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Erotico-->37. UM MUNDO NOVO -- 08/10/2002 - 09:02 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Mário hesitou por muito pouco tempo. Refletiu que, quanto antes começasse os estudos relativos à espiritualidade, quantos antes terminaria. “Uma meia dúzia de livros e me desencantarei, com certeza” — pensava lá consigo, como ocorrera com as obras relativas à vida dos santos e aos sacramentos. As que mais o empolgaram foram as histórias de Jesus, com a ingenuidade do pensamento do povo, perante a visão de cura e ressuscitamentos. Ele pusera sãs muito mais pessoas que Jesus jamais sonhara, com passes de mágica e bênçãos. Se os efeitos dos milagres fossem bons, haveria muitos outros taumaturgos, em todos os tempos e não tantos charlatães e meliantes, que só incentivam a superstição e agravam os estados mórbidos dos doentes. Desconfiava de que houve muita invencionice e de que os redatores dos textos evangélicos o que desejavam, na realidade, era fermentar a crendice em um “filho de Deus”, para o incentivo do cristianismo nascente, igreja que se tornaria poderosa, tanto que, hoje em dia, o número de fiéis é tão grande que dá para sustentar várias igrejas e cultos, no mundo todo.

Buscou número telefônico de Centro Espírita, na lista. De fato, encontrou diversos. Havia um cujo endereço era próximo de sua residência. Ligou e expôs sumariamente o desejo de adquirir obras fundamentais da Doutrina Espírita, mas não queria nada que se referisse à Umbanda. Desejava conhecer o que denominava de espiritismo-ciência.

— O Senhor, por certo, não conhece as obras de Allan Kardec?

— Não.

— Então, terá de começar por essas, que constituem o que chamamos de Codificação.

— Vocês entregam em casa?

— Não temos esse serviço. Mas, dado o teu interesse, eu vou pessoalmente fazer a entrega.

— A que horas fica aberta a instituição?

— Mantemos sempre uma pessoa de plantão, no horário comercial. Se me fizeres a gentileza de dizer em que horário poderás vir, eu mesmo aqui estarei para conversarmos um pouco mais detalhadamente.

— Passo aí, hoje mesmo. Deixa ver... Às cinco da tarde, está bom?

— Excelente!

— A quem procuro?

— Antônio.



A voz no telefone era pausada, calma. Mário imaginou um Antônio de meia idade, desses burocratas de escritório. Não sabia por que mas lhe colocou uma calvície pronunciada e óculos de fundo de garrafa.

Ao chegar, deparou-se com jovem de, no máximo, trinta anos, espessos e longos cabelos pretos, amarrados em forma de rabo de cavalo. Trazia brinquinho colorido na orelha esquerda. Nada de óculos. Mas a fisionomia esbanjava contentamento, perfeito balconista para a venda de material cirúrgico. Não fora a modernidade da apresentação e da roupa, pensaria estar entrando em templo protestante, tanta era a simpatia e a contenção das maneiras. O cumprimento foi efusivo:

— Doutor Mário, aguardava-o com ansiedade. Para mim, é uma satisfação poder atender ao meu primeiro freguês por telefone. Nunca me aconteceu de alguém solicitar livros assim. Informações sobre os trabalhos da casa, eu tenho dado, constantemente. Estou até emocionado.

— Muito obrigado.

— Não há de quê. Eu separei as seis obras principais de Allan Kardec. Como o Senhor deseja o cientificismo espírita, comece por “A Gênese”, embora eu, particularmente, lhe recomende iniciar por “O Livro dos Espíritos”. O Senhor tem sofrido o assédio de alguma entidade que o esteja atormentando?

— De maneira alguma. Se você está falando em encosto ou algo assim, não percebo nenhum espírito assoprando coisas nos meus ouvidos.

— É que, nesse caso, deveria desenvolver a mediunidade e a obra indicada seria “O Livro dos Médiuns”. Para pessoas religiosas, que desejam ampliar a fé, recomendamos “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. Para quem, simplesmente, quer saber como é que o Espiritismo vê a Religião Católica, Kardec escreveu “O Céu e o Inferno”. Finalmente, o que deveria apontar em primeiro lugar, temos “O que é o Espiritismo?”

— É apenas curiosidade, mas não existe uma obra que trate dos milagres de Jesus?

— “A Gênese”, cujo nome completo é “A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo”, conquanto muita explicação se encontre também em “O Evangelho”. No primeiro, a análise busca ser científica, com os recursos de meados do século XIX.; no segundo, o tratamento é de fé esclarecida pela razão. Perdoe-me se vou muito depressa.

Mário queria saber o quanto deveria pagar. Assustou-se com a modicidade do preço:

— Isto não paga nem o papel.

— As obras da Codificação são muito baratas. É que precisamos divulgar a Doutrina.

— Uma espécie de chamariz.

— Mais do que isso. É a possibilidade que damos a que todo o mundo possa entrar em contato com a nossa maneira de pensar. Quase sempre as pessoas se desencantam com esse tipo de literatura, vou avisando desde já, porque o povo é muito inculto. Só estou passando ao Senhor estas obras, porque os médicos são pessoas inteligentes...

— Não põe tua mão no fogo...

— Mas não vou queimar-me, no teu caso.

— Que outras obras existem?

— Temos, na casa, uns trezentos e cinqüenta volumes, entretanto, a biblioteca da Federação Espírita Brasileira... Já ouviu falar?

— Não.

— Pois bem, lá se encontram mais de mil e seiscentos títulos, versando sobre todo tipo de solução espiritista para os problemas humanos.

Mário se admirava da loquacidade do rapaz e da segurança das informações.

— O amigo faz muito tempo que freqüenta o Espiritismo?

— Estou há cinco anos. Mas, de forma séria, faz só três anos. E as minhas leituras, comecei há menos de dois.

— E já estás orientando o público? É muito louvável.

— Dou algumas horas por semana para este voluntariado. A minha profissão, mesmo, é de cabeleireiro. Não reparou no brinquinho e no rabo de cavalo? No começo, me sentia meio deslocado no meio dos senhores e senhoras que freqüentam a casa. Porém, o pessoal da diretoria é muito condescendente... Olha eu aqui falando o que não devia. Faltava só perguntar se o corte...

Riu o médico com a desenvoltura do moço.

— Se são tantos os títulos, eu gostaria de dar uma vista d’olhos no material.

— Com prazer. Se tiver tempo, posso fazer-lhe uma apresentação mais detalhada.

— Tenho uma hora inteira.

— Vamos começar com os livros históricos. Alguns estão à venda em edições modernas, mas temos outros na biblioteca circulante. Caso, futuramente, vier a se interessar, emprestaremos de forma gratuita, com muita alegria, que a circulação é bem pequena.

Foi uma hora de deslumbramento para Mário, que não esperava tanta riqueza nem variedade. Espantou-se com a produção do médium Francisco Cândido Xavier, principalmente pelos volumes maciços atribuídos a Emmanuel (“Seu protetor particular e organizador das atividades espirituais”, informava Antônio). Não firmou predisposição para comprar nenhuma outra obra, embora ficasse tentado a levar para Marlene, pelo menos, o grosso volume de “Paulo e Estêvão”. Venceu a tentação e deliberou manter o plano inicial de se desiludir logo nas primeiras obras. Despediu-se meio tonto, com certa zoeira nos ouvidos, tanto lhe matraqueara o vendedor, o divulgador, o pregador da cultura espírita. A se levar em consideração a empolgação do rapaz, não haveria verdade no mundo que não se contivesse naqueles livros. “Vamos devagar com o andor...” — pensava lá consigo, querendo não se deixar envolver pelo entusiasmo do outro. “Se secionar os tecidos em lugar indevido, posso ofender órgãos em bom estado e complicar ainda mais o estado do paciente.”

Lembrou-se de Leandrinho aprendendo as primeiras letras e a paciência da professora para com todas as crianças. “Se esses coitadinhos forem com muita sede ao pote, irão encontrar muitas dificuldades desnecessárias. Preciso arrumar um horário para a leitura, despreocupado de Marlene e das crianças. No hospital, nem pensar. Vou ler no banheiro. Levo o livrinho no bolso, que cabe perfeitamente, e vou lendo, até desanimar e esquecer. Prometo não me entediar, mas, se forem obras chatas, ‘good bye, my boy’...”

Conversava com supostas entidades espirituais, costume que se ia arraigando, desde que vira o trabalho dos babalorixás. Naquela noite, iniciava a leitura de “A Gênese”, mas tropeçou na terminologia rebarbativa. Pôs de lado o livro e percorreu os índices dos demais. Reconheceu que era preferível começar pelo primeiro e se dedicou a “O que é o Espiritismo?” Durante meia hora, conseguiu prestar atenção nas formulações silogísticas do mestre francês. Mas um sono muito forte o derrubou.

No leito, Marlene o empurrou com força para o seu lado da cama. Estava muito cansada. Conversariam de manhã.

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