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Pidder Lüng
Ninguém do Hörnum podia se casar; nisso, nem pensar. Eles não tinham nem moradia limpa e nem mobílias, nem gado, nem jardim, nem terra
e, como sempre, mal podiam se nutrir somente no inverno e, na primavera, novamente, se preparavam para o arrastão. A tralha deles não
tinha mais que alguns barcos de pesca, linhas, redes e outros utensílios. Por isso, então, muitos deles tiveram que trabalhar pelo salário
e tiveram que ganhar dinheiro anualmente como auxiliares ou marinheiros, geralmente em embarcações de Helgoländer.
Somente Jakob Lüng tinha uma casa limpa e um barco, velho, é certo, mas sempre forte e utilizável, herdado de seu pai. Também, ele sempre
teve bastante dinheiro e acudia as emergências dos demais pescadores de Hörnum. Além disso, ele vivia bem com sua esposa e retirou-se
para o Vale das Dunas, onde continuou negociando peixes, falando pouco, e cuidando principalmente de pouco interferir nas ações e na
vida das pessoas, visitando muito pouco outras áreas e aldeias da ilha.
Em um ano, sua esposa presenteou-lhe com um menininho, a quem ele mandou batizar com o nome de Peter, mas que os conterrâneos chamaram
de Pidder Lünge e, mais tarde, quando estava mais crescido, de Peter Longo, por causa do comprimento longo do seu corpo e dos seus
membros.
Depois disso, em Hörnum, o único pároco da capela, Sr. Mesmice, ficou por muitos anos sem o que fazer e nenhuma esmola a receber.
Casamentos e batismos de crianças não aconteciam lá, e enterros eram feitos no mar ou no velho cemitério das dunas. Os pescadores de
Hörnum não freqüentavam a igreja. Não gostavam de confissão e indulgência, missas, bênçãos e adoração de imagens. Eles pareciam não
temer o purgatório e o inferno; e riam das pragas rogadas pelo padre e das suas excomungações. Como o pastor Georg nada conseguia
deles com suas ameaças e excomunhões, ele tentava ganhar doações e alguns dízimos, na base da bajulação. No entanto, os pescadores
pareciam polir as palavras para se tornarem inacessíveis. Quando o ambicioso padre lhes pediu insistentemente para que mandassem uma
parte dos seus arrastões de peixes, ao invés de dízimos em dinheiro, pareceu-lhes que não poderiam resistir por muito tempo e
assumiram com ele o compromisso.
Um dia depois, um dos pescadores veio trazer um grande e pesado saco nas costas para o Sr. Georg, como parte do total do arrastão,
e cumprimentou-lhe em nome dos demais camaradas pescadores de Hörnum. O padre ficou contente, deu para o portador uma gorjeta e
recebeu a oferenda. O pescador se retirou rapidamente e, já estava longe, quando ele o abriu. A sós, como ele ficou decepcionado e
amargurado... É que o saco estava apinhado até no alto de baiacus, um tipo de peixe com espinhos venenosos que, naquela estação do
ano, era muito fácil de se encontrar em Hörnum.
Não era isso que o Sr. Georg esperava dos pescadores de Hörnum. Seu sentimento de revolta contra eles tornou-se sem limites. Ele
percebeu que nada conseguia com os pescadores, nem com boas maneiras, nem fazendo ameaças. Então, ele recorreu às autoridades com
uma petição. Enviou-a ao chefe de polícia, a fim de conter em Sylt os obstinados ladrões de praia e impenitentes pescadores. E não
é que seu pedido foi atendido? Foram contratados vigilantes, também, para Eiderstedt, ao norte da praia e para a região de Föhr.
Mas eles não tinham atentado, até então, para a solitária e remota Sylt e, muito menos ainda, que deveriam colocar um vigilante
de praia em Rantum. Desse modo, os silterianos receberam o primeiro vigilante de praia. Aconteceu que os moradores de Hörnum,
principalmente os pescadores, não queriam saber dele e nem de lhe obedecer.
Mas, antes, algo mais ainda de Pidder Lüng, o filho do Jakob Lüng. Quando ele ainda era pequeno, mas já grandinho, os pescadores
o elogiavam muito, só para se divertirem com ele nas horas ociosas, como passatempo. Porém, de vez em vez, o pequeno notava que
os pescadores estavam, apenas, caçoando dele e tentando-o, e, então, eles caíam em gargalhadas. O menino ficou tão cauteloso que
somente acreditava em seus pais e mais ninguém.
Um dia ele se distanciou para bem longe da moradia dos seus pais. Ele adentrou por um vale da duna e colhia as chamadas
flores-da-fome para brincar. Aí, uma menina de Neu Rantum apareceu por trás dele e, pé ante pé, tampou-lhe os olhos com as mãos,
de modo que ele nada pudesse ver. Pidder deu um grito de susto e arranhou as mãos da menina. Então, ela retirou as mãos e ele
pôde ver novamente.
"As flores que você escolheu são feias", disse a menina.
Irado, Pidder respondeu-lhe: "Elas são bonitas."
"Mas são malcheirosas", disse ela.
"Não, elas têm perfume", respondeu ele.
"Pidder Lüng, como você ainda é tão pequeno e fraco...", falou a menina de Neu Rantum.
"Não", disse Peter desafiando-a, "eu sou grande e forte".
"Mas você é mau".
"Não, eu não sou mau".
"Então, se você não é mau, siga-me e faça o que eu disser!"
"Eu não quero. "
"Mas, Pidder, venha, eu quero lhe lavar, você está sujo."
"Não, eu não estou sujo, eu não quero ser lavado."
"Ora, Peter, deixe que eu limpe pelo menos seu nariz?"
"Não!"
"Você não quer levar a minha cesta, menino teimoso?"
"Não, eu não quero, eu não sou teimoso."
Então, Pidder Lüng não quer ouvir mesmo?"
"Não, eu não quero ouvir!"
"Também, não quer ser bom?"
"Não, não quero ser bom."
Assim pensando cresceu Peter. Os pescadores que se divertiram com ele, deixavam-no desconfiado; meninas mimadas deixavam-no
obstinado. Ele tinha ficado tão zangado e teimoso que nunca dizia "sim" em resposta ao que lhe perguntavam ou pediam; ele
nem conhecia a palavra "talvez", só dizia "não". Ele só deixava de dizer "não" a sua mãe ou a uma criança pobre, chorando
de fome, ou diante da aflição e da miséria das pessoas. Aí, ele se transtornava, como se seu coração fosse partir, por
piedade. E ele foi crescendo e crescendo, ficou forte e já ajudava nos arrastões.
Numa noite de luar e de tempo aprazível, com os olhos voltados para o lugar onde antes ficava a casa do seu avô, ele sentiu
profunda saudade. Saudade do tempo em que o padre Georg enfureceu-se contra os moradores do Hörnum, depois de muito
contrariado, provocando a vinda da polícia que, por sua vez, se esforçou para suprimir as velhas liberdades e os direitos
dos habitantes de Sylt. E de quando lhe apareceu uma forma estranha que, chorando, assentou- se sobre a pedra do fogão da
antiga casa em ruínas. Quanto mais ele olhava para aquela forma estranha, mais evidente ela ficava, e ele mais se
convencia de que se tratava de algum parente seu.
"Quem é você?", perguntou ele.
"Eu sou Staven, a guardiã. Eu vigio os lugares onde residiam as pessoas íntegras e livres, onde elas mais ficavam, a fim
de que a região não seja profanada com injustiça e com opressão, através do engodo e da patifaria. Oh, que Jens Lüng ainda
viva!"
"Por quê?", indagou Peter. "Jens Lüng era meu avô".
"Oh!", exclamou a estranha mulher, "Você poderia ser como ele, combater resoluta e firmemente a terrível devastação que
campeia cada vez mais sobre a terra dos frígios. Oh, você poderia salvar as virtudes e liberdades, as que devem ser
preservadas, ou, se você — como eu temo — não pode vencer, sucumbirá na luta pelas velhas maneiras."
"Lewwer duad üs Slaaw!(Prefiro morrer como escravo!"), jurou Peter, profundamente tenso: "Sim! Lewwer duad üs Slaaw!
Eu quero seguir as pegadas do meu avô, tanto quanto eu possa e entenda!" Nisto, a nobre guardiã Staven sumiu. Entretanto,
o tempo passou e nada ocorreu. Mas, um dia, quando já então tinha seus vinte e seis anos de idade, Pidder Lüng trouxe
nas costas para sua velha mãe um tradicional e gostosíssimo repolho que adquiriu de uns bons amigos de Westerland. (Ela e
o seu pai, apreciavam o gosto da couve nas refeições, apesar desta planta não ter vingado em Hörnum.) A mãe cozinhou o
repolho no dia seguinte. Todos os três se alegraram com aquele prato e se assentaram em torno da mesa, a fim de saborearem
o esplêndido repolho. Então, a porta da casa deles se abriu, e entrou um jovem homem com elegantes vestes na sala de
jantar. Em sua companhia estavam o velho e fingido padre Georg, o chefe de polícia da ilha e o guarda da praia de Rantum.
O homem jovem não cumprimentou ninguém, apenas, disse: "Aqui mora o refugo que resiste a Deus e às altas autoridades?" A
mãe de Peter, com medo, deixou a colher cair. O próprio Peter quase explodiu de raiva e rangeu os dentes. Depois que o
velho e lento Jakob Lüng pensou por si mesmo, respondeu: " Nós não somos nenhum refugo profano, somos pescadores e pessoas
honestas e não devemos nada a ninguém! Quem são os senhores, porém, que ousam invadir a casa de um cidadão livre da Frígia,
ao que parece, sem boa intenção?"
"Eu vou lhe mostrar, logo, quem sou eu, velho de cabeça dura. Fui enviado para cá pelas autoridades e venho em nome do
meu pai, agente de polícia em Tondern, o senhor Henning Pogwisch, para castigar vocês, por causa da sua desobediência, e
domar todos os outros refugos rebeldes e arrogantes de Sylt. Aqui, vocês parecem ainda não ter nenhuma idéia da força
que as autoridades ainda possuem para que vocês obedeçam e se comportem. Eu vou ensinar a você, seu comilão de repolho da
Frigia, a pagar seus impostos com suas frescas iguarias."
O jovem Pogwisch teve um forte ataque de tosse com estas palavras e ao mesmo tempo uma inclinação irresistível para rir
do seu humor arrogante.
Naquele estado de exacerbação, ele cuspiu na tigela de repolho dos frígios. Aí, a paciência do jovem Pidder Lüng chegou
ao fim, ele que tinha permanecido em silêncio até então. Ardendo de fúria, ele se levantou. Seu braços e pernas tremiam
demais. "Quem cospe no repolho tem que comê-lo!", esbravejou ele. Em seguida, agarrou o pescoço de Pogwisch com gigantesca
força e prensou a face dele no repolho quente, quase sufocando o jovem tirano. "Por Deus, o que você está fazendo?",
gritou o Sr. Georg. Seu pai, Jakob Lüng, e sua esposa ficaram pálidos. Os dois policiais fugiram covardemente. Então,
tudo se acalmou.
Os colonos, pescadores e criados, já sabendo do ocorrido na casa de Jakob Lüng, construíram vigas de madeira, a fim de
dependurar os seus peixes, onde ficavam até que estivessem completamente secos. E, fazendo troça, diziam: " A forca já
está pronta para os ladrões de praia!" Ao mesmo tempo, dependuraram os baiacus, fedorentos e disformes, logo abaixo,
para que os pescadores os limpassem. Mas, os pescadores ainda não eram prisioneiros e não estavam dispostos a deixar de
boa vontade que um punhado de mercenários os agarrassem e os prendessem. Um dos pescadores exclamou: " Vocês querem o
tributo novamente. Esperem só, nós pagamos com baiacus"! Os pescadores cortaram depressa os espinhos dos rabos dos
peixes e com estes espinhos lançaram-se sobre os servis agentes de polícia, espetando suas cabeças e suas costas e os
puseram para correr. Morrendo de medo, o Padre e os policiais se refugiaram na casa de Jakob Lüng. "Vocês são cegos
ou podem ver"? Perguntavam os pescadores aos policiais. "Estamos cegos e derrotados; nós não vemos nada"! Respondiam
os covardes agentes.
"Eu excomungo vocês para o Inferno, seus hereges"! gritou o padre.
"Ah!Ah! ", exclamaram os pescadores, "o padre ganancioso também vai para lá; nós deveríamos cegá-lo. Mas, não! Nós
queremos dar a ele os rabos de peixes fedorentos como dízimos. Ouçam, não pechinchem com ele. Sejam pródigos"! Assim
gritavam os impiedosos pescadores um ao outro, e arranharam tanto o falso padre com os rabos dos peixes, que os
espinhos venenosos rasgaram-lhe a pele até os ossos, alguns ficando espetados na sua carne. Ele voltou para Rantum
todo ferido, onde logo morreu por não resistir aos ferimentos. Assim era Hörnum, até então.
Depois desta desordem, por um longo tempo reinou o silêncio em Hörnum. Pidder Lung não foi mais visto em Sylt, de
jeito nenhum, por muitos anos. Com o navio de seus pais, ele se refugiou com alguns amigos de Hörnum, no mar e no
estrangeiro. Muitos outros pescadores o acompanharam. Pelo menos, era o que se dizia.
Quando o temível chefe de polícia ficou ciente do que ocorrera com seu filho e seus auxiliares em Sylt, ele ficou
muito, muito furioso. Ele mandou recrutar todos os agentes, soldados e outros capangas, e os enviou para Sylt com
ordem expressa para trazer vivos ou mortos todos os pescadores e ladrões de praia de Hörnum para Tondern. Porém,
quando eles chegaram em Sylt, Pidder Lung e todos os outros pescadores já haviam escapado para o mar. Somente
algumas pessoas velhas e fracas, entre elas Jakob Lüng e sua esposa, ficaram em Hörnum. Como eles sabiam que a
milícia estava chegando para prender os rebeldes, eles deveriam se preparar para fugir também. Mas, Jakob Lüng
não quis. Sua esposa disse-lhe: " Quando os captores não acham os culpados, eles prendem os inocentes em
compensação. Nós temos que fugir."
"Eu não quero fugir. Eu não corro de ninguém!" Respondeu Jacob.
" Mas, querido homem, eles vão lhe tirar a vida", disse sua esposa.
"Então, vá você, eu sou bastante velho para morrer.", foi sua resposta.
Quando a mulher viu que seu marido não deixava se persuadir para fugir, ela saiu para falar com os vizinhos e
alertá-los para se salvarem. À noite, ela voltou novamente para a casa de seu marido. Como tinha ficado escuro,
ela acendeu seu abajur e foi preparar suas roupas e outros apetrechos. Quando quase tudo estava pronto, bateram
fortemente à porta da frente. A mulher de Jakob Lüng apagou o abajur depressa e foi abrir a porta. Os homens
entraram falando duras e grosseiras palavras que o casal mal podia entender.
Os estranhos capturaram o velho e lento Jacob sem muito esforço, amarraram-lhe as mãos e o levaram para fora,
junto com sua esposa.
Pela noite escura, os vizinhos vagaram silenciosamente pelas dunas até o mar e, então, ao longo do lado da
praia, do oeste para o norte. Quase três horas depois, ainda silenciosamente, todos eles escalaram de novo
aquelas dunas, passando por dentro daquelas pequenas montanhas e resgataram o velho Jakob Lüng da área
estrangeira de uma só vez.
No meio de uma duna profunda, escondida e selvagem, ficavam os restos de uma casa enterrada pela metade na
areia. Eles bateram lá. Um homem baixinho e corcunda, chamado de Pua, a quem os acompanhantes ou raptores do
velho casal se dirigiam no idioma de Sylt, abriu levemente a porta, deixou que todos entrassem e fechou-a
rapidamente. Jakob Lüng e esposa estavam salvos.
Na manhã seguinte, os agentes de polícia da pequena Tondern e seus lacaios atacaram Hörnum, mas não havia
ninguém lá. Depois de saquearem as cabanas que restavam de Hörnum, destruíram a casa de Jakob Lüng. Em
seguida, começaram a procurar em todas as aldeias, barrancas e outros lugares escondidos da ilha, além das
moradias isoladas. Eles pediram, também, que todos os homens de bem de Sylt os ajudassem. Mas, não havia
homem de bem em Sylt, com exceção do padre Georg. Mas, este já havia morrido e não poderia mais ser
aproveitado por eles. Então, eles quiseram forçar o povo de Sylt a ajudá-los naquela empreitada. O povo de
Sylt ficou calado e inflexível e não se dispôs a fazer parte daquele negócio asqueroso. Eles estavam cada
vez mais inclinados a ajuntar e usar todos os rabos de peixe para afugentarem aqueles invasores mandões.
Enquanto isso, antes que tivessem qualquer sucesso em Sylt, vindas do continente, chegaram péssimas notícias
para os agentes de polícia. Como a pequena Tondern era improdutiva, por ser estéril, seca e arenosa — e as
terras produtivas do continente ficaram sob o jugo tirano chefe de polícia e seus lacaios, os fazendeiros
começaram, também, a desafiá-los. Eles não queriam pagar nenhum imposto mais e fizeram movimento para irem
a Tondern, a fim de aniquilar os maus agentes de polícia. No entanto, observando o governo a iminente
contenda, não quis que a crueldade do chefe de polícia Pogwisch e de seus filhos durasse muito tempo.
Ele antecipou-se aos fazendeiros, destituindo o chefe de polícia e expulsando-o, mais os seus filhos, do
império.
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Fonte: www.udoklinger.de
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