Monólogo da Telespectadora
Dedicado aos críticos excelentes
As crianças, por via de regra, a partir dos dois anos de idade são transferidas para a escola. Ali, no seu presídio infantil decorado, elas fazem de tudo: rasgam, cortam com tesouras, colam, esfregam tinta em papel, e brincam. Em geral, existem vários brinquedos, alguns destinados a desenvolver os mais esconsos talentos. Os pais estejam em casa ou no trabalho, estão tranqüilos, porque seus filhos estão sendo educados por professores que acreditam que sabem o que fazem.
O mais importante é que a mãe se livrou por algum tempo, daqueles monstrinhos chorões, extremamente desastrados. Umas miniaturas de gente incômodas, que não a deixa se divertir e gozar a vida. Por isso, sente-se livre para fazer o que mais aprecia do mundo, ver televisão. Esta endemia crônica que aos poucos vai inibindo a criatividade do ser humano. E como assistente de telenovelas, é silenciosamente solidária com os mais humildes, que a mídia impede de pensar.
Ladainha da Costumeira
– Meu pimpolho dormiu. Agora fiquei livre das minhas obrigações, posso relaxar à vontade; fazer o que der na cabeça. A nossa vida é muito ingrata, a gente tem de aproveitar os momentos. Por isso tenho alucinação por televisão, adoro fantasia. Parece que foi para isso que nasci! Nela eu me realizo, me sinto outra. É tanto artista bonito! A gente só falta enlouquecer. As novelas são o máximo. É como o doce, vicia a gente. Será que é pecado pensar assim? Deve ser não. Não posso ficar sem ela, senão, fico como um peixe fora d’água! Alguns dizem que ela bloqueia a mente das pessoas. Não acredito nisso não, de jeito nenhum! Vá para o inferno quem inventou essa teoria. Que faça companhia ao sócio o quanto antes. Não gosto desses bichos agourentos não. Só falam de diarréia mental! Eles não são psiquiatras para entenderem de sintoma psíquico, nem psicólogos!... É só gente querendo mostrar sabedoria, não sabe nada! Não vejo graça no que dizem. Portanto, quero mais é satisfazer meus gostos, meus prazeres, chega de trabalho e de tristeza. Durante as cenas me sinto leve, sonho acordada. O resto nem escuto. Fiz minhas tarefas, basta, vou ver meus programas, que se dane! E é cada um melhor que o outro. Muita gente critica, fala mal, só porque não entende nada. É sempre assim: quem não entende, como é que pode gostar? É uma piada! Eu não vou perder meu tempo com essa laia, tenho mais o que fazer! Vejo tudo, principalmente programa de humor. “Sai de Baixo” acho sensacional, de alto nível. Aquele loirão danado que quer mostrar que faz tudo sozinho, sou “vidrada” nele. E ele odeia pobre, dá para perceber. Combina comigo, também não gosto. Fala o tempo todo disso, acho é pouco. Quem não quiser ouvir, que vá para um canal de ralé. Nosso canal é chique, é para quem pode. Ali tem muito dinheiro do governo; só publicidade cara. Ninguém é bobo não! Não sei porque o governo faz comercial, mas faz! Pode ser uma forma de agradecer. A programação alivia o povo de graça, e dá alegria! Se for esse o motivo, o presidente está certo. Por isso votei nele. Adoro sociologia. E só gosto de político desonesto e cínico. O “Jô Soares!” Vou gastar meu tempo com aquilo! Chama o sujeito para ficar falando, só falando, e o povo nem entende direito, coisa mais vulgar! Aquela conversa da Galisteu, no programa “É Show”, pode ser melhor para eles que querem ser os “tais”, eu detesto aquela sensatez. Programa sério, quem já viu! Prefiro o “Casseta e Planeta”. Acho muito criativo, é como se fosse feito sob medida para mim. Morro de rir com eles. Na minha opinião, é o melhor programa da tevê. O professor do meu filho vive malhando. Diz que não vale nada. Que é pouca-vergonha. Que, quando fala de gaúcho não tem senso de humor. Pensei logo: deve ser gaúcho com aquelas de machão. E o pior é que não é! Nasceu aqui! Diz que não passa de uma lengalenga de mau gosto. Um péssimo exemplo para as crianças. Um “anti-humor”. E tudo feito com espírito mesquinho para magoar os sulistas e ganhar a audiência da gentinha pateta, que só quer ouvir bobagem e rir à toa. Que não pode ser dirigido para um alvo só, nem ser repetitivo ou conter interesse. Que a falta de imaginação e criatividade não pode ser suprida pela mentalidade medíocre... Será que ele está certo? Não suporto ouvir isso. E falo mesmo: quem não presta é ele. Se eu não fosse cristã não iria me reprimir, mas sim dizer o diabo. Ele é um indivíduo boçal, é isto que ele é, e um farofeiro descarado. Por isso costuma perguntar aos alunos: vocês já viram comédia americana? E exclama: é fantástica! Totalmente diferente... É um humor sutil, sem deboche, e o desfecho nunca é antecipado como nos nossos espetáculos sem graça. Naquele país se faz humor de verdade. Aqui só se produzem chanchadas. Ele é americanizado e chato! Eu não quero nem saber o que ele pensa! Se for bom ou ruim, sou eu quem decide. É dessas “realidades” que eu gosto, porque mostra tudo, não quer saber de raça nem de nome. Não tem blablablá; é o fim da ilusão. Não tenho culpa, nasci para ser desse jeito, com disposição de espírito. Deus me perdoe se eu estiver sendo malcomportada. Porém, totalmente errada não posso estar. Pois ele quer que alguém faça alguma coisa útil à humanidade, e deixe que a multidão ele tange como gado. Meu vizinho fala que a televisão só faz o bem; que fez a mulher dele se tornar voluntária; só não sei de que! Essa “gentalha” de nada, que não tem idéia, que não sabe dar opinião, só os anjos para terem pena dela. Por isso, passo o dia na frente da tela. Livro! Não posso nem ver! Não suporto ler uma página! É muita letra junta para nada. Esse negócio de moral, não existe! Bom costume! Bom costume de que? Esses professores não sabem coisa nenhuma! Vou ocupar minha cabeça com isso! Sai para lá profeta do agouro! “Manobreiro”! Está pensando que a gente é massa para ser manobrada, enchida de preconceito, de “insignificância”? Vá fazer figas a outro. A mim não! Nós nascemos foi no país do humor, o que eles dizem é melhor não lembrar. Televisão estrangeira, via satélite, tudo repetido, é uma coisa sem lógica! Assunto de intelectual estudado. De pessoas que não perdem chance de aparecer. Depois, todo o mundo sabe que brasileiro só sabe copiar americano. Foi sempre assim! Talvez, por causa disso, nossa televisão é tão boa, uma das melhores do mundo. O que falta para o nosso povo, é emprego para ganhar muito dinheiro sem trabalhar, igual na câmara e no senado. Esse negócio de profissional é outra “bobagem”! É tudo um negócio só. É questão de oportunidade, o resto é conversa para enganar as “bestas”. A gente precisa ser esperta, se não for assim, não consegue é nada!
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