e coloca o animal no lugar, em seguida começa a tirar os arreios. Uther chega ao seu lado e o impede.

UTHER
Não há necessidade. Será apenas por uma hora.
(tira sua capa)
Cubra-o com minha capa. Vou entrar.

O criado cobre o cavalo e acompanha seu senhor. Saem da cocheira. Escuta-se a voz de Uther do lado de fora acompanhada pelo som de seus passos se afastando.

VOZ DE UTHER
Deixe-me entrar pelos fundos, de modo que o pai
não me veja.

Merlin sai de trás da pilha e chega até o cavalo de Uther. Tira-lhe a capa cuidadosamente. Apalpa a bolsa de sela, abre-a e tira um odre cheio de vinho, biscoitos embrulhados num pano, uvas passas e algumas lascas de carne seca. O rosto do garoto se ilumina pois está com fome. Fecha a bolsa de sela e com tudo nas mãos corre novamente para atrás da pilha, num lugar onde pode ver a entrada da cocheira e o campo vazio. Aninha-se nas dobras quentes e macias da capa de lã começa a comer. Há aqui um corte denotando passagem de tempo. Merlin aparece no mesmo lugar, só que desta vez dormindo. Ele abre os olhos lentamente. Do seu ponto de vista vemos o campo novamente, a única diferença é que tudo agora é mostrado em SLOW MOTION , as imagens um pouco embaçadas ou brilhantes, de forma pouco comum. Cristais se confundem no céu azul. Os olhos de Merlin são detalhados nublados e seu rosto mostra a mesma forma hipnótica de quando tem as Visões. Estrelas começam a brilhar e a cair do céu, umas se tornam vermelhas com rastros de fogo, outras explodem e caem como chuva de raios dourados. A grande pedra branca é então focalizada e uma sombra começa a rodar a sua volta. De repente um homem com um gorro verde na cabeça aparece com uma faca pequena numa mão e um laço na outra. Um enorme touro branco com chifres imponentes, aparece no seu campo de vista e começa a pastar calmamente. O homem de gorro, alto e forte, cabelos loiros, pára perto do touro. Este reparando em sua presença investe contra ele. O homem joga com tudo o laço enlaçando-lhe os chifres. Salta em cima dele e o doma. Merlin está com o corpo caído para frente prestando atenção à todos os seus movimentos. Levanta-se e fica parado. O touro ergue a cabeça com a força da mão do homem, que pegando a faca e corta-lhe o pescoço. O touro tomba no chão. Merlin sai de seu esconderijo e corre em direção à eles. O homem vira o rosto e sua expressão é fria, meio etérea, meia irreal. Merlin antes de chegar à entrada da cocheira tropeça na capa e cai rolando. Neste momento acaba o efeito do SLOW MOTION. Toda a imagem anterior se apaga. Merlin está caído no mesmo lugar, mas à sua frente está um homem, um criado chamado CADAL. Há vários HOMENS dentro da cocheira montados em cavalos e Uther está em pé perto da entrada. Ele está visivelmente irritado. Cadal pega o menino com força e o levanta do chão.

UTHER
(apontando o dedo para ele acusadoramente)
Por Deus! É a minha capa! Segurem-no! Não ponha
as mãos nele! Está imundo!

Todos os homens estão olhando para Merlin. Vemos os rostos de cada um deles mostrando diferentes expressões. Uns com raiva, outros com divertimento, indiferença ou curiosidade. Merlin está ao centro deles. Parece sentir as mesmas dores de quando teve a Visão na caverna de cristal. Cadal o segura por trás e pegando seus cabelos puxa-os fazendo-o erguer seu rosto para encarar Uther. Este está com um chicote nas mãos e ameaça usá-lo.

UTHER
(levantando o chicote)
Então imaginou que iria roubar minha capa e ficar
imune? Pois você vai ter o que merece seu mendigo!
Segure-o, Cadal.

MERLIN
(exclama)
Eu não roubei sua capa senhor. Juro que iria devolvê-la!

Uther não lhe dá ouvidos e continua o movimento, mas uma mão forte e vigorosa lhe segura o braço, impedindo-o . O dono da mão aparece ao seu lado. É um homem mais alto e troncudo do que Uther. Seu rosto está escondido pelas sombras pois encontra-se em frente à luz das tochas que alguns homens seguravam. Este homem é AMBROSIUS.

AMBROSIUS
(com autoridade)
O que está acontecendo?

Todos os homens ficam em silêncio respeitoso. Merlin se desvencilha das mãos de Cadal que com a chegada do chefe solta-lhe um pouco. Merlin encara o chefe, mas a única coisa que vê são seus olhos escuros. Estes se confundem com os olhos do homem de gorro verde e o garoto enche sua expressão de assombro.

MERLIN
(exclamando)
Era você! Estava correndo para ajudá-lo, mas tropecei
e caí. Não estava fugindo. Por favor, diga isso aos outros,
meu senhor. Conte o que aconteceu!

AMBROSIUS
(estranhando)
Do que está falando? Contar o quê?

MERLIN
Do touro branco que o senhor matou!

AMBROSIUS
(perplexo)
O quê?

UTHER
(enfurecido)
Como você sabe do touro? Quem andou falando o
que não devia? Você ficou espionando! Você roubou
minha capa, seu ladrão! Mate-o logo, Cadal!

Ambrosius continua impassível parado ao lado de Uther. Merlin fica com raiva subitamente e explode.

MERLIN
(grita furioso)
Não sou espião! Não sou ladrão! E estou cansado
de isso tudo! Queriam que eu fizesse o quê? Que
morresse gelado para salvar a vida de um cavalo?
Se vi algo que era segredo, me desculpem!

Cadal tenta segurá-lo novamente, mas Merlin lhe sacode com raiva empurrando-o

MERLIN
Tampouco sou mendigo, meu senhor. Sou um homem
livre e vim oferecer meus serviços à Ambrosius. Foi
por isso que vim para cá, deixando meu país. Perdi
minhas roupas por...por acidente. Sei que sou jovem,
mas tenho informações que podem ser úteis e falo
cinco línguas...Suplico que me dê abrigo por uma noite
e me diga onde posso encontrá-lo pela manhã.

Silêncio denso.

AMBROSIUS
(ordenando ao homem que está ao seu lado)
Erga mais a tocha, Lucius para que eu posso vê-lo melhor.

A luz da tocha na medida que bate no rosto de Merlin, também reflete no rosto de Ambrosius. Este é tão moreno quanto Merlin e tem os mesmos olhos escuros e traços bastante semelhantes. Merlin percebendo que este não é o homem de gorro, começa a se desculpar, meio gaguejando.

MERLIN
Não era o senhor, o homem de gorro que vi matar o
touro. Sinto muito. Acho que foi uma das minhas...
Foi um sonho. Desculpe.
AMBROSIUS
Um sonho? Estranho dizer isso agora. Como se chama
e de onde veio?

MERLIN
Myrddin, senhor e vim de Gales.

AMBROSIUS
(satisfeito)
Ah! Então você é o garoto que trouxeram de Maridunum?

MERLIN
Sou. Como sabia de mim?
(caindo em si, estupefato)
O senhor deve ser o conde. O próprio Ambrosius!

AMBROSIUS
E quem é você, Myrddin, para querer me prestar
serviços? O que pode me oferecer, para que eu não o
mate aqui, agora mesmo, permitindo que os homens
voltem para casa e livrem-se do frio?

MERLIN
Não faz diferença quem eu seja, senhor. Mas sou neto
do rei de Gales do Sul. Ele morreu e agora meu tio Camlach
é o rei, o que também não me ajuda em nada. Pelo
contrário, ele quer me matar. Desse modo, eu não teria
utilidade nem como refém. Não é quem sou, mas o que
sou que importa. Tenho algo a oferecer-lhe, meu senhor.
Saberá o que é, se me deixar viver até o amanhecer.

AMBROSIUS
(zombando, mas sem sorrir)
Já sei. Tem informações úteis e fala cinco línguas. E
também sonha, parece-me. De quem é filho?

MERLIN
De Niniane, a filha do rei e meu pai, bem, ela nunca
me contou. Dizem por lá que eu sou o filho do Príncipe
das Trevas.

AMBROSIUS
(rindo)
Então não é de estranhar que você queira ajudar reis a
tomar posse de seus reinos, ou sonhe com os deuses
sob a luz das estrelas.
(recua fazendo a capa girar)
Um de vocês, leve-o e Uther devolva-lhe a capa,
antes que ele morra diante de nossos olhos...

Uther fica inconformado, ameaça dizer alguma coisa, mas desiste, devolvendo a capa como se agora tivesse nojo dela. Ambrosius monta em um enorme cavalo preto. Um homem pega Merlin e joga-o sobre um dos cavalos levando-o consigo. Vão saindo todos da cocheira.

58 - INT. CASA. GABINETE DE AMBROSIUS/ NOITE

Merlin está sentado em um banquinho ao lado da lareira. Está limpo e trocado com roupas finas de príncipe, denotando que fora tratado antes de se encontrar novamente com o conde. Este está sentado atrás de uma mesa enorme, com tampo de mármore italiano, onde estão esparramados pergaminhos, mapas e material de escrita. A sua cadeira tem enormes cabeças de leão. Ele que está sentado meio de lado na cadeira, afasta-se para trás e coloca as mãos sobre as cabeças entalhadas nos braços da cadeira. Um lampião está sobre a mesa e ilumina seu rosto. Observa Merlin atentamente.

AMBROSIUS
Myrddin, filho de Niniane, filha do rei de Gales
do Sul...e conhecedor, segundo me disseram, dos
segredos do palácio de Maridunum?

Merlin o encara apreensivo, porém confiante e sincero.

MERLIN
Desculpe, senhor. Mas não acho que seja bem assim.
Não sei se realmente posso lhe ser útil. Tudo o
que disse para seus homens foi para tentar me
salvar. Eu sei de algumas coisas, mas temo que
não lhe sejam suficientes o bastante.

AMBROSIUS
(não dando importância ao que ele disse)
Quando meus homens o encontraram, disseram
que estava fugindo. Onde tencionava ir?

MERLIN
A lugar algum. Não fiz planos. Eu simplesmente me
entreguei nas mãos de um deus e ele me trouxe até aqui.

AMBROSIUS
(sorrindo disfarçadamente)
Para mim?
(Merlin concorda)
Por que não esperou que os homens fossem lhe buscar
no navio?

MERLIN
Tive medo que percebessem que não valia muita
coisa e me matassem antes de me apresentar ao senhor.

AMBROSIUS
E assim, saltou para terra no meio de uma noite de
inverno, num país estranho, e o deus jogou-o aos meus
pés. Você e o deus, Myrddin, formam uma dupla
poderosa. Talvez você possa me servir. Mas, antes
disso, me diga por que chama-se “Myrddin”. Sua
mãe nunca lhe disse o nome de seu pai? Nunca
fez uma insinuação?

MERLIN
Bem, Myrddin é nome do deus das colinas ocas.
Quanto ao nome de meu pai...eu não sei por que,
mas sempre tive a sensação de que meu segundo
nome, Emrys, era o nome dele. E como no dia do
meu nascimento um falcão entrou pela janela,
ela passou a me chamar de Merlin.

AMBROSIUS
Então também o chamarei assim. Você é corajoso e
parece que tem olhos capazes de enxergar muito
longe. Talvez um dia eu precise de seus olhos, mas
hoje podemos começar com algo mais simples.
Fale-me de sua casa... O que foi?

Merlin encara-o, meio relutante. Ambrosius estranha sua reação, mas parece compreender.

AMBROSIUS
Já sei, me falará qualquer coisa desde que eu
prometa não machucar sua mãe se invadir a Bretanha?
Pois farei mais, prometo que pouparei não só à
ela, como à qualquer pessoa que me peça para proteger.


MERLIN
(espantado)
É muito generoso, senhor.

AMBROSIUS
(sorrindo)
Se eu tomar a Bretanha, poderei me dar ao luxo
de ser generoso. Com alguma reserva é claro. Ficaria
difícil atendê-lo, se me pedisse a anistia de seu tio
Camlach.

MERLIN
Isso não acontecerá. Quando o senhor invadir a Bretanha
ele estará morto.

Silêncio. Ambos percebem que a última frase de Merlin foi mais uma profecia. Ambrosius tenta comentar alguma coisa, mas muda de idéia. Volta ao assunto anterior.

AMBROSIUS
Agora tem minha promessa. Pode começar a me
descrever sua casa?

O som das vozes desaparece e vemos os dois conversando.

59 - EXT. LADO DE FORA DA CASA/ HORAS DEPOIS/ AMANHECENDO

O sol começa a aparecer no horizonte. Um galo canta por perto. Um HOMEM aparece apagando as tochas penduradas na parede.

60 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ AMANHECENDO

Ambos estão na mesma posição de antes. Merlin parece bastante cansado e com sono. Ambrosius por sua vez continua tão ativo quanto antes. Escuta-se novamente o canto do galo. Ambrosius está brincando com um estilete nas mãos. Pára e olha para o garoto por debaixo das sobrancelhas, pensativo.

AMBROSIUS
Estava pensando agora. De quem herdou a Visão?
De sua mãe?

MERLIN
(surpreso)
Sim, senhor, mas é diferente. Ela só tinha visões que
as mulheres têm...coisas de amor. Depois ficou com
medo do poder e abandonou-o, por isso resolveu
entrar para o convento.

AMBROSIUS
E você tem medo?

MERLIN
Sou homem e os homens não desprezam nenhum
tipo de poder.

AMBROSIUS
Tem razão. Está escutando o galo? É hora de dormir
e você parece meio morto de sono.
(levanta-se)
Vai dormir no meu quarto hoje. Por aqui.

61 - INT. QUARTO DE AMBROSIUS/ AMANHECENDO

O quarto é todo de estilo romano. Há uma cama grande, com cobertores vermelhos de lã, tapetes de pele e uma trípode de bronze da altura de um homem, que sustenta três lâmpadas em forma de pequenos dragões soltando chamas pela boca. Cortinas marrons e espessas escondem as janelas. Do outro lado do quarto há uma cama menor, com cortinas marrons protegendo-a . Merlin corre para cama, tira sua túnica e mergulha de baixo dos cobertores maravilhado. Não demora muito para que pegue no sono. Quando Ambrosius aproxima-se para desejar boa noite, Merlin já está dormindo. Sorri e fica um instante a contemplá-lo. Um pouco hesitante, passa suavemente a mão por sobre seus cabelos, acariciando-o . Em seguida, vemo-lo em frente ao espelho tirando a capa, que está presa por um broche vermelho com o símbolo do dragão. Olha para o broche pensativo. Um SERVO está ao seu lado ajudando-o . Ambrosius abre uma caixinha que está sobre uma mesa e tira um outro broche idêntico ao que usa. Estende-o para o servo.

AMBROSIUS
Coloque-o na túnica do menino e faça com que o use
de agora em diante.

O servo abaixa a cabeça respeitosamente e se afasta.

62 - INT. QUARTO DE AMBROSIUS/ DIA SEGUINTE/ TARDE

Merlin está sentado na cama terminando sua refeição. Vemos pão preto, favos de mel e figos secos. Cadal está sentado ao seu lado observando-o . Através da janela vemos uma colunata emoldurando um jardinzinho quadrado no qual jorra uma fonte solidificada em gelo.

MERLIN
(terminando de comer)
O que Ambrosius quer que eu faça?

CADAL
A única ordem que me deu foi que você ficasse aqui
descansando e que se sentisse em casa.

MERLIN
(estranhando)
Só isso? Eu pensei que fosse trabalhar para ele ou coisa
parecida. Tem certeza?

CADAL
Eu não sei de nada, a não ser o que me ordenam, ou
você esperava que o conde me fizesse confidências?

MERLIN
(mudando de assunto)
Meu senhor Uther mora aqui?

CADAL
(compreendendo)
Mora, mas não se preocupe. Ele viajou com sua tropa
para treinar na floresta, voltará daqui a um mês.

Merlin parece ficar aliviado. Cadal tira as coisas de cima da cama.

63 - EXT. CIDADE MURADA. PÁTIO EXTERNO/ TARDE

O castelo do rei Budec fica ao centro da cidade no alto de uma elevação rochosa cercada por um muro alto. Quando este aparece vemos uma legenda que diz: “CASTELO DO REI BUDEC”. Uma rampa de pedras leva ao portão principal, trancado e sob vigilância. Ambrosius está na cidade, observando seus homens se exercitarem com o manejo das espadas. Merlin está ao lado dele. Outros soldados construem carroças. Alguns carregam lenha, ou domam cavalos, ou fabricam instrumentos de metais. Todos que passam batem continência à Ambrosius e acenam com a cabeça respeitosamente para Merlin.

64 - INT. CIDADE MURADA. OFICINAS/ TARDE

Nas oficinas mais a diante, um grupo de engenheiros fazem cadeados, ou debruçam-se sobre projetos de navios, ou máquinas de guerra.

65 - EXT. CIDADE MURADA. PÁTIO EXTERNO/ TARDE

Ambrosius está no mesmo lugar de antes. Os homens não estão mais usando as espadas. Um grupo de oficiais está à sua frente escutando atentamente suas palavras. Merlin continua ao seu lado. Às vezes os oficiais olham para o menino estranhando sua presença e entreolham-se.

AMBROSIUS
(com vigor)
A guerra só é jogo fraco para soldados fracos. Lutarei
para vencer e , depois da vitória, lutarei para dominar.
A Bretanha é um grande país. Comparado com ela,
este recanto da Gália não passa de uma campina.
Assim, cavalheiros, lutaremos na primavera e no verão,
mas não nos retiraremos na primeira geada de outubro
para descansar e afiar nossas espadas, à espera da outra
primavera. A guerra continuará, sob a neve, se for
preciso, nas tempestades, no gelo e na lama do inverno.
E, durante todo esse tempo, nós e mais quinze mil
homens precisaremos comer, e comer bem.

66 - INT. CASTELO DE VORTIGERN. SALÃO DE REUNIÕES / TARDE

VORTIGERN está em pé em frente ao seu trono. Dois OFICIAIS estão lhe relatando algo. O salão é vasto, mas não muito luxuoso. A RAINHA está sentada no trono, olhando cobiçosamente para os oficiais discretamente.

VORTIGERN
(analisando)
Tem certeza que seus exércitos são só para defesa?
(os homens confirmam, o rei fica zombeteiro)
Muito bem, é o que queria saber. Ambrosius e seu
irmão Uther encararam com resignação seu destino
de exilados. Pelo jeito perceberam que vale mais
apenas serem herdeiros de Budec do que lutarem
comigo. Também, só loucos se arriscariam a lutar
contra mim, o Grande Rei da Bretanha!

FUNDE COM:

67 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ NOITE

Escuta-se a voz de Ambrosius falando enquanto a cena anterior se funde com esta.

VOZ DE AMBROSIUS
Toque para mim, Merlin.

Merlin está sentado num banquinho tocando uma arpa, enquanto Ambrosius o escuta concentrado sentado em sua cadeira.

NOTA: A MÚSICA INICIA-SE AGORA E VAI PERMEAR TODAS AS OUTRAS CENAS ATÉ O MOMENTO ONDE MERLIN PERDE-SE DE CADAL.

68 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ DIA

Merlin e Ambrosius estão sentados frente a frente jogando xadrez. Ambrosius faz um movimento confiante, mas Merlin dá outro e derruba seu rei em sinal de xeque-mate. Ambrosius olha-o insatisfeito, rindo em seguida.

69 - EXT. FLORESTA/ DIA-NOITE

Merlin está montado num pônei sendo seguido por Cadal. Aparecem em vários lugares da floresta, geralmente conversando. Parecem gostar muito um do outro. Merlin sai correndo com o pônei e momentos depois, está sozinho, perdido. Cadal desaparece. A CÂMERA passeia entre as folhagens, mostrando Merlin ao centro de uma clareira, junto com seus movimentos o tempo vai escurecendo. Cascos de cavalos são ouvidos. Estes se aproximam. SOLDADOS aparecem ao lado de Merlin, rodeando-o . Levam-no para UTHER, que está montado em um garanhão cinzento, com armadura. Outros HOMENS estão carregando tochas. Um dos soldados segura as rédeas do pônei de Merlin e dirige-se para Uther.

SOLDADO
(fazendo uma saudação militar)
É só um ,senhor.

Uther ergue a viseira só agora revelando sua identidade. Seus olhos azuis alargam-se surpresos.

UTHER
Tinha de ser você, naturalmente. Bem, Merlin, o
bastardo, o que está fazendo aqui sozinho?

MERLIN
(encarando-o)
Eu quis dar um passeio pela floresta e acabei me
afastando de meu servo, Cadal. Acredito que deva
estar por aí me procurando.

UTHER
Está mentindo, não está? O que iria fazer numa floresta
perigosa, à noite? Não é bem um passeio o que eu
imaginaria... O que está planejando afinal?

MERLIN
Nada senhor. Por favor pode me levar até o conde?
Ele costuma me ver após o jantar e não gosto de
deixá-lo esperando...

UTHER
(exasperado)
Quem é você para me dar ordens?! Seja o que for
que o liga ao meu irmão, você também me deve
obediência.

Uther aproximou o cavalo, inclinou-se sobre a cela de Merlin e agarrou-o pela gola, sacudindo-o .

UTHER
Entendeu, Myrddin Emrys?

De repente, Uther deixa-se arranhar com o broche do Dragão que prende a capa do menino. Dá um gemido, estalando os dedos para um dos carregadores de tochas e o homem aproxima-se. A luz cai sobre Merlin e o broche brilha.

UTHER
(mais calmo e sério)
Ele lhe deu esse broche? O Dragão Vermelho?

Pára de falar, com os olhos fixos no rosto de Merlin, que aguarda calmamente.

UTHER
(murmurando)
Myrddin Emrys...
(dá uma gargalhada alegre e divertida )
Tragam-no e cuidem para que ele não caia. Tenho
a impressão de que meu irmão o adora.

Vira o cavalo. A tropa segue atrás dele. Um dos homens guia o pônei de Merlin.

FUNDE COM:

70 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ NOITE

Ambrosius está em pé encostado no tampo da mesa. Uma tabuinha está sobre a mesa com um estilo atravessado sobre ela. Um pergaminho está meio desenrolado. Ele olha para Merlin.

AMBROSIUS
Uther me disse que estava andando na floresta sozinho.
O que pretendia?

Merlin faz menção de responder. O SECRETÁRIO de Ambrosius abre a cortina, interrompendo Merlin. Ambrosius que o olhava, desvia sua atenção para a porta.

SECRETÁRIO
Desculpe-me senhor, mas está aí um mensageiro do rei
Budec.

AMBROSIUS
Mande-o entrar.
(dirigindo-se para Merlin)
Espere um pouco, nós já falamos.

O MENSAGEIRO entra pela porta e entrega o pergaminho com a mensagem. Pelo ponto de vista de Merlin, vemos os dois conversando. Merlin vira lentamente o rosto como se algo o chamasse a atenção. A expressão de seu rosto se torna confusa e ele movimenta a cabeça como se estivesse hipnotizado pela luz das chamas. Estas sobem e descem estranhamente. De repente uma cena começa a se formar no centro das chamas expandindo-se. O rosto de MERLIN fica completamente paralisado. Seus olhos estão arregalados e o brilho das chamas se reflete neles. A cena termina de se expandir cobrindo toda a tela.

71 - EXT. ORLA DE ÁRVORES/ NOITE

A imagem começa mostrando a entrada de uma caverna. Galhos ao lado gotejam por causa da chuva. Abaixo deles está um poço esculpido na pedra cheio de água que transborda encharcando o solo. Ambrosius aos dezoito anos, sai da caverna e olha para os lados inquieto. Começa a andar. Uma legenda aparece escrita : “TREZE ANOS ANTES”. Ambrosius é visto de costas descendo o rochedo onde se encontra. À sua frente está uma orla de frondosas árvores. É quase noite e uma bruma densa cobre todo o lugar dando à cena um aspecto fantasmagórico. UM CAVALO CINZA está amarrado à uma das árvores, o focinho escondido em meio à bruma.
Ambrosius termina de descer e passa ao lado da fogueira que acendeu e cuja chama é muito fraca. Para e olha para ela com desalento.
Aproxima-se de seu cavalo e estende a mão para pegar o seu bridão e acariciá-lo quando escuta batidas de cascos subindo o vale.
Ambrosius vira a cabeça na direção do som. A CÂMERA fecha em seu rosto marcando sua respiração acelerada. Ele é visto de costas tirando a espada da bainha com cuidado. Ao erguê-la, esta brilha.
O cavalo ergue a cabeça livrando-se da bruma e suas narinas fremem sem barulho. O rosto de Ambrosius após um instante de observação subitamente relaxa e sorri.
UM PÔNEI aparece saindo da obscuridade, imerso em névoa até o lombo. O CAVALEIRO está enrolado em um manto por causa do frio. O pônei para, ergue a cabeça e emite um relincho longo e estridente.
Ambrosius, com a espada na mão, solta uma exclamação de pavor e escorrega para o chão, agarra o bridão abafando o som com um manto.
O cavaleiro tira o seu capuz e revela-se ser uma moça jovem.

AMBROSIUS
( comentando)
Você faz tanto barulho como uma tropa de cavalaria.

NINIANE
Quando percebi, já estava aqui. Tudo parece estranho,
no nevoeiro.
AMBROSIUS
Ninguém a viu? Veio em segurança?

NINIANE
Tanto quanto era possível. Não pude vir nos últimos
dois dias. Eles estavam nas estradas o tempo todo.

AMBROSIUS
Imaginei isso. Bem, agora você está aqui. Dê-me o
bridão.

Ambrosius ajuda Niniane a descer e depois leva o pônei para debaixo das árvores e amarra-o. Quando volta, a beija. Depois de um momento ela o empurra.

NINIANE
Não posso ficar. Trouxe as coisas, de modo que,
se não puder vir amanhã...

Niniane interrompe-se. Várias TAKES são mostrados do seu ponto de vista. O cavalo de Ambrosius selado, o cabresto enfaixado, a bolsa da cela cheia. Ela passa as mãos pelo peito dele. A CÂMERA detalha suas mãos tocando um broche com a imagem de um dragão vermelho prendendo a capa dele.

NINIANE
Eu sabia. Mesmo dormindo, a noite passada, eu
sabia. Você vai partir.

AMBROSIUS
(segura-lhe as mãos)
Preciso ir, ainda esta noite.

Niniane fica em silêncio por um instante.

NINIANE
Quanto tempo?

AMBROSIUS
Uma hora, duas, mais nada.

NINIANE
(afirmando subitamente convicta)
Você voltará.

Ambrosius tentou falar, mas ela o interrompeu.

NINIANE
Não fale mais. Já dissemos tudo e agora não há
mais tempo. Só quis dizer que você irá e voltará
em segurança. Eu sei. Tenho a Visão. Você voltará.

AMBROSIUS
Não preciso que a Visão me diga isso. Vou voltar.
Então, talvez, você me escute...

NINIANE
(silenciou-o quase com raiva)
Não! - Que importância isso tem? Só nos resta
uma hora e a estamos desperdiçando. Vamos entrar.

Ambrosius, que tirava o alfinete cravejado de pedras que fechava o manto dela , enquanto ela falava, agora passa um braço ao redor de seu corpo e guia-a na direção da caverna.

AMBROSIUS
Sim, vamos entrar.

Ambrosius e Niniane são mostrados caminhando em direção à caverna e a imagem se funde com o efeito das chamas crepitando na lareira do gabinete, descrendo devagar até sumir completamente.

72 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ NOITE

A imagem começa em FADE-OUT, simulando as pálpebras fechadas de Merlin.

VOZ DE AMBROSIUS
Merlin Emrys? Merlin?

As pálpebras se abrem, mostrando Ambrosius em pé na sua frente.
Merlin está sentado no mesmo banco de antes, olhando para os joelhos. Ambrosius está em pé entre o fogareiro e ele. Estão sozinhos na sala. Merlin pisca os olhos confuso e ergue o rosto.

AMBROSIUS
O que viu no fogo?

MERLIN
( sem olhá-lo)
Um bosque de espinheiros na encosta de uma colina.
Uma moça montada num pônei castanho e um rapaz
com um broche representando um dragão no ombro.
A bruma subia à altura dos joelhos.

Ambrosius suspira longamente. Então pega Merlin pelo queixo e ergue seu rosto. Seus olhos estão atentos e faiscantes.

AMBROSIUS
Seu poder é verdadeiro. Sabia que era, mas agora
não existe mais nenhuma dúvida. Naquela primeira
noite, perto da pedra, acreditei que você tivesse tido
uma visão, mas também achei que poderia ter sonhado,
ou contado um pequena mentira para chamar minha
atenção. Mas agora...

Ambrosius retira sua mão e endireita-se.

AMBROSIUS
Viu o rosto da moça?

Merlin assente com a cabeça.

AMBROSIUS
E do homem?

MERLIN
(encarando-o)
Vi, sim, senhor.

Ambrosius vira-se abruptamente e pára de costas para ele, cabeça baixa. Pega o estilo em suas mãos e fica virando-o entre os dedos. Depois de um instante fala.

AMBROSIUS
Há quanto tempo sabe?
MERLIN
Só soube agora à noite. Foi por causa do que Uther me
disse e do jeito com que me olhou, quando me viu
usando este broche.

Merlin toca o broche em seu ombro. Ambrosius continua em silêncio, inclinado sobre a mesa com uma das mãos espalmadas no tampo. Ele cruza a sala até a janela e depois volta-se, encarando-o.

AMBROSIUS
Foi um estranho encontro, o nosso, Merlin. Há tanto
para dizer e ao mesmo tempo tão pouco. Entende agora
por que fiz tantas perguntas? Por que empenhei-me
em descobrir o que o trouxera aqui?

MERLIN
Trabalho dos deuses, meu senhor. Foram eles que me
trouxeram para cá.
(abrupto)
Por que abandonou minha mãe?

AMBROSIUS
(em tom comedido)
Eu não a abandonei. Ela é que não quis vir comigo.
Nunca soube que ela tivera um filho. E mesmo se
soubesse, isso não mudaria a decisão dela. Não
queria que eu lutasse contra seu pai.
(aproximando-se de Merlin)
Você me odeia muito por isso, Merlin? Por ter tido
uma vida sem pai?

MERLIN
(olhando para as chamas)
Desde criança, pude escolher qualquer homem do
mundo para ser meu pai. Entre todos eles, eu escolheria
Aurelius Ambrosius.

Silêncio. Ambrosius olha-o com carinho no olhar. As chamas estão vivas, tremeluzindo.
AMBROSIUS
(sorrindo)
Nem todo homem ouve uma declaração dessas de
um filho crescido. Quem sabe foi melhor assim, nós
dois nos encontrarmos como homens, quando temos
o que dar um ao outro. Um homem que sempre conviveu
com os filhos não tem o privilégio de, subitamente, ver
o próprio rosto estampado no rosto de um garoto, como
vejo o meu no seu.

MERLIN
Somos tão parecidos?

AMBROSIUS
Dizem que sim, o que me fez entender por que
todo mundo adivinhou que era meu filho.
(encostando na borda da mesa, tranqüilo)
Emrys foi o nome que ela lhe deu. Sabia que Ambrosius
e Emrys tem o mesmo significado? Filho da Luz?

MERLIN
(rindo pensativo)
Isso explica o por quê dela sempre dizer que meu pai
era o Príncipe das Trevas.

AMBROSIUS
Bem, um dia, se eu me tornar rei, você reinará depois
de minha morte.

MERLIN
Desculpe, senhor, mas não nasci para ser rei. Meu
destino é ajudá-los a governar, talvez como conselheiro.
Acredite-me, Uther será melhor rei que eu.

AMBROSIUS
Se prefere assim...
(em tom urgente)
Merlinus Ambrosius, filho da luz, agora, antes que o
fogo morra, me diga o que vê. O que acontecerá a
Bretanha? O que será de mim e Uther?

Merlin tenta, olhando com força para as chamas, mas não consegue, sentindo-se muito cansado.

MERLIN
(cansado)
Desculpe, meu senhor, mas é inútil. Eu não controlo
o poder. Ele é que me controla. Talvez um dia eu consiga
ver toda a vez que me ordenar, mas agora é impossível.
Desculpe, mas ainda não encontrou seu vidente.


AMBROSIUS
( aproximando-se)
Não.

Ambrosius estende-lhe a mão. Merlin segura-a, levantando-se. Ambrosius o abraça e beija.

AMBROSIUS
Encontrei um filho. Vá dormir, Merlin, e tenha um
sono sem sonhos. Há muito tempo para visões. Boa
noite.

A cena termina apagando-se aos poucos até a tela ficar totalmente preta. Uma legenda aparece escrito “CINCO ANOS DEPOIS”.

73 - INT. CASA DE AMBROSIUS. GABINETE/ TARDE

Ambrosius está atrás de sua mesa lendo um pergaminho atentamente. O MENSAGEIRO que trouxe a notícia está à sua frente esperando ordens.

AMBROSIUS
(parando de ler)
Chame Merlin, imediatamente.

74 - INT. CIDADE MURADA. OFICINA/ TARDE

Merlin está agora com dezoito anos. Está mais alto que Ambrosius. Ele está construindo um mecanismo, tipo um guindaste para erguer pedras imensas, que na sua maquete são representadas por pequenas pedras brancas. Faz cálculos numa tabuinha e está bastante compenetrado. TREMORINUS, o engenheiro-chefe está atrás dele, observando-o divertido.

TREMORINUS
Ainda não desistiu da idéia de erguer a Ciranda
dos Gigantes? Sabe que é perda de tempo. Estas
pedras pesam toneladas!

MERLIN
(analisando os ângulos de sua maquete)
Não estou não, Tremorinus. Andei refazendo meus
cálculos. É bem possível que se abordar o problema
de outro ângulo, eu consiga...

Neste momento, o mensageiro entra pela porta. Merlin e Tremorinus viram para ele.

MENSAGEIRO
Merlinus Ambrosius, seu pai o chama.
75 - INT. GABINETE DE AMBROSIUS/ TARDE

Ambrosius continua no mesmo lugar de antes, a única diferença é que agora tem um mapa aberto à sua frente. Este representa a Inglaterra e França medievais. Merlin está na janela, escutando o vento.

AMBROSIUS
(olhando o mapa)
Você irá no próximo navio.
Aproximando-se da mesa, Merlin olha onde o dedo de seu pai indicava. A cidade que aparece é Maridunum.

MERLIN
Vou para Maridunum?

AMBROSIUS
(erguendo o olhar)
Gorlois da Cornualha tem me mandado estas notícias
de tempos em tempos durante vinte anos. Ele nunca foi
a favor de Vortigern, mas resolveu não esperar
minha chegada aliando-se a Vortimer. Este é o
momento, Merlin. Eu preciso ser o líder que o
povo da Bretanha tanto necessita. E você me ajudará
nisso.

MERLIN
Sim, senhor. Mas como?

AMBROSIUS
Preciso saber o que aconteceu à Gorlois, mas não
posso mandar ninguém diretamente. Ele precisa ser
vigiado, portanto mandarei você. Ninguém o reconhecerá
com certeza, mas seja discreto. Procure Galapas e obtenha
notícias de Gales. Marric vai com você. Mande mensagens
através dele. Agora que Camlach está morto, é bem possível
que Vortigern tenha invadido Maridunum.
(encarando-o por um momento)
Está ansioso por voltar para casa e saber as notícias,
não está?

MERLIN
(pensativo)
Isso pode esperar. Se eu perceber que as coisas não
estão muito bem, o que fará?

AMBROSIUS
(resoluto)
Eu invadirei.

76 - EXT. COSTA DE GALES/ MADRUGADA
As ondas batem no casco do navio ancorado. A neblina esparrama-se pela superfície da água. UM BOTE com três homens se afasta em direção à costa deserta. A margem está mal definida por causa do nevoeiro. Merlin e Cadal estão sentados no barco, enquanto Marric, um pouco mais velho agora, rema. Escuta-se o som dos balidos das ovelhas a diante e o canto dos galos. O tempo começa a clarear. Merlin inclina-se no bote para ver melhor. Cadal fala ao seu ouvido.


CADAL
Contente em voltar?

MERLIN
Isso vai depender do que encontrarmos.

77 - EXT. CAMPOS VERDES DE MARIDUNUM/ MANHÃ

Merlin e Cadal estão de pé ao lado de dois cavalos velhos e magros. Marric está dando as últimas informações.

MARRIC
Eu vou procurar meus antigos contatos na cidade
e ver o que descubro. Lembre-se que qualquer
situação de emergência é só me avisar e eu voltarei
para informar o conde. Tenham cuidado.

78 - EXT. ENCOSTA DA CAVERNA/HORAS MAIS TARDE/ MANHÃ

Merlin e Cadal estão na encosta abaixo da caverna. Cadal está amarrando os cavalos.

MERLIN
Fique aqui, eu volto daqui a uma hora.

79 - EXT. FRENTE DA CAVERNA/ MANHÃ

Merlin pára em frente a entrada. A fonte aparece cheia de destroços, pedras e sujeira, tampando a bacia, transbordando a água, criando lama em volta. Um tocha apagada está presa a uma saliência ao lado da porta. Merlin a pega e um pouco duvidoso ergue a mão como fazia antigamente e acende a tocha. Sorri satisfeito. Entra na caverna.
80 - INT. CAVERNA PRINCIPAL/ MANHÃ

A caverna está devastada. Os baús e pergaminhos estão queimados pelo chão. Merlin ergue a tocha para o teto. Os morcegos não estão mais lá. Procura então a entrada da caverna de cristal, e joga a luz para dentro dela. A voz de Galapas é escutada, meia distante, um tanto fantasmagórica.

VOZ DE GALAPAS
Estou aqui fora, Merlin.

MERLIN
Galapas? Galapas?

E sai de dentro da caverna apressado.

81 - EXT. COLINA ACIMA DA CAVERNA/ MANHÃ

Corvos voam acima e um abutre passa por perto. A tocha está caída ao chão apagada. Merlin está olhando outros dois abutres bicando alguma coisa em meio às folhagens. Irrita-se, pega a tocha e os afasta dali. Aproxima-se. Vemos pelo seu ponto de vista, um esqueleto confundindo-se na relva. A túnica e as sandálias são as mesmas de Galapas. Uma sombra se projeta no chão e Cadal aparece ao lado de Merlin.

CADAL
Vi as aves subindo...
(olhando para o esqueleto)
Galapas?

MERLIN
(assentindo)
Não notei que demorei tanto.

Merlin fica ainda um instante parado observando e escuta a voz de Galapas repetindo a mesma frase que dissera no passado, enquanto isso Cadal está cobrindo a esqueleto com pedras.

VOZ DE GALAPAS
Você tornará a me ver. Eu prometo....

O monte de pedras que Cadal ergue logo se transforma em um monte de relva, mostrando como ficará daqui um tempo.

82 - EXT. PORTÃO DO CONVENTO DE SÃO PEDRO/ NOITE

Merlin e Cadal estão em frente ao portão. Está escuro e as ruas estão desertas.
MERLIN
Vou tentar falar com minha mãe. Pelo jeito não
tocaram no lugar. Vortigern deve ter deixado-a
em paz. Por isso preciso saber de que lado ela está
agora...

Merlin se prepara para tocar a sineta enquanto fala, quando TRÊS SOLDADOS gritam de longe. Cadal está escondido entre as sombras.

SOLDADO
Ei! Quem é você?

Merlin e Cadal se afastam do portão. Os homens correm atrás deles, vendo apenas o rapaz. Cadal cai numa encosta por perto e se esconde entre as ramagens. Merlin não consegue se esconder a tempo. É pego pelos soldados. Cadal vê seu amo sendo capturado e sua expressão fica inconformada. Os soldados se afastam dali, levando Merlin a força até a luz das tochas em frente ao portão do convento.

MERLIN
Podem me soltar?

SOLDADO
Claro, se me disser quem é primeiro. Por que fugiu
de nós?

MERLIN
Não pensei que eram homens do rei Vortigern.
Esta cidade está acuada por ladrões e malfeitores.
Meu nome é Emrys. Nasci aqui, mas morei na
Cornualha por um tempo, como religioso.
Estou procurando notícias de casa.

SOLDADO
(fazendo um gesto com a cabeça)
Pode soltá-lo. Não pode ficar correndo assim...Nem
parece um homem.

Merlin faz um gesto de enfado. Visivelmente não suporta mais ser tachado de não ser um homem. Um dos soldados que havia segurado-o, olha-o agora de frente. Este é velho e parece que está reconhecendo Merlin.

SOLDADO MAIS VELHO
Estou reconhecendo-o, senhor. Ele é neto do rei
velho. Disse que seu nome é Emrys. Claro! Myrddin
Emrys! O homem que estamos procurando!
SOLDADO
(corrigindo)
Que Vortigern está procurando, você quer dizer.

MERLIN
(desconfiado)
Por que Vortigern está me procurando?

SOLDADO
Isso o próprio rei o esclarecerá. Venha conosco.

MERLIN
(desafiando)
Quem vai me obrigar?

O soldado aproxima a faca de seu pescoço e sorri zombeteiro.

MERLIN
(irônico)
A Lei de Vortigern, entendo.

Cadal vê os quatro se afastando. Levanta-se rapidamente e desaparece em meio à floresta.

83 - INT. TAVERNA DE MARIDUNUM/ NOITE

Marric está sentado numa mesa rodeado de homens. Todos estão rindo. Um deles bate a mão no ombro dele, feliz.

HOMEM
Sentimos sua falta! Este tempo todo sem mandar
notícias! Parece que vem só quando lhe convém.

Marric meneia a cabeça discordando. Olha para frente e vê Cadal parado na porta, silencioso. Este faz movimentos de cabeça indicando a saída. O rosto de Marric se fecha. Levanta-se.

MARRIC
Desculpe senhores, mas acho que esqueci meu cavalo
debaixo da garoa fina. Ele está péssimo e se ficar doente
agora, não terei dinheiro para um novo.

Os homens riem de novo. O mesmo de antes comenta.

HOMEM
Sempre avarento, o nosso amigo Marric!
Marric sorri polidamente. Afasta-se da mesa.

84 - EXT. LADO DE FORA DA TAVERNA/ NOITE

Vemos Marric saindo pela porta da taverna. Cadal está impaciente aguardando do lado de fora. Tão logo o outro chega perto dele, começa a falar.

CADAL
(apressado)
Os homens de Vortigern capturaram meu senhor
Merlin. Disseram que o rei o estava procurando e
que iriam levá-lo até ele.

MARRIC
O quê?
(recobrando a calma)
Segundo minhas fontes, Vortigern está construindo
um forte num penhasco à seis dias daqui. Provavelmente
é para lá que o levam.
(segurando Cadal pelos ombros)
Faça o seguinte. Siga-os à distância e vigie o rapaz.
Eu vou voltar no próximo navio. O conde deve ser avisado.

Cadal concorda com a cabeça e corre. O rosto de Marric é focalizado preocupado. Ele entra na taverna novamente.

85 - EXT. QUARTEL DO REI. VALE ENTRE PENHASCO E RIO/ TARDE

Vemos um acampamento num terreno plano entre o penhasco onde está sendo construído o forte e o rio. Há diversas tendas espalhadas pelo campo. Montanhas à distância são mostradas. Os mesmos soldados de antes aparecem levando Merlin à força pelos campos, pisando sobre a lama do chão. Está começando a chover.

86 - INT. SALÃO DE VORTIGERN/ TARDE

O salão é luxuoso com pilares de madeira sustentando cortinas bordadas. O chão é de ardósia esverdeada. O trono no tablado é dourado e bem entalhado. O rei está sentado nele. Ao seu lado, a rainha, está sentada em um trono igual, porém menor. Uma MULTIDÃO preenche o lugar. A maioria composta por HOMENS ARMADOS, no qual boa parte é formada por SAXÕES, povo bárbaro e rude. Atrás do trono enfileira-se vários padres e beatos, vestidos com túnicas brancas. Todos estão conversando, até que Merlin entra acompanhado de seus captores e o ambiente cai num silêncio absoluto. Todos olham para ele curiosos. Vortigern o observa atentamente e sorri.

VORTIGERN
(com gentileza falsa)
Vejo que veio bem escoltado, meu rapaz. A viagem
lhe foi agradável? O clima de abril é sempre assim,
inspirador.

Neste instante uma dama entra no recinto. É Niniane, mais velha, que vendo Merlin corre para ele emocionada.

NINIANE
(chorando)
Oh, meu filho! Que bom que está vivo! Depois
daquela noite eu não sabia mais o que pensar.
Onde esteve este tempo todo?

Merlin abraça sua mãe e procura controlar suas emoções pois sabe que está em perigo. Responde à sua pergunta bem alto para que todos possam ouvir.

MERLIN
Eu estive na Cornualha minha mãe. Fui ser aquilo
que sempre quis que eu fosse, um padre. Vivi em
reclusão num mosteiro. Senti saudades de casa e
resolvi voltar, mas fui muito mal recebido. Sabia que
os homens de meu senhor Vortigern me escoltaram
até aqui com uma faca em meu pescoço?

Os olhos de Niniane se enchem de indignação. Vira-se para o rei.

NINIANE
Este não havia sido o trato! Disse que procuraria
meu filho por mim, mas que não o machucaria!

VORTIGERN
(inabalável)
E não machuquei. Está intacto, não está? Mas antes
que se desvie do assunto principal, Lady Niniane, agora
vem minha parte do trato. Seu filho está aí, são e
salvo, agora quero que me conte quem é o pai dele.

Merlin olha para sua mãe temendo o pior. Tenha se aproximar dela, mas os soldados o impedem segurando-o. Niniane vê e se assusta. Pensa por um tempo com a cabeça baixa e levantando-a decide.

NINIANE
(resoluta)
Está certo. Eu prometi. Vou contar com uma condição,
que soltem meu filho e que estejamos sozinhos nesta
sala. O que irei relatar é um segredo que guardei por
anos e que não revelei nem ao meu próprio pai.
Espero que me filho me perdoe por isso.

Vortigern assente com a cabeça e com um gesto de braço manda toda multidão desaparecer. Enquanto todos saem, Merlin grita.

MERLIN
Mãe você não precisa dizer nada à eles! Eles me
encontram por acaso. Se tivessem cumprido a
promessa teriam chegado até a Cornualha...

O salão está vazio. Continuam apenas os padres e beatos, a rainha, o rei, Niniane, Merlin e os soldados que o vigiam.

VORTIGEN
Fique quieto, rapaz! Se não deixar sua mãe falar,
quebrarei qualquer promessa que tenha feito.
Continue Lady Niniane. A Senhora nunca foi casada
não é? Pois diga, como concebeu seu filho?

Merlin fica em situação de expectativa. Os homens não o seguram, mas estão bem próximos observando seus movimentos. Niniane respira fundo.

NINIANE
O pai de Merlin não era humano. Num dia de primavera,
eu vi um homem no meu quarto. Ele era alto e
moreno e não dizia nenhuma palavra. Durante dias
ele me visitava e ninguém conseguia vê-lo, a não
ser eu. Ele deitava-se comigo todas as noites.
Quando fiquei grávida, ele entrou numa sombra e
desapareceu. Nunca mais o vi. Dei a Merlin este
nome porque um falcão entrou em meu quarto no dia
de seu nascimento e me olhou com os mesmos olhos do
meu amante.

Inconscientemente Merlin relaxa o corpo. Os homens ao seu lado parecem ficar um pouco inquietos com o relato e se afastam alguns passos. Vortigern dirige-se a um dos padres às suas costas.

VORTIGERN
Isto é possível, Maugan?

MAUGAN
Perfeitamente possível. Os antigos nos contam
relatos de certos espíritos malévolos que vagueiam
pela noite e possuem mulheres mortais ao assumir
forma humana. Falei com uma das damas de
companhia da senhora e ela me confirmou que
seu filho fora realmente gerado pelo demônio.

Vortigern sorri satisfeito. Inclina-se para Niniane.

VORTIGERN
Era tudo o que precisava saber. Pode ir descansar,
minha senhora, a Rainha a acompanhará. Quero ficar
à sós com seu filho. Ele me será muito útil.

Niniane aproxima-se de Merlin. Parece preocupada.
NINIANE
(falando baixo)
Sinto muito, Merlin. Não queria que soubesse
assim, desta maneira...

MERLIN
(interrompendo-a)
Mãe, eu sei a verdade. Sei quem é o meu pai. Vivi
estes anos todos com ele. Ou pensava que havia
realmente virado padre?

Niniane arregala os olhos. A rainha a chama, saindo do salão. Merlin sorri confirmando. Niniane baixa os olhos e sai. Merlin então encara Vortigern. Este desce do tablado e mais homens se aproximam, vindos de fora. Com um gesto de mão, eles cercam o rapaz e o seguram. Merlin tenta se soltar, sacudindo-os.

MERLIN
(irritado)
O que significa isso? Quebra suas promessas com
uma facilidade espantosa meu senhor!

VORTIGERN
(atônito)
Promessa? Eu não prometi nada! Disse que não o
machucaria quando o encontrasse, mas não disse
nada com relação a depois disso... Você me é útil,
só isso.
(caminha até o trono falando)
Os alicerces de meu forte não ficam em pé. Tudo
já foi testado, homens ficaram de vigia à noite, mas
todos os dias pela manhã eles desabam sem nenhuma
explicação. Meus conselheiros aqui presentes, me
disseram que apenas o sangue de um homem, cujo o
pai não fosse humano, resolveria o problema, como
bem vê, sua utilidade é imensa.

MERLIN
(rindo ironicamente)
Bem se vê que seus conselheiros são um bando de
charlatões. Tenho certeza que se fosse lá fora e desse
uma olhada iria explicar por que os alicerces caem.
Simples problema de engenharia!
Os padres atrás do rei ficam indignados, cochichando uns com os outros, raivosamente. Um deles, um SENHOR DE BARBA GRISALHA parece não estar incomodado e esconde o riso com a mão, discretamente. Merlin repara nisso e estranha.

UM DOS PADRES
Não tente esconder! Você é cria do demônio sim!
Tinha até um mestre, que os homens de meu senhor
fizeram bem em matar!

Merlin fica surpreso, mas já esperava por isso. Muda de atitude. Sua postura agora é fria e calma.

MERLIN
(altivo)
Sou o filho do demônio? Pois bem, leve-me até o forte
e farei com os alicerces se firmem sem que vocês
precisem me matar.

VORTIGERN
(cético)
Como espera fazer isso com esta chuva?

De repente a chuva pára de cair e os homens olham uns para os outros aturdidos. Os que o seguram soltam rapidamente, como se estivessem segurando o próprio demônio. Merlin sorri satisfeito.

MERLIN
Está vendo? Vamos, Vortigern. Ordene que levem as
tochas. Precisaremos delas.

87 - EXT. ALTO DO PENHASCO/ TARDE

Todos os homens estão reunidos em volta de Merlin. Ele inspeciona o lugar atentamente. De longe vemos o vale com o acampamento e o rio passando ao lado. Várias PESSOAS se movimentam de um lado para o outro entre as tendas. Atrás deles estão as montanhas e um grande bosque de carvalhos. Mais a frente está o forte do rei, parcialmente construído na rocha. Apenas uma torre está intacta. Esta é cercada por encostas vertiginosas e despenhadeiros. Vemos os alicerces derrubados no chão e vários TRABALHADORES tentando reconstrui-los. Os padres cochicham no ouvido do rei, que em cima de uma mula, escuta tudo observando o rapaz. Merlin vê o que parece ser a entrada de uma caverna mais adiante, bem debaixo do forte. Balança a cabeça pensativo. Vira-se para o rei.

MERLIN
Eu preciso de uma tocha. Acredito que encontrei
o problema.

Todos ficam olhando para ele sem fazer menção de se aproximar. O Homem de Barba Grisalha dá um passo à frente e lhe estende uma tocha. Merlin aceita e dirige-se para a abertura na rocha. A um sinal do rei, alguns soldados o acompanham e todo o resto, inclusive ele, seguem logo atrás.

88 - INT. CAVERNA/ TARDE

O chão da caverna está totalmente coberto por água, a não ser algumas pedras mais altas, que ainda permanecem secas. As paredes refletem os movimentos da água, deixando o ambiente mais claro. O som de água caindo em algum lugar é nítido. Merlin ergue a tocha e anda rapidamente. As pessoas atrás dele se acotovelam , curiosas. O rapaz os olha, enfadado. Chega ao centro da caverna e lá estende-se um grande lago. As paredes estão ruindo ao redor dele, dando a idéia clara de que este lençol de água é o que não deixa os alicerces em pé, desestruturando-os. Merlin olha para o fundo do lago e ergue a mão para que Vortigern se aproxime. Este fica ao seu lado.

MERLIN
(olhando para o lago)
Parece que o problema se encontra dentro deste lago.
Acredito que se o drenarmos, poderíamos...

Merlin interrompe-se parecendo sentir muita dor, seus olhos se abrem mostrando um aspecto estranho. Ele vê luzes tremeluzindo e subindo de dentro do lago. Os homens olham para ele assustados, mas não enxergam as formas luminosas. Parecendo hipnotizado, ele profetiza solenemente.

MERLIN
Rei Vortigern! Seu forte não é resistente porque as
bestas que habitam este lago não o permitem. Eu
vi a luta entre o Dragão Branco, que é você e o
Dragão Vermelho. O Vermelho não parecerá
muito esperto, mas vencerá no final. A terra
será banhada por sangue e devastação e quando
o Urso sair da Cornualha, a paz reinará sobre este
reino e seu nome será conhecido pelos séculos como
Arthur!

Enquanto Merlin fala, todos olham para ele assustados e do ponto de vista dele vemos as figuras dos dragões lutando, o urso chegando e um rapaz vestido de branco com uma espada na mão. De repente tudo escurece e Merlin desmaia.

89 - INT. QUARTO DE MERLIN/ TRÊS DIAS DEPOIS/ TARDE

A cena começa em FADE-OUT simulando as pálpebras fechadas de Merlin. Estas se abrem mostrando o lugar onde está dormindo. A quarto está forrado de panos bordados. O sol entra pela janela. Merlin está deitado numa cama enrolado em peles macias. Mexe-se um pouco na cama até virar para o lado e ver Cadal sentado, com o alívio no rosto.

CADAL
Já era tempo!

MERLIN
(feliz)
Cadal! Como é bom ver você!
(olhando ao redor)
Onde estou?

CADAL
Não se lembra? Profetizou para Vortigern e ganhou
seu melhor quarto de hóspedes. Quando cheguei e
vi toda essa polvorosa , disse que era seu criado
e eles me escoltaram até aqui, como seu eu fizesse
um favor cuidando do poderoso mago para eles.

MERLIN
Quer dizer que não pretendem mais me matar?

CADAL
Matá-lo? Do jeito que as coisas estão é mais provável
que sacrifiquem virgens em seu louvor! Que desperdício!
Sabia que dormiu por três dias?

MERLIN
(levantando-se)
Tanto assim? Onde está minha mãe?

CADAL
Ela veio lhe ver ontem à tarde para ter certeza de que
estava bem e partiu para Maridunum.

Merlin que está vestido apenas com uma tanga, procura algo no baú em frente para se vestir, enquanto Cadal fala. Quando este vê o que o amo está fazendo, esclarece.

CADAL
Vortigern lhe mandou estas roupas. Disse que são
trajes apropriados para um mago, ou melhor, para o
Profeta do Rei, como andam chamando por aí.

Merlin tira do baú um manto roxo cheio de estrelas e luas bordadas e um cajado com cobras enroladas. Vira-se para Cadal e ri.

MERLIN
Não acredito que terei que usar isso! Muito bem, façamos
o jogo deles. Vamos ver até onde isso vai.

Cadal o encara apreensivo e fica na sua frente enquanto ele se troca. Merlin coloca o broche do dragão escondido numa das dobras da capa.

CADAL
Meu amo. Merlin. Não se arrisque assim. Vortigern é
um lobo e sabe disso. Você disse na sua profecia
alguma coisa sobre bestas habitando um lago e estão
drenando-o há dois dias. Se não encontrarem nada
irão matá-lo. Homens estão em todas as portas vigiando-o .
Eu vou roubar uns cavalos.

MERLIN
(pensativo)
Entendi. Vá fazer isso então. Fique me esperando no
meio da floresta, num lugar onde uma árvore está
caída. Encontrará o lugar.
(Cadal fica na porta impedindo a passagem)
Agora deixe-me fazer o meu papel. Cadal, não se preocupe,
o dia da minha morte ainda não chegou. Vai discutir
com um profeta?

90 - EXT. ALTO DO PENHASCO/ TARDE

Merlin chega ao alto do penhasco vestindo o manto e ficando seu cajado a cada passo que dá no chão coberto de lama e relva. Centenas de MINEIROS estão entrando e saindo da caverna com baldes cheios de água, jogando aos pés de Vortigern que está montado em sua mula, olhando para o resultado nada satisfeito. Merlin vai passando pelas pessoas, e estas abrem passagem, temerosas. O CHEFE dos mineiros joga o último balde de água aos pés do rei. Passa as mãos no rosto suado e encara-o .

CHEFE
Meu senhor, este foi o último. Não há mais nada lá.
Nenhum sinal de dragões ou bestas.

Vortigern vira o rosto e encara Merlin insatisfeito. Os padres estão à sua volta, silenciosos.

VORTIGERN
(impaciente)
E então?

Merlin dá um passo à frente ficando na borda do penhasco. Uma rajada de vento atinge o lugar com violência fazendo com que o estandarte do rei, onde se vê o desenho de um DRAGÃO BRANCO chicoteie, ameaçando se desprender do mastro, que balança com força no chão molhado. De repente o mastro solta-se das mãos de alguns HOMENS que ainda tentam segurá-lo e cai no chão, sujando o estandarte de lama, bem aos pés do rei. O vento passa. Todos olham o estandarte no chão e a lama parece sangue, vermelha como está. Os padres ficam em polvorosa. Escutam-se diversas vozes falando ao mesmo tempo.

VOZ DE UM PADRE
Mau agouro!

VOZ DE UM SOLDADO
O dragão caiu!

Um SOLDADO tenta erguer o estandarte do chão, mas Merlin o impede. Este atira os braços para cima.

MERLIN
(gritando)
O deu falou! Parem de olhar para o chão e vejam o
céu. Lá está! O Dragão Vermelho! Não perca mais
tempo, Vortigern, com este forte! Por acaso uma
parede deterá o Dragão? Eu, Merlin, digo para que
saia daqui o mais breve possível e aguarde, pois o
Dragão Vermelho chegou!

Enquanto Merlin fala uma estrela cadente vermelha passa ante seus olhos ilustrando suas palavras. Os homens falam aos berros. Vortigern tenta acalmá-los. Há correria para todos os lados.

91 – EXT. COSTA DA BRETANHA. TOTNES, DEVON/ TARDE

Um SOLDADO enfinca o estandarte do dragão vermelho na terra. Vários navios estão atracando na costa. Milhares de soldados estão desembarcado com seus cavalos. Ambrosius aparece em um garanhão negro. Uther está ao seu lado dando ordens. O rosto de Ambrosius é focalizado, ele sorri por estar em casa e o broche do dragão em seu ombro brilha.

92 – EXT. ALTO DO PENHASCO/ TARDE

Em meio a correria, Merlin enrola-se calmamente em sua capa e afasta-se do local. Ninguém ameaça pará-lo. Todos correm de um lado para o outro. Lá embaixo, as tendas estão sendo desfeitas às pressas. O homem de Barba Grisalha o acompanha com o olhar e o segue discretamente, em meio à correria.

93 – EXT. MEIO DA FLORESTA/ TARDE

A floresta é de carvalhos e do outro lado há um campo escuro. Em meio à uma clareira está uma árvore caída. A continuação do rio passa mais a diante. Merlin aparece andando por aí, procurando Cadal. Este aparece perto de um dos carvalhos. Merlin vai até ele. Cadal está segurando os cavalos pelas rédeas.

CADAL
(em tom urgente)
Venha meu senhor, eu o ajudo a montar.

Enquanto ergue Merlin na sela, este comenta.

MERLIN
Você escutou o que disse? Viu a estrela cadente?

CADAL
(parecendo assustado)
Vi meu senhor.

MERLIN
(encarando-o)
Você me prometeu que nunca mais teria medo de
mim, lembra? Vamos!

Cadal monta em seu cavalo e ambos cavalgam em direção à floresta fechada. Um CAVALEIRO aparece mais adiante esperando. Os cavalos se assustam e param. Cadal tira a espada da bainha. Merlin o observa e percebe que se trata do Barba Grisalha. Este é Gorlois da Cornualha.

GORLOIS
(calmamente)
Baixe a arma. Sou amigo.

Cadal aproxima-se e pega a rédea do cavalo de Gorlois. Os cavalos pateiam e bufam.

MERLIN
Amigo de quem?
GORLOIS
De Ambrosius. Meu nome é Gorlois de Tintagel,
Cornualha.

Cadal parece ficar surpreso, mas não guarda a espada.

MERLIN
(falando devagar)
Então, senhor, seria melhor perguntar o que estava
fazendo junto de Vortigern.

GORLOIS
(os olhos brilhando)
O mesmo que você, Merlinus Ambrosius. Vim ao norte
espionar pessoalmente, para mandar dizer à ele. O
oeste já esperou demais. Mas você se adiantou.


MERLIN
Veio sozinho?

GORLOIS
(dando uma risada curta)
Procurar Vortigern sem tropas? De modo algum.
Meus homens logo me seguirão, mas eu precisava
alcançá-lo. Quero notícias.
(vendo que Merlin olhava-o desconfiado)
Por Deus homem! Duvida de mim? Vim ao seu encontro
sozinho!

MERLIN
Não duvido senhor. Se deseja conversa comigo, terá
que ser em viagem. Precisamos partir e depressa.

Gorlois sorriu satisfeito. Os três então partem atravessando a floresta. Merlin o encara curioso.

MERLIN
Adivinhou quando o viu o broche?

GORLOIS
Antes disso. Você se parece muito com ele, Merlinus
Ambrosius.
(dando risada)
E juro que de vez em quando também se parece com
seu progenitor diabólico!

Ambos riem. Somem pela floresta. Só ficam as árvores e o rio passando tranqüilamente na paisagem.

94 - EXT. CAMPOS DO DEVON/ TARDE

Extensas fileiras de HOMENS e CAVALOS estão subindo pelos campos. Ambrosius está à frente, Uther um pouco mais afastado. À medida que vão cavalgando, outros HOMENS em armaduras vão saudando-o e entrando nas fileiras, engrossando-a . Vemo-los de frente, perdendo-se no horizonte os últimos das fileiras.

95 – EXT. ACAMPAMENTO. DEVON/ NOITE

Uther está lendo um pergaminho dado por um MENSAGEIRO. Caminha com ele nas mãos em direção à Ambrosius que está conversando com alguns OFICIAIS. Estende para ele.

UTHER
(impressionado)
O poderoso bispo Eldad declarou-se ao seu favor.
Esse homem vai arrastar consigo toda a Bretanha
cristã!

96 – INT. TENDA DE AMBROSIUS. CORNUALHA/ DIA

Gorlois está em frente à Ambrosius em atitude respeitosa. Vários OFICIAIS estão à sua volta, tanto de Gorlois quanto de Ambrosius.

GORLOIS
Meu senhor, é uma honra estar em sua presença.
Vortigern fugiu para Gales. Se o senhor derrotá-lo,
meu reino será anexado ao seu.

AMBROSIUS
(com a mão em seu ombro)
Obrigado pela oferta, meu amigo. Vamos desentocar
o velho lobo.

97 - EXT. COLINAS DOWARD. GALES/ NOITE

Um rio grande e plácido corre num desfiladeiro de encostas altas, cobertas por densas florestas. Ao lado dele erguem-se as duas colinas Doward. Uma é coberta por florestas e cavernas, a outra é rochosa e em seu topo íngreme ergue-se uma fortaleza. À sua volta existe uma muralha dupla e um fosso. O exército de Ambrosius e seus recém-aliados estão acampados no lado oeste das colinas Doward, em Ganarew. Estão em sítio há três dias. Aríetes armados tentam derrubar as defesas, mas sem sucesso. LÍDERES cansados com a falta de resultados vão falar à Ambrosius em sua tenda.

98 - INT. TENDA DE AMBROSIUS/ TARDE

Ambrosius está sentado atrás de uma mesa improvisada, cheia de pergaminhos e mapas. Três Líderes estão à sua frente. Suas expressões denotam cansaço e insatisfação. Um deles aproxima-se com a viseira na mão.

LÍDER
Meu senhor, eu estive conversando com outros aliados
e chegamos à conclusão que é inútil permanecer neste
cerco. Esta fortaleza jamais foi tomada. Ou partimos
agora para lutar com aqueles bárbaros ou desertamos
todos.

Ambrosius não responde, limita-se à fitá-los pensativo.

AMBROSIUS
(depois de uma pausa)
Mandem chamar o mensageiro. Vou ditar as condições
da rendição.

Os homens ficam satisfeitos, concordando com a cabeça.

99 - INT. TENDA DE AMBROSIUS/ NOITE

Ambrosius está de costas para a entrada da tenda. Vários homens estão com ele. Um gemido arquejante é escutado e ele vira-se. O MENSAGEIRO está entrando na tenda, meio cambaleante. Suas mãos foram decepadas e estão amarradas numa trouxa sangrenta, presa ao cinto. Ele tenta manter-se de pé o suficiente para dar a mensagem.

MENSAGEIRO
(arquejante)
Senhor, disseram que poderá ficar aqui até que
seu exército apodreça, e que pode considerar-se
sem mãos, como eu. Eles têm bastante comida e
água, senhor. Eu vi...

AMBROSIUS
(firme, mas não insensível)
Foi Vortigern que ordenou que lhe cortassem as
mãos?

MENSAGEIRO
Foi a rainha.

Neste instante cai para frente, aos pés de Ambrosius e suas mãos rolam para fora do saco gotejante, esparramando-se no chão.

AMBROSIUS
Então queimaremos o ninho de vespas, com sua
rainha e tudo.
(olhando para o homem)
Cuidem dele.


100 - EXT. LADO DE FORA DA FORTALEZA/ NOITE

Uma fileira de arqueiros estão alinhados em suas posições. Flechas com as pontas envolvidas em trapos embebidos em óleo e incendiados chovem sobre a fortaleza. Fogueiras são acesas em volta da muralha. Ambrosius está montado em um cavalo branco, assistindo a cena. A fortaleza logo pega fogo e a luz das chamas é tão intensa que deixa o cavalo de Ambrosius praticamente vermelho. O estandarte do dragão está flutuando sobre sua cabeça. No alto da torre vemos o outro estandarte, o do dragão branco, que pegando fogo, se enegrece e tomba voando pelos ares.

101 - INT. QUARTO DE NINIANE. CONVENTO DE SÃO PEDRO/ MANHÃ

Merlin está encostado na janela. Sua mãe está deitada numa cama simples, sem muitos ornamentos. O quarto tem as paredes nuas, com apenas um crucifixo feito de pedras preciosas pendurado acima da cama. Merlin está terminando de relatar sua história.

MERLIN
...e então eu deixei Gorlois, ele partiu para a Cornualha
e eu vim ver você. Está aí minha senhora, toda a história
do que fiz estes cinco anos.

NINIANE
(murmurando)
Então ele o reconheceu...

MERLIN
Sim. Chamam-me Merlinus Ambrosius.

Niniane começa a tossir fortemente. Merlin se assusta e corre para ela.

MERLIN
Mãe, a senhora está doente?
NINIANE
(empurrando-o levemente)
Não, não é nada. Uma pequena gripe. Eu já vou
melhorar.

Merlin fica um pouco desconfiado, mas levanta-se e caminha de novo para a janela.

MERLIN
Eu estou indo ver meu pai. Quer mandar alguma
mensagem?

NINIANE
(dando um sorriso estranho)
O que tenho a dizer a ele pode esperar até que nos
vejamos outra vez.

102 - EXT. CAMPO DE BATALHA DE CAERLEON / TARDE

Merlin está no topo de uma elevação rochosa, onde enrolado em sua capa assiste a batalha. Lá embaixo dois exércitos estão frente a frente esperando a hora de começar. Ambrosius encontra-se no centro de seus homens. Uther está ao seu lado e mais adiante está Gorlois. O exército inimigo é formado por bárbaros, rudes e frenéticos que se amontoam perto um dos outros, contrastando com a organização quase romana de Ambrosius. Um dos SOLDADOS do lado de Ambrosius vê Merlin do alto da elevação com sua capa agitando-se com o vento e grita para os companheiros.

SOLDADO
(apontando)
Olhem! É o profeta Merlin!
Vários outros SOLDADOS olham para lá e erguem suas espadas em sinal de confiança. A batalha começa. Um pintarroxo pousa num espinheiro ao lado de Merlin, desviando sua atenção da batalha. O pássaro começa a cantar e seu canto vai subindo de volume até apagar os clamores da batalha lá embaixo. Merlin olha para o pássaro e sua expressão fica atônita como se tivesse sabido de algo, de repente. O sol está quase se pondo.

MERLIN
(murmurando)
Mãe...

103 - INT. ENFERMARIA/ NOITE

A enfermaria é um aposento comprido com cerca de cinqüenta feridos. Merlin está cuidando de um deles. Está nu da cintura para cima. O ferimento foi na coxa e ele está costurando-o . O homem no momento está desmaiado. Um AJUDANTE está por perto vendo outros feridos. Ambrosius aparece andando pelo corredor saudando cada enfermo, fazendo perguntas amáveis. Os feridos acordados parecem sentirem-se mais fortes com a presença do líder. Aproxima-se de Merlin. O ajudante oferece uma bacia com água e Merlin se lava. Ambrosius o olha sorrindo. Está vestido com a armadura um pouco amassada com os golpes e respingada de lama e sangue.

MERLIN
Meu senhor.

AMBROSIUS
(olhando o ferimento costurado)
Vejo que fez um bom trabalho.
(encarando o filho)
Nós devemos muito à você, Merlin, não só pelo
trabalho como médico, mas por Vortigern e por hoje
no campo de batalha. Os homens andam dizendo
que foi você que ganhou a batalha, ficando no alto
da colina. Consideram-no seu amuleto de sorte.
Suponho que tenha notícias.

MERLIN
(neutro)
Tenho.

O sorriso desaparece no rosto de Ambrosius.

MERLIN
Minha mãe morreu.

Ambrosius parece que vai chorar, mas segura as emoções fortemente. Vira-se para o ferido com olhos fixos em algum lugar. Fica um instante calado.

AMBROSIUS
(sem virar o rosto)
Quando foi?

MERLIN
Hoje, ao pôr-do-sol.

Ambrosius vira-se depressa, apertando os olhos atento. Então meneia a cabeça, aceitando. Sorri tristemente.

AMBROSIUS
E eu nem tive oportunidade de encontrá-la de novo.
Pensei que poderíamos enfim formar uma família.

MERLIN
Pretendia tomá-la por esposa?

AMBROSIUS
É o que eu sempre quis desde que a conheci...

104 – INT. IGREJA. YORK / TARDE

A Igreja está lotada por guerreiros e oficiais que assistem a cerimônia. Dezenas de padres estão rodeando Ambrosius, que vestido com um grande manto escarlate e outros adornos luxuosos, está sendo coroado rei. Vemos a coroa lindamente trabalhada sendo posta em sua cabeça. Ouvimos a voz do bispo que está fazendo a coroação.

VOZ DO BISPO
(solene)
Aurelius Ambrosius, rei de toda a Bretanha.

105 – INT. GABINETE DE AMBROSIUS. YORK/ NOITE

Merlin está sentado em uma cadeira ao lado da mesa. Ambrosius se aproxima dele, olhando-o nos olhos.


AMBROSIUS
Quero que construa uma monumento para mim,
Merlin. Quero que erga novamente as pedras
da Ciranda dos Gigantes e quando eu morrer,
quero que me enterre lá.

106 – EXT. CIRANDA DOS GIGANTES. AMESBURY/ DIA E NOITE

No mesmo lugar onde está Stonehenge, vemos as pedras sendo erguidas por centenas de homens, através de alavancas e guindastes semelhantes às maquetes que Merlin fazia na Bretanha Menor. Este está mais afastado dando ordens. Enquanto todas esta imagem passa escutamos a voz de Merlin profetizando.

VOZ DE MERLIN
(solene)
... e enquanto o rei estiver lá, sob a pedra, o reino
não cairá. A Ciranda ficará de pé por mais tempo
do que já ficou, sob a luz do céu vivo. E eu trarei a
grande pedra de volta. Será a lápide da sepultura,
o coração da Bretanha. Daí por diante, todos os
reis estarão reunidos em um só e todos os deuses
serão um único Deus. E você viverá outra vez na
Bretanha, para sempre, porque, juntos, criaremos
um rei cujo nome permanecerá pelo tempo que
a Ciranda permanecer e, mais que um símbolo,
ele será um escudo e uma espada viva.

Quando ele cita a grande pedra, vemos esta, que é branca e diferente das outras, sendo colocada sobre um túmulo, como uma lápide e nela está gravado o nome Aurelius Ambrosius. Merlin olha fixamente para ela até que enfim tomba no chão e fecha definitivamente o buraco onde seu pai está enterrado. Escuta-se ao longe a voz de Ambrosius, como recordação.

VOZ DE AMBROSIUS
Você me deu um reino e a imortalidade. O que mais
posso querer?

107 – EXT. CIRANDA DOS GIGANTES. AMESBURY/ UM MÊS DEPOIS/ MADRUGADA

Uma tropa se aproxima. Merlin está perto da lápide. Faz muito frio. Uther se aproxima com um COMPANHEIRO, salta da sela, enquanto o outro segura-lhe a rédea. Aproxima-se de Merlin. Apenas uma fogueira atrás deles ilumina o lugar.

UTHER
Merlin?

MERLIN
Meu senhor?

UTHER
(de mal-humor)
Escolhe uns horários bem estranhos. Tinha que ser de
madrugada? E com este tempo?

MERLIN
(sem se abalar)
Este é o melhor horário para ver o que fiz aqui.
Temos que esperar até o amanhecer.

UTHER
Bem, enquanto isso acho que podemos esclarecer
algumas coisinhas. Você não pode me servir como
serviu à Ambrosius. Ele estava enganado quando
disse que você me ajudaria a governar. Não quero
saber de suas profecias. Admito que tenha poder,
mas nós seguimos caminhos diferentes.

MERLIN
(sem encará-lo)
Eu sei, mas chegará o dia em que precisaremos trabalhar
juntos, queiramos ou não. Veja.

UTHER
(murmurando)
Bobagem...

O sol começa a nascer. Ambos se concentram no que irá acontecer. A luz traça uma linha brilhante do horizonte até a pedra tumular estendida diante deles. O sol sobe depressa e vemos a sombra do círculo de rochas girar numa longa elipse e apagar-se logo em seguida, sendo completamente coberto de luz. Merlin sorri. Uther o encara.

UTHER
(admirado)
Tem toda razão de sorrir satisfeito. É impressionante.

MERLIN
É um sorriso de alívio. Os cálculos me custaram semanas
de sono.

UTHER
Tremorinus me contou. Também contou o que você
disse.

MERLIN
O quê?

UTHER
(recitando)
“Vou adornar o túmulo com luz”.

Uther bate em seu ombro, gira num rodopio e marcha para o cavalo. Quando está montado nele avisa.

UTHER
Venha me visitar um dia, na minha corte, agora que
sou o rei, Uther Pendragon! Quem sabe eu encontre
alguma utilidade para você lá.

E se afasta com sua tropa. Merlin os vê partindo pensativo. Caminha para a floresta e desaparece. O sol vai espalhando sua luz pelo lugar e vemos a seguinte legenda aparecendo na tela, enquanto isso a tela vai se apagando aos poucos.

E A PARTIR DE ENTÃO, MERLIN VIVEU NA
CAVERNA DE GALAPAS, ESTUDANDO. E
SERVIU À UTHER DE UMA MANEIRA QUE
ELE NUNCA IMAGINARIA. LEVOU AO PODER
ABSOLUTO SEU ÚNICO FILHO. MUITAS INTRIGAS,
TRAIÇÕES E SOFRIMENTOS ESTAVAM POR
VIR, MAS MERLIN SABIA QUE ERA UM PREÇO
QUE TERIA QUE PAGAR PARA QUE TODA
A BRETANHA PUDESSE ENFIM CONHECER
O MAIS GRANDIOSO DE SEUS REIS, ARTHUR
PENDRAGON.




































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