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Artigos-->ANTIAMERICANISMO, GUERRA, FIM DA HISTÓRIA (uma entrevista) -- 07/12/2001 - 19:05 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O filósofo francês Bernard-Henri Lévy fala sobre o antiamericanismo dos intelectuais europeus, a guerra contra o terrorismo e a tese do "fim da história"



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Der Spiegel online, 49/2001 – 03/12/2001

Trad.: zé pedro antunes



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SPIEGEL: Monsieur Lévy, a guerra no Afeganistão divide os intelectuais tanto na Alemanha como na França. O senhor é um dos poucos a justificar desde o início, e quase que incondicionalmente, o ataque militar dos EUA. Por que tão isolado nessa posição?



Lévy: Para a maior parte dos intelectuais europeus, ao que me parece, é indiferente o destino do povo afegão. Não querem ver que os americanos não estão apenas combatendo o terrorismo. A intervenção americana tem a ver também com a libertação do Afeganistão.



SPIEGEL: Mas este objetivo não seria secundário para os EUA? O que eles querem não é, sobretudo, vingança?



Lévy: Para quem enxerga algo além do seu nariz, desde o princípio já deveria estar claro que o ataque contra Bin Laden haveria de ter conseqüências alentadoras sob todos os pontos de vista, conseqüências de forma alguma secundárias: Os afegãos agora podem ficar livres de uma horrível tutoria, resgatados que estão sendo ao pior sistema de dominação do planeta.



SPIEGEL: Nessas condições, como explica o reflexo do antiamericanismo entre seus colegas?



Lévy: É bastante misterioso. Não sou pró-americano. Participei de demonstrações contra a Guerra do Vietnã e contra a queda de Allende encenada no Chile pela CIA. Acho a pena de morte repulsiva. E a eleição de George W. Bush desencadeou em mim fortíssimas reações. Mas, com toda honestidade, devo reconhecer que esta guerra até o momento vem sendo conduzida de forma surpreendentemente boa sob a responsabilidade dele. Nesse sentido, ele vem exibindo com efeito uma prémière mundial.



SPIEGEL: Uma guerra sem um pano de fundo imperialista? É sobre isso que os céticos na verdade se manifestaram?



Lévy: O antiamericanismo é mais do que mera desconfiança. É uma das grandes constantes da nossa cultura política, na verdade uma paixão. E uma paixão costuma cegar as pessoas. E esta paixão não surgiu com o imperialismo americano.

SPIEGEL: Em que o senhor vê as raízes desta paixão, se não na ausência de pruridos da superpotência?



Lévy: Historicamente, os EUA representam um novo tipo de nação que a Europa sempre rejeitou. Nossas antigas nações, que se pretendem instaladas sobre um território comum, uma memória coletiva comum, uma identidade como povo, percebem como intragável a América rousseauniana, maldita, escandalosa – uma nação que foi forjada num contrato voluntariosamente imposto de cima para baixo, em vez de crescer organicamente, de baixo para cima.



SPIEGEL: Nesse sentido, a crítica ao imperialismo americano seria apenas o produto de uma tendência muito mais original?



Lévy: Nos europeus, sobrevive ainda, latente, o fantasma da nação supostamente pura, da boa e fechada comunidade de um povo. O cadinho de raças, a mistura de culturas lhes é estranha. E, em face da superpotência americana, esta velha desconfiança se transmuta em denúncia da arrogância americana.



SPIEGEL: A América como o mundo do materialismo, da uniformização e da castração do espírito – será que ainda continua viva esta caricatura projetada por Heidegger?



Lévy: É um topos das direitas tanto francesas como alemãs, que, qual uma imagem refletida num espelho, volta a surgir entre as esquerdas. Heidegger, mas também ideólogos franceses como Georges Valois, Pierre Drieu La Rochelle e Charles Maurras, consideravam a América uma catástrofe ontológica. Esta negação metafísica apaixonada, a germinar no coração das culturas européias, impõe-se ainda hoje em qualquer circunstância.



SPIEGEL: Por que o ódio à América é ainda mais virulento no mundo islâmico?



Lévy: Para os muçulmanos a América é o bode expiatório. Eles padecem sob a derrocada progressiva que o mundo deles há séculos vem experimentando; é uma obsessão. A grandeza perdida, o iluminismo interrompido, o ultraje do colonialismo funcionam como uma humilhação permanente do oriente por parte do ocidente. Os americanos nunca foram um poder colonial no Oriente Próximo, mas são vistos como a suma da ocidentalização, ou seja, como ídolos.



SPIEGEL: E como poder protetor do Estado de Israel, que é percebido pelos árabes como uma implantação colonial.



Lévy: É um álibi. Israel e a América não contribuíram tanto para a humilhação dos povos árabes. Eles funcionam como substitutivo para a incapacidade de explicar a própria infelicidade e de reconhecer a própria responsabilidade. Muitos árabes vivem num mundo mágico, com uma causalidade diabólica, no qual os EUA e Israel são mais ou menos a mesma coisa: o grande e o pequeno Satã.



SPIEGEL: É por isso que vicejam teorias conspiratórias tão malucas como a de que Israel e os EUA teriam, eles próprios, planejado os atentados ao World Trade Center, com a finalidade de acabar com o mundo islâmico?



Lévy: O complô judeu-americano, Nova Iorque como a cidade do sionismo mundial – antigas representações enlouquecidas do extremismo europeu de direita, que vagueiam hoje por muitas capitais do mundo árabe. O Islã, em sua forma fundamentalista, é de certa maneira o terceiro fascismo, o fascismo verde, depois do marrom e do vermelho.



SPIEGEL: Não estaria a comparar coisas incomparáveis? O nacional-socialismo e o comunismo foram movimentos seculares, anti-religiosos ...



Lévy: ... com um cerne quase místico. Comum a todos os fundamentalismos é a vontade de pureza, o sonho do novo homem, a viver em harmonia absoluta consigo próprio e com sua comunidade. Nas convulsões do integrismo islâmico, estamos vivendo os últimos ápices do totalitarismo do século XX.



SPIEGEL: Portanto, uma guerra de civilizações, estando em jogo a defesa da liberdade contra a barbárie?



Lévy: Sim, mas não uma guerra do ocidente contra o Islã. A verdadeira guerra em torno da civilização tem lugar dentro do próprio mundo islâmico. Em jogo, a expansão do Iluminismo. Esta luta vai durar muito tempo, e seu desenlace é, de uma forma terrível, incerto. Mas eu acredito que será essa a grande confrontação do século XXI.



SPIEGEL: Por trás disso estaria a suposição de que o ocidente seria o único proprietário de valores verdadeiramente universais: democracia, liberdade, individualismo, direitos humanos?



Lévy: No ocidente, o universal, o espírito universal, como dizia Hegel, desenvolveu-se da forma mais ampla e concludente. Mas há outros modos de aparição do universal, também no Islã existe um Iluminismo árabe, tal como o representou Averróis no século XII.



SPIEGEL: Por que o racionalismo não conseguiu se estabelecer no Islã?



Lévy: O Iluminismo islâmico está vencido, mas não morto, apresentando enorme vitalidade na Turquia e em muitos pensadores em alguns países árabes, ainda que reprimido e suplantado. Ninguém pode roubar aos muçulmanos esta Reforma, agora é a vez dos Imame, e eles precisam trabalhar em si mesmos, também em seus textos sagrados, tal como o fizeram cristãos e judeus em outros tempos.



SPIEGEL: No caso, o que tem de mudar?



Lévy: Os muçulmanos precisam deixar de exorcizar a humilhação por parte do ocidente como a causa de todo o mal. Eles precisam chegar ao fundamento do seu anti-semitismo, uma lepra a atacar cada vez mais amplamente os seus arredores. Precisam abrir mão de sua postura de recusa - a recusa do individualismo, do direito à distinção, à divergência, ao erro. Precisam reconhecer a existência do mal também em sua orientação religiosa. O Islã não é intocável, e a palavra de Deus é passível de interpretação.



SPIEGEL: Ao final desta reinterpretação teológica estaria necessariamente a separação de política e religião, portanto, a sociedade laica. Com isso, o Islã não estaria abrindo mão de sua essência, uma vez que ele quer ser um projeto de abrangência total, não apenas uma orientação religiosa, mas uma forma de vida?



Lévy: É justamente nesta aspiração integrista que repousa o seu perigo totalitarista. Por que não deveria o laicismo no Islã ser pensável hoje da mesma forma como o foi no Cristianismo do século XVI? Na verdade, já existe o Islã laicista: na Turquia e, mais decisivamente ainda, na Bósnia. Também por essa razão os bósnios precisam ser protegidos da perseguição dos sérvios, para salvar este modelo, esta prova da existência de um Islã secular moderno.



SPIEGEL: Pode haver afinal a guerra justa? No Afeganistão, os americanos estariam conduzindo uma guerra justa? Foi justo o ataque da Otan nos Balcãs?



Lévy: Eu acredito que sim. Os intelectuais sempre foram expostos a uma dupla tentação, ambas numa relação de correspondência exata, como se num espelho: as tentações do belicismo e a do pacifismo. A guerra como o pai de todas as coisas e a paz pela paz. Esta dicotomia impede a visão de uma terceira opção, na qual poucos pensam, a da guerra justa.



SPIEGEL: Para o senhor a paz não é um valor em si mesmo?



Lévy: A guerra nunca é uma coisa boa. A estética da guerra, que tanto fascinou poetas como Ernst Jünger ou, entre nós, Guillaume Apollinaire, Jean Cocteau ou Henry de Montherlant, é uma sacanagem. É escandalosa a apologia da guerra como a mais alta perfeição da virilidade. Mas a guerra pode ser inevitável, apesar de toda a sua feiúra – e então é preciso conduzi-la sem entusiasmo, com pesar, sob a vigilância da ponderabilidade das relações, pois há algo pior do que a guerra: o inferno.



SPIEGEL: E, ainda assim, Kant, que refletiu sobre as condições da paz mundial, achava que a guerra possui a desagradável propriedade de mais produzir o mal do que afastá-lo.



Lévy: Errado. Nós conhecemos o mal que deve ser afastado no Afeganistão, mas não conhecemos ainda o mal que lá possivelmente estará sendo criado. Aposto que este último será menor do que o primeiro.



SPIEGEL: Uma coisa parece certa: Depois da guerra no Afeganistão, o número de candidatos a praticar atentados suicidas não será menor do que antes, muito pelo contrário.



Lévy: Esse já é um outro assunto. Nunca pensei que os bombardeamentos seriam o melhor caminho para a derrubada do terrorismo. Por isso, seria preciso acabar com ele agora e também da forma mais rápida possível. A luta contra o terror precisa ser levada adiante num outro plano: drenagem dos canais de financiamento, espionagem e criação de noticiários, pressão política e diplomática, mas sobretudo a colocação de um ponto final na consideração dos americanos, e das outras nações ocidentais em geral, frente a Estados que engendram o terrorismo ou lhe oferecerem refúgio.



SPIEGEL: Tem em mente a Arábia Saudita?



Lévy: Naturalmente, é repulsiva a duplicidade verbal dos sauditas. Meu amigo Massud, comandante da Aliança do Norte assassinado nesse meio tempo, me dizia, quando de minha penúltima visita, que Bin Laden seria um típico produto das intrigas palacianas sauditas, movido pela ambição de se tornar príncipe em lugar dos príncipes. Não creia, ele me disse, que Bin Laden seja a voz dos deserdados desta terra ou mesmo dos palestinos. Bin Laden quer acertar contas com uma casta à qual ele próprio pertenceria, ele aspira ao poder, à torneira de petróleo. Quando se ouve que a CIA manteve há não muito tempo contatos com ele, chega a dar engulhos.



SPIEGEL: Acredita que o terrorismo pode ser definitivamente subjugado?



Lévy: É como se o senhor me perguntasse se a morte ou o mal ou a guerra ou a violência podem ser vencidos. Assim, nunca se chegará a nada. Só podemos esperar que o terror seja reprimido, que haja resistência a ele, que ele seja limitado e isolado.



SPIEGEL: Bush não estaria despertando ilusões de forma leviana, ao falar em eliminação do terrorismo?



Lévy: Há que apontar o dedo para Bush e para Blair – a retórica da aniquilação. Podemos nos proteger contra o terrorismo, mas não podemos bani-lo. A humanidade não pode superar em definitivo o seu lado escuro, maldito, malvado, é inerente a ela. O terrorismo é a sombra escura da sociedade ocidental. Ele haverá de nos seguir ainda por muito tempo.



[continua]







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