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Erotico-->31. MÁRIO PROVIDENCIA OS ESTUDOS DE ORIVALDO -- 02/10/2002 - 06:20 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Passados o Natal e o Ano Novo, o hospital entrou em clima de férias. O negrinho Orivaldo percorria os longos corredores, sempre acompanhado de Raimunda, que sorria para ele por força das necessidades vitais. Leandro se esquecera completamente dela e todos achavam natural que alguém cuidasse do pequeno, livrando os funcionários da sobrecarga da limpeza, da alimentação e até dos medicamentos, que a tutora aprendeu a ministrar as doses certas, nos horários estipulados. De resto, Orivaldo era suficientemente esperto para ir assenhoreando-se dos ponteiros, tão poucas coisas havia com que se distrair.

Quem deu alguns brinquedos ao garoto foi Mário, que o estimulava a falar, para extrair dele o conteúdo do decaimento moral, em contrapartida ao que havia sofrido fisicamente. A criança era tacanha quanto ao manancial de conhecimentos, mas aprendia com facilidade. Teria sido o fato de haver sugado o seio da mãe até os dois anos e tantos? Essa era a longínqua causa à qual atribuía o médico o fato de ter superado as grandes deficiências dos últimos tempos.

Interrogada Raimunda sobre ter estado o garoto às portas da morte, não soube dizer o que poderia ter acontecido, uma vez que não lhe deixava faltar o leite e o pão. Dava-lhe o feijão, a carne e a farinha que ela mesma consumia. E era gorda e saudável. Setenta e tantos bem vividos. (“Não tão bem assim”, prosseguia de si para consigo mesma.)

Não foi difícil de avaliar a possibilidade de contaminação das sarjetas. A negra não era limpa, ou melhor, não se interessava pela limpeza do fedelho. Mandava lavar-se e não cobrava. Aliás, não cobrava nada, a não ser que a deixasse em paz, no horário das novelas. À igreja, jamais o levou. Nunca julgava conveniente, porque tinha de dar-lhe roupa nova e pô-lo limpo. Isso seria pedir demais.

Mário ia entrando na psicologia da velha e compreendendo o que a ignorância e o desamor podem fazer para as pessoas. Dissera-lhe ela que, no início, a mãe lhe passava uns trocados. Depois, porém, abandonou o menino à própria sorte. E ela não tinha recursos...

O médico entendeu que Orivaldo deveria ter representado para a tutora pequenina fonte de renda, que se desvaneceu, provocando-lhe o revide da alma, inconsciente e idiota, porque não fora capaz de descer para a cidade, em busca da responsável pela criança perante o mesmo Deus que ela adorava. Se, ao menos, fosse à macumba, os espíritos, sabedores do drama...

Não avançava. Tinha medo dessas elucubrações metafísicas. Se tivesse, na oportunidade, discutido com alguém, manteria o posicionamento materialista. “E como explicas os espíritos e a espiritualidade?” Outro plano físico desta mesma organização material. Não há diferenças de essências, teria dito. A morte do espírito está em reencarnar. A morte dos humanos, a gente conhece. Um dia, explode o Universo e tudo finda. Seria até capaz de citar o caos bíblico, para dar a sua idéia desse longínquo futuro.

Com tal disposição de ânimo, ia apegando-se ao garotinho. Ficava a perguntar-se a si mesmo quem fora ele na vida anterior. Qual a herança genética passível de transmissão de meretriz com narcotraficante. Para tal corpo, só um espírito de mesma freqüência vibratória, que o destino lhe parecia traçado. Com Leandro, o menino acabaria um do tráfico. Com Isabel, a rejeição sempre presente, nas tormentas dos sentimentos de culpa. E a figura de Baltazar, precisando aceitar o filho do outro, a quem a mãe não negava ter amado, a ponto de...

“Não posso considerar bem cuidado o pequeno hóspede. A Polícia não termina nunca as investigações sobre o projétil desaparecido. A Justiça enrola e não resolve. A Assistente Social está pressionando para liberar o quarto. Há necessitados mais interessantes para as verbas. Cancerosos, chaguentos, aidéticos... É preciso levá-lo a alfabetizar-se. Gastos inúteis com pedagogas. A escola do bairro deverá ser a opção, desde que o coitado possa locomover-se, para evitar a agressividade da multidão dos bárbaros.”

Ia Mário por essas ínvias vielas da burocracia, quando atinou com a solução mais razoável. Iria desviar uma das enfermeiras (e ele sabia qual) para as funções de mestra de primeiras letras. Recusasse ela, teria de recorrer às outras. Chamou a dita cuja, a mesma que preparava os relatórios, e insinuou:

— Não estarias disposta a demonstrar ainda mais carinho ao Orivaldo?

— Tenho realizado tudo o que posso. Aliás, em horas extras...

— Não estou falando de tua profissão. Sou testemunha de que o teu trabalho é excelente. Por isso mesmo, a confirmar pela autoridade do Doutor Darci, estou decidido a tirar-te da ronda dos doentes, por duas ou três horas diárias...

— Vai haver chiadeira das outras.

— Aposto que não, se virem o serviço delas minorado pelas providências que irei tomar.

— ...por duas ou três horas...

— ...para ensinar o menino a ler e a contar.

— Não tenho nenhuma noção.

— Irás aprender. Arruma uma cartilha. Orivaldo é esperto. Aprende fácil. É mais um teste. Se corresponder, como estou esperando, passo o encargo para a Assistente Social. Aí, ela coloca o menino na escola ou contrata professora.

— Vou pensar no caso.

Na verdade, não estava disposta a bancar a professorinha. Iria incitar as demais. Quis dar tempo ao tempo, para levar o problema mais para cima. Era o que Mário havia imaginado. Se Leandro estivesse, realmente, querendo ver o filho progredir, iria dar um jeito na situação.

De fato, duas semanas depois, saía, no Diário Oficial, a nomeação de professora inapta para reger classe normal, para prestar serviços junto ao quadro de funcionários do hospital, na categoria de Assessora Pedagógica do Departamento de Assistência Psicossocial. No rol de atividades, destacava-se a alfabetização das crianças internadas com moléstias crônicas, capazes de aprendizado, sem condições, entretanto, de se deslocarem para a escola. Acrescia-se ao salário gratificação por trabalho em local insalubre, para que a indicada não reivindicasse permanecer na escola para trabalhos na secretaria.

Fez-se alarde das providências, como obra inovadora e foram chamados os repórteres para entrevistarem o Deputado, o Diretor do Hospital, o Médico, a Assistente Social e a Professora. Claro que o Secretário da Educação apareceu numa foto, sendo cumprimentado pelo da Saúde, tendo sido citado o Governador diversas vezes, como benemérito das vantagens. Houve até uma repórter que compareceu à ala em que as crianças educáveis estavam concentradas, admirando-se muito de encontrar ali a Dona Raimunda, a tal cujo filho havia sido baleado...

Desconfianças à parte, a jornalista pôs a matéria em destaque, frisando que o menino baleado estava recuperando-se dos ferimentos, relembrando, com fotos, a reportagem anterior. Em outra matéria, perguntava em que pé andavam as investigações, mas essa não foi impressa, rejeitada pelo chefe de editoração do jornal. Estava mal alinhavada e carecia de atualidade. Entendia que poderia haver dinheiro correndo por baixo do pano, mas a simples desconfiança poderia mexer com algum vespeiro perigoso. Mantivesse ela a pulga atrás da orelha e fosse colhendo informações. Se pudessem fazer estourar algum escândalo, venderiam muito mais jornal.

Eis em que dava, sem que o próprio sequer atinasse com as coisas, a intenção de Mário de educar Orivaldo.



Por essa época, comprara apartamento no Meyer, favorecido pela ótima venda que lograra da casa. As crianças voltariam a estudar, em outra escola. Marlene havia superado o estresse. Joana se conformara em ficar sozinha, porque a patroa se envolvera de novo com os filhos, ansiosa por fazê-los esquecer Isabel. Assim mesmo, resmungava o quanto podia, embora não soubesse onde instalar a requisitada ajudante. Em suma, como tudo era novo, poderia contentar-se com faxineira ocasional, o que lhe foi prometido por Marlene, assim que os cômodos começassem a dar sinal de sujeira. Gostava de ir à missa com a patroa, agora que o patrão ia também. Parecia família dos tempos antigos, daquelas que a saudade lhe relembrava, quando o falecido Pedro a cortejava à porta principal, enquanto as pessoas iam entrando para ouvir o sermão dominical. Às vezes, sentia saudade da que se fora para São Paulo. Era atenciosa e respeitadora. Limpíssima. Não entendeu direito por que Marlene abriu mão de tão valiosa colaboradora. Em suma, havia mistérios que não resolvera, especialmente o que viera fazer aquela outra, com roupas de... Não dizia o nome. Teria de sussurrar depois no ouvido do padre. Era melhor abster-se de pensar nessas coisas.

Um dia, o patrão chegou com a novidade:

— Vamos visitar Isabel, durante as férias. Joana também vai.; se quiser, é claro.

Marlene achava que iriam precisar dela.

Mas esta bateu o pé:

— Vou ficar, para dar um trato no apartamento. Vou chamar a faxineira e, quando a Senhora voltar, vai encontrar tudo rebrilhando. — Tinha medo de avião. Foi mais fácil dobrar os patrões.

Feitos os preparativos, designados os plantonistas, estabelecidos os roteiros de atendimento dos acidentados, advertidos os espias, em bela manhã de sol, lá foi a família em direção ao Sul, em condição de felicidade que fazia tremer pela lembrança da viagem ao Nordeste.

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