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Erotico-->25. PACTO DE VIDA E MORTE -- 26/09/2002 - 06:08 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Pela primeira vez, tomaram de Mário a maleta do instrumental cirúrgico. Quiseram pegar a pasta, mas ele abriu, mostrando que eram apenas folhas impressas que precisava entregar ao chefe.

Lá dentro, a voz do escuro foi atroando:

— Doutor, o Senhor sabe que está na cova do leão?

— Fui eu quem lhe pediu a entrevista. Conheço o poder dos bandidos, que só esse nome pode ser dado a quem faz ameaças às pessoas que trabalham para a comunidade, sem outro ganho que não seja a própria segurança. Se nos tiram a única regalia, assim mesmo depois de sofrer o seqüestro dos filhos, como é que se deseja que o povo reaja? Somente revidando à altura dos malfeitos, já que, a toda a hora, a gente vê os indefesos e desarmados sofrerem.

— Terminaste?

— Quero que vejas os depoimentos que trouxe, cópias daquele que deve estar em tuas mãos. Tenho muitas. É para assustar mesmo, que tenho necessidade de dar paz à família, caso contrário não adianta viver, se não se pode sequer sair de casa...

— Gostei de teres acompanhado a negrinha ao Centro Espírita.

— Fui porque desejava saber o que os espíritos podem oferecer para minha família. E fiquei muito contente em ter visto que estão protegendo a gente.

— Os espíritos protegem quem paga mais. Eu tenho o corpo fechado, tem bastante tempo. E cumpro a obrigação religiosamente. Quando chegar a minha vez, vou para o outro lado fazer o mesmo. A confraria a que pertenço está amarrada no amparo de todos, que todos temos precisão de gozar a vida e a morte, embora tenha gente que não entenda isso. Não foi isso que te disseram lá?

Mário era neófito. Quis arrogar beneméritos que não recebera e agora se via acuado por alguém que parecia conhecer. Mas não se apertou:

— As entidades são de todo tipo. Existem aquelas que protegem os que fazem maldades, os criminosos, os ladrões, os traficantes, os contrabandistas, os adúlteros, e outras que respeitam quem deseja o bem. Isso é da religião antiga, desde os tempos de Roma e de Atenas, como sempre foi na África. Apenas, os que coroam suas atividades com sem-vergonhice, quando vêem que estão perdendo terreno, debandam acovardados, deixando na mão os perversos.

Falava sobre o que não sabia, mas precisava não se deixar surpreender por nenhum argumento que favorecesse o criminoso.

— Isso veremos. A verdade é que o meu santo é forte e que tem muitos espíritos sob seu comando. Mas eu gostei de ver o Doutor falar de espiritualidade. Isso quer dizer que, se eu mandar a família pro cemitério, não irás ficar triste, já que todos irão tocar harpa no Céu, com os anjinhos.

A conversa se encaminhava para as ameaças. Não havia necessidade de apresentar outros argumentos.

— Se estás pensando que vou me vingar na criança internada, vais enganar-te redondamente. Sou médico e minha formação manda que preserve a vida e que não promova a morte. O teu filho está resguardado. Podes crer.

— Vejo que o Doutor tem seu ponto fraco. Se me tivesses dito que o pequeno morreria, talvez eu acreditasse e, aí, não terias tempo para mais nada. Mas não tentes ser mais esperto do que eu. Nesta hora, tem mais de quinze em derredor de tua casa, esperando que eu mande pôr fogo nela.

— Faz isso e tua vida vai ficar por um fio.

— Mas não estarás aqui para ver nada.

— Verei do plano espiritual. Esqueceste que a vida é vista e influenciada pelos espíritos. Posso não estar certo, mas será que terei a alma tão branda para perdoar tamanho disparate? Vejas que não digo crime, porque isso seria a emboscada da droga que vendes aos adolescentes e às crianças, para lhes tirar o poder da vida. Falo contigo a linguagem da inteligência e da moralidade. Sei que entendes o valor das palavras, mas que não consegues perceber a extensão da sabedoria. Até hoje, sempre trabalhei em silêncio e nunca me atrevi a dizer nada, que as metralhas falam mais alto. Mas o terror há de ter limites...

— Preparaste um bom discurso. O meu está preparado faz tempo.

Da escuridão saiu um clarão e o ruído de um estampido. O chumbo atingiu o chão, tirando faíscas.

— Ficaste contente porque errei o alvo? Queres ver como sou capaz de acertar?

— Nunca pus em dúvida a tua capacidade de matar. Sei que fizeste de propósito para me assustar. E, se eu disser que não estou me cagando todo, serás levado a me atingir a perna e, depois, a barriga, a cabeça, até não sobrar mais vida num presunto que mandarás atirar lá da pedra, para ser comido pelos urubus e pelos vermes, que estão se regalando com outros corpos. Mas não pretendo demonstrar heroísmo, bravura, nem quero bravatear coragem que não possuo. Estou com medo, mas é muito maior o desejo de te mostrar que perderás tudo o que possuis se concretizares tuas ameaças. Foi para isso que vim. Faz agora o que tem de ser feito.

— Belo discurso, doutor. Quer ouvir o meu?...

Cinco angustiantes minutos se passaram. Era a tática do terrorismo mais sórdido, o de sonegar à vítima a possibilidade de defesa.

— Vou dar uma rajada de metralhadora na tua direção. Vou fazer um gesto rápido. Desta distância, as balas vão distar uns vinte a vinte e cinco centímetros umas das outras, na posição em que estás. Queres rezar pros teus protetores, antes que eu atire?

— Não precisas disso para me deixar com medo. Já estou apavorado. Não foi para tranqüilizar-te que pedi a entrevista. Foi para ter paz eu mesmo. Sendo assim, tanto faz atirar como não atirar. Se me acertares, tanto pior. Posso sobreviver ou não. De qualquer maneira, a Justiça humana tomará conhecimento de tuas atividades e, através de Isabel, que nesta hora está muito bem protegida, irá descobrir-te e acabar com teus projetos de grandeza.

Ouviu-se o matraquear da arma. O clarão e o zunido das balas pareceu indicar a Mário que Leandro atirara para o alto.

— Ainda estás aí?

— Percebi que atiraste para cima. Será que estás mirando os protetores espirituais?

Mário sabia que Leandro queria que ele prometesse recolher as cópias dos relatórios. Isso ele não poderia fazer, se quisesse livrar-se do terror.

— Vejo que não irás ficar contente, se não te meter uma bala nos miolos.

— Penso que sobre esse assunto já conversamos. Se queres viver sem o perigo de eu te denunciar, livra-me da necessidade de cuidar de Isabel. É só o que te peço. Aí, não precisarei mudar, como já deves estar sabendo, porque o meu telefone está grampeado, e irei continuar a viver como sempre. Se pensas que encontrarás facilmente outro que venha operar aqui no alto, vais tirando o cavalinho da chuva.

— Quer dizer que abandonas a moça. Bela lição de moral!

— Ela entrou na minha vida e eu ajudei como pude. Agora, não dá mais. E você, o que fizeste por ela? Jogaste de volta à zona. E falas em vingança...

Leandro havia lido o manifesto da revolta de Mário, onde se registravam, inclusive, as conversas telefônicas com Isabel e as palavras corretas que lhe dissera. Não era documento que fizesse fé em juízo, mas comprovava que o médico se preparara para o encontro.

— Vamos fazer um trato. Isabel sai do Estado do Rio e a família do Doutor fica protegida do mesmo modo de antes, sem o risco, inclusive, de ter alguém desejos de levar-te algum dos filhos. Eu perdôo as orelhas...

— As orelhas não fui quem pôs debaixo do travesseiro do menino.

— Ora, Doutor, quem poderia ser?

— Eu não sei. Sei que não fui eu. Quer que eu jure?

— Jure!

— Pois juro, por tudo quanto é mais sagrado no Céu e na Terra, que não fui quem pôs as orelhas debaixo do travesseiro...

— Diz também que não mandaste colocar.

— ... e que não mandei ninguém colocar, nem por palavras nem por atos. Que posso fazer para que me entendas que não tive nada com isso?

Leandro se impacientava com outro problema. Estava dando muita trela ao médico e isso poderia repercutir mal entre os do morro que assistiam à cena da escuridão. Sabiam que Leandro não estava senhor da situação, o que o punha esquerdo em relação à segurança do tráfico. Precisava encerrar a entrevista de forma a reverter o clima de insegurança.

— Vou matar o namorado de Isabel, para demonstrar que estou falando sério.

— Quanto a mim, tudo bem. Já entendi que estou tratando com um homem de palavra. Mais um ou dois assassinatos não vão me fazer mudar de idéia. Se me permitires, entretanto, tenho algo a dizer a respeito.

— Em duas palavras.

— Em duas palavras. Por que estimular mais o ódio da moça, se pretendes ficar com Leandrinho? O mundo dá muitas voltas e, quando menos se espera, somos cobrados pelo que fizemos. É isso aí. Quem ama o filho, como dizes amar, não quer que a criatura amada sofra. (Enquanto não se via interrompido, Mário ia falando.) Bem sei que pensaste muito nisso, caso contrário já terias liqüidado com ela. Deixa em paz o homem, que é boa pessoa e que cuidará da moça, que, afinal de contas, é a mãe de teu filho.

— Então, o nosso pacto vai ser assim: você dispensa a moça, que deve desaparecer de circulação. Se algum dos meus vir que ela está no Rio, eu mato os dois. Era o que eu queria desde o princípio.

Mário percebeu que Leandro mentia. Mas achou conveniente não levantar essa lebre. Por certo, a mentira deveria ser para os comparsas.

— E eu seguro a divulgação da carta. Juro por Deus!



No caminho de volta, Mário vinha com o coração aliviado. Só não entendia por que falara tanto em espíritos, tendo, materialista, jurado por Deus. Estaria tornando-se falso como os criminosos que medicava?

Alfredo e Dráusio tinham tido acesso ao ambiente magnetizado pelas entidades do Centro Espírita, que formara extensa corrente vibratória, desamparando Leandro e comparsas dos defensores-obsessores. Baltazar e os três médiuns tinham ficado na terceira barreira, com a desculpa de que precisavam fazer um despacho. Para isso tinham levado a aguardente, a galinha preta e demais petrechos. Contavam com a alma supersticiosa dos guardas, mas não se atreveram a ir mais longe. Dali mesmo, conseguiram dar apoio ao trabalho do Irmão Barnabé e falange.



Marlene esperava ansiosa pelo marido. Quando este lhe disse que deveriam mandar Isabel embora, entristeceu-se, porque se acostumara com a moça ao pé de si. Enfim, sempre restava a esperança de irem visitá-la de tempos em tempos. Mas não dormiu mais até de manhã, que não sabia como dizer a ela o que se resolvera. Temia por reação que pusesse em risco o projeto de volver à paz antiga. Afinal de contas, antes dela aparecer, as coisas tinham outro ritmo. De qualquer modo, caberia a Mário ir buscá-la no hotel, onde se escondera. Ele que lhe desse a notícia.

Quando Mário voltou, chegou sozinho:

— Isabel não passou a noite lá.

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