Às vezes o elemento que torna determinada criação literária uma obra-prima é a sua completa desconexão com tudo que cheire bom comportamento ou obrigatoriedade de agradar aos leitores. Por exemplo, quando Sócrates questionava em sua defesa qual seria o seu destino depois que bebesse o veneno mortal, deixou à humanidade um legado primoroso em relação à seguinte dúvida: o homem, ao morrer, vai para o paraíso se encontrar com os conhecidos e familiares, e ali, naquela eternidade viver feliz juntamente com todos que amou neste mundo ou, ao contrário, sua alma será extinta, apagada, não restando daquela anterior existência nenhum vestígio futuro?
Para Sócrates, qualquer que fosse a resposta, sua iminente morte não lhe poderia causar temor. Se fosse ao paraíso rever os amigos, que melhor destino? Contudo, se lhe fosse extinta a existência, e não mais sentisse prazer nem dor, tristeza ou alegria, que ventura igualmente desejável seria esse não-ser eterno!
Se o escritor tomar como exemplo a forma como Sócrates encaminhou sua defesa, não se importará com o desconforto ou contentamento daqueles que o lêem, a não ser que queira apenas cativar a atenção de “x” n° de leitores, para se sentir um grande escritor, sempre lido e admirado.
Muitos não gostam de ler ou ouvir sobre o destino da alma. E daí? Eu posso não concordar uma vírgula com aquilo que Sócrates pregava e ainda assim não me nego a conhecer seus pensamentos. É de fato muito sadio que alguém confronte suas idéias com outras, não importando se convergentes ou divergentes; assim se fortalecem as convicções e se destróem os sofismas. Só os covardes fogem do contraditório.
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