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Cronicas-->UM ENCONTRO COM O PASSADO -- 30/03/2002 - 15:03 () Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Estou ouvindo uma melodia tão suave que meu coração parece boiar sobre águas calmas, deslizar sobre flocos de algodão.
Não sintonizei nenhuma estação de rádio para ouvi-la, nem coloquei um CD no meu som. Não vem da casa vizinha.
Também não há ninguém cantando aqui em casa ou perto daqui.
Não; é só uma melodia que ouço dentro de minha alma.
Transporta-me ela para um tempo tão distante.
Eu entrava por aqueles corredores e a ouvia. Visitava os dormitórios. O grande salão que servia de refeitório, visitava a lavanderia e as outras dependências.
Meus velhinhos queridos... alguns não deixavam o leito. Outros passeavam em suas cadeiras de rodas, alguns caminhavam pelo jardim ou simplesmente ficavam sentados quietinhos em seus cantos.
Um se dependurava em meu braço e íamos conversando, outro enciumado queria o outro braço.
Sentávamo-nos nos bancos e eu os olhava. A pele toda enrugada, o passo incerto. Os olhos tão vivos. Continham dentro deles histórias longas, sofridas. Tanta vivacidade nos olhos e os corpos tão frágeis, tão envelhecidos.
Eu adorava entrar naquele asilo para idosos, que ficava tão pertinho de casa. Naquele tempo eram irmãs de caridade que cuidavam deles. A voz maviosa que eu ouvia quando lá entrava era de irmã Glória.
Posso vê-la à minha frente de novo, posso ouvir a "Ave Maria" inteirinha. O tempo, parece que não passou.
A voz era bela demais e percorria os corredores. Do jardim se ouvia e também do enorme quintal.
Acredito que aquelas melodias eram bálsamos para as feridas dos "meus velhinhos".
O tempo passa depressa. A menina que os visitava tornou-se mulher e mudou-se para outras paragens. Eles se foram, um a um. O asilo hoje abriga outros tantos velhinhos. A última notícia que tive de irmã Glória foi que a irmandade a que ela pertencia deixou de existir e que ela voltou a morar com a mãe em sua terra natal.
Às vezes, quando passo por lá, pois que minha mãe ainda mora na mesma casa de outrora, paro no portão e fico olhando o jardim bem cuidado, a gruta no canto esquerdo, os bancos aonde eu me sentava. Sinto um desejo imenso de entrar, mas alguma coisa me impede.
A menina corajosa quer entrar. A mulher teme este encontro com o passado.
Mas vivo prometendo a mim mesma que uma hora vou entrar e com a mesma naturalidade de outrora conversar com os velhinhos de agora. Ficar amiga deles, sofrer por eles. Alegrá-los com minhas conversas, minhas brincadeiras.
Sei que naquele tempo eu era muito inocente e não me dava conta do sofrimento deles, mas alguma coisa forte dentro de mim me motivava a estar sempre lá, a brincar com eles, a dar carinho. Achava a coisa mais natural do mundo conviver com eles.
Não sabia direito essas coisas de abandono que hoje sei.
Temo me derramar em lágrimas com o sofrimento deles, pois quando ouço uma mãe contar que teve oito, dez filhos, que tanto labutou para criá-los, educá-los e prepará-los para a vida e agora está lá há anos sem receber uma visita de um deles, acho muito doloroso isso.
Os velhinhos tentam justificar o porquê dos filhos não aparecerem, sempre os perdoam e esperam pacientemente que eles venham. Nestas horas sinto vontade de buscar este filho e colocá-lo ali à sua frente.
Creio que é por isso que reluto tanto em entrar naquele asilo agora, mesmo sabendo que agora mais que nunca devo visitá-los.




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