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Erotico-->23. O FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO -- 24/09/2002 - 06:56 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Leandro quis aproveitar o domingo para treinar as façanhas náuticas. Impressionara-se com a moreninha tostada de sol. Precisava não fazer feio perante a jovem, se almejasse algo mais do que companhia feminina platônica e descomprometida.

Depois do lúgubre telefonema, esqueceu-se completamente de Isabel e da família do médico. Pôs o pessoal de compra e venda atarefado, recomendou ao gerente do restaurante que entregasse à Associação Comercial exatamente a quantia que solicitassem, mandou dobrar os gastos com a ornamentação natalina e fez várias ligações, em busca de saber onde poderia praticar o surfe e demais brincadeiras aquáticas, sob orientação especializada.

Havia vários. O que lhe demonstrou que os campeões esquiavam e pranchavam ali, foi ao qual deu preferência.

Assim varou o dia, queimando-se ao sol primaveril. À noite, além de exausto pelo exagero desportivo, estava febril, por causa da insolação. Pensou em chamar o doutor, mas pôs de lado a idéia. Riu com a lembrança de que Mário deveria estar apavorado. Encarregou um dos criados de encontrar alguém disponível e verificou que, no domingo à noite, só se buscasse plantonista de hospital. Foi o que fez, para não piorar. Constatou-se que as lesões eram superficiais, nada que alguns comprimidos e um pouco de pomada não resolvessem. Ficasse resguardado e só voltasse ao sol dentro de quinze dias, mesmo assim com filtro solar de boa qualidade, generosamente espalhado pelo corpo.

Na segunda-feira, precisou despachar da cama. Quando se levantou e deu atenção ao recado do espelho, não gostou do que viu. O lado escuro da progênie se manifestara vigorosamente. De moreno claro, podia dizer-se mulato escuro. Esquecera-se, completamente, desse pormenor, na ânsia de se equipar esportivamente para Maria do Carmo.

Chamou o contador e lhe pediu para levar recado escrito ao Gouveia. Temia os telefonemas. Quando precisava agir como membro da organização, utilizava o celular. Descreveu a sua desgraça, chamando-se de “imbecil” por tentar impressionar a neta do destinatário com habilidades que não possuía, e não escondeu o interesse por manter com ela relações de amizade. Declarava-se ao avô, deslavado e fogoso, como se o mundo lhe coubesse na palma de mão.

Gouveia recebeu mal a notícia. Gostava da neta e não apoiava a idéia de que ficasse tão intimamente relacionada com a quadrilha. Só se a isso se determinasse, por injunções do destino. Na verdade, a riqueza da família lhe fora dito que proviera da imensidão de lojas da rede de hipermercados, tendo-lhe sido escondida a parte relativa aos lucros com a droga e demais atividades correlatas do submundo do crime.

O contador voltou com a informação de que Gouveia lamentava o sucedido, deixando-lhe abertas as portas do escritório. Queria Leandro entender “casa”. O contador frisou “escritório”. A proposta do “empréstimo” continuava de pé.

Na hora do almoço, baixou o velho pirata à mansão do filho Lourenço. Especularia a presença de Leandro na imaginação de Maria do Carmo.

— Vô, aquele pernóstico é um imbecil! Vê lá se tem cabimento querer chegar-se a mim. Não tem idéia de nada. Conversei como quem conversa com um pé de couve. E o cara tomou o maior sol para me impressionar. Nem que fosse louca. Nem morta. ‘Tá cheio de gatinho atrás desta fera aqui. Esse idiota...

— Não precisa continuar. Se eu o trouxer para as festas da família, posso estar sossegado de que não será tratado melhor do que o João.

João era o apelido de um cão fila que tomava conta do gramado da casa de Lourenço. João e a companheira Maria, nomes, no mínimo, estranhos para os bichos de estimação.

— Atiço o João contra ele.



No final da tarde, Silvano apresentou-se com tremenda novidade:

— O hospital está em polvorosa. Encontraram... Encontraram, não. Raimunda encontrou três orelhas humanas debaixo do travesseiro de teu filho. Quem fez isso avisou os repórteres. ‘Tá cheio de jornalista. O Darci está todo atrapalhado. Como explicar...

— Estúpido. Como está o menino?

— Não tem noção do que aconteceu.

— Quero saber se foi molestado.

— Não. Estava dormindo tranqüilo. Raimunda é que se apavorou.

— Liga pra casa do Mário.

Foi pedir e ser atendido.

— Está na linha.

— Escuta aqui, imbecil...

— Escuto nada. Escuta, você. Que idéia foi essa de dizer a minha mulher que vai cortar as orelhas de meus filhos?

— Disse que faço e agora ninguém mais me segura. Que idéia maluca é essa de me ameaçar?

— Como ameaçar?

— Não dês de desentendido.

— Que desentendido, que nada. Quero saber que ameaça foi essa, porque não fiz nada.

— Que foi que puseste debaixo do travesseiro do meu filho?

— Travesseiro?... Não pus absolutamente nada.

— Então, mandaste alguém.

— Mandei o quê?

— Você está gravando esta conversa?

— Tenho todas as conversas gravadas. E tenho tudo por escrito, já devidamente depositado em cartório. Aliás, uma das cópias deve estar no morro à tua espera, porque eu entreguei a uma certa enfermeira. Mas, debaixo do travesseiro do Leandro, eu não coloquei nada.

O traficante desligou. A primeira idéia foi mandar três ou quatro assassinos para exterminarem a família. Se Isabel fosse junto, tanto pior para ela. Mas a figura de Gouveia erguia-se soberana à sua frente. Agora, quando demonstrara, com tamanha evidência, que sabia quem era na quadrilha, sua posição estava debilitada. Qualquer escorregadela iria fazer que perdesse a vida, porque a organização estava acima dos integrantes, quanto mais se estes representassem perigo.

“E se o infeliz estiver falando a verdade? Quem poderia ter feito a proeza do hospital? A mando do médico, não haveria chance. O cara não teria peito para formar um bando para enfrentar o narcotráfico. Só se fosse outra quadrilha. Teria o médico entrado em contato...”

— Silvano!

— Pronto!

— Os relatórios da casa de Mário?

— Todos transcritos em disquete, senhor.

— Ponha no micro.

Havia a descrição das atividades do domingo. Interessou-se pela segunda-feira. A visita do Delegado estava cheia de pontos de exclamação. Mas ele foi incapaz de sorrir. Nenhuma visita diferente. Nenhum cliente. A polícia não iria colocar as orelhas. Os telefonemas copiados revelaram que o casal procurava apartamento em local distante.

— Volta para o sábado.

Em certo trecho, informava-se que o patrão havia conversado com a dona da casa. As ameaças foram supressas.

— Silvano! Você sabe se dois grampos podem ser colocados no mesmo cabo?

— Perfeitamente.

— Um não pode detectar o outro?

— Não.

— Quer dizer que pode ter outra escuta na casa do médico?

— Quantas se quiserem. Até dentro da empresa de telefonia.

Leandro ficou extremamente apreensivo. Havia declarado nos telefonemas quem era em relação ao menino baleado. Não seria difícil de localizar os pacientes sob os cuidados de Mário. Mas, se quisessem atingi-lo de vez, teriam eliminado a criança. Se fossem os familiares dos policiais mortos ou os colegas deles que soubessem disso, não iriam titubear. Matariam ou seqüestrariam. Não iriam colocar orelhas debaixo do travesseiro.

— Liga pro Darci.

— Quem?

— O do Hospital, cabeça de bagre.

Silvano estava estranhando o procedimento de Leandro. Nunca o ofendera, mesmo quando se esquecia de informações importantes. A agitação lhe estava parecendo desproporcional. É verdade que...

— A secretária está passando a chamada.

— Pronto!

— Doutor Darci?

— Eu mesmo.

— É o pai do Leandro. Que está acontecendo?

— Acabo de me livrar dos jornalistas.

— Quero saber como está meu filho.

— Está melhor. Não permitimos que ninguém entrasse no quarto, além dos policiais, para a perícia. Já descobrimos que as orelhas foram extraídas dos cadáveres da patologia.

— Algum suspeito?

— Nem sombra. Pode ser qualquer um, porque, ontem, a noite esteve muito agitada.

— Encontra um hospital idôneo, que eu quero transferir a criança.

— Nem pensar.

— Como assim?

— Existe polícia por tudo quanto é canto. Tirar o menino daqui só por ordem judicial. No quarto, só entra o pessoal designado pela administração e aprovado pelo Delegado.

— Então, eu quero que o Mário fique de fora.

— Ele, não. Foi o primeiro que se apresentou, tendo sido recomendado pelo próprio responsável pelas investigações.

Percebeu que o médico se antecipara a ele nas providências. Estava em casa um momento antes. Enquanto um avaliava os relatórios, o outro correu para o hospital. Muito estranho.

Desligou sem mais. Estava atarantado. Levantou-se, colocou camisa de seda finíssima, para não magoar as queimaduras, e dispôs-se a convocar o médico, para entrevista no morro. Antes de ligar, o temor da interceptação fez que pensasse em voltar a utilizar os pombos-correio da favela. Não deu tempo. O celular tocou. Era a informante do hospital. Mário tinha pedido para que o conduzissem à noite para a favela. Precisavam conversar.



Alfredo e Dráusio começavam a se sentir personagens estranhas ao enredo da vida socorrista. Não tiveram acesso ao episódio das orelhas. Com José, não descobriram quem tinha colocado o funéreo aviso para Leandro. O teleprocessador de imagens não registrava recordação alguma quanto a Raimunda ou Orivaldo. O mais intrigante é que, quanto a Mário, havia interferências muito fortes, porque o hospital estava infestado de pessoas de vibrações pesadíssimas e o doutor estava sob tensão, odiando o desafeto, ansiado por encontrar meio de vingar-se dos horrores do medo. Só alcançavam distinguir as vibrações em favor dos filhos e de Marlene. Até quando se lembrava de Isabel, desestabilizava o aparelho receptor.

Os técnicos do Setor de Cadastro e Memória poderiam filtrar as imagens. Só o fariam, entretanto, se houvesse riscos para o planejamento superior relativo aos desempenhos espirituais idealizados para as regenerações em andamento. Assim, não lograriam José e, muito menos, Alfredo e Dráusio a restauração desse período.

Ao retornarem ao ambiente doméstico, encontraram de plantão os dois guardas anteriores. Estavam ressabiados. Não lhes interceptaram a passagem. Antes, se encolheram a um canto, tentando passar despercebidos. Desejavam, na verdade, poder presenciar tudo o que ocorresse ali, pois a lacuna das informações daquela fatídica noite lhes fora cobrada sob açoite.

Alfredo, tendo percebido a manobra, puxou conversa:

— Vamos nos integrar num mesmo grupo de protetores?

— Façam o seu e nós o nosso. Do jeito que está, está muito bem.

— Pois acho que poderia ficar melhor. Se estiverem dispostos a seguir conosco, podemos levá-los ao Centro de Treinamento de Observadores Humanos, para aprenderem a lidar com os encarnados.

— Não temos nenhum problema com eles.

— E com quem mais? Conosco? Então, poderão freqüentar o Curso de Administração de Fluidos Terapêuticos a Obsessores em Caráter Emergencial. Se não ficarem satisfeitos, ao menos, no futuro, poderão defender-se com mais...

— Vocês estão pensando...

— Não estamos pensando nada. Estamos oferecendo ajuda corretiva dos procedimentos em que falharam. Não foi essa a perspectiva de seus superiores?

Alfredo não brincava. Se estivesse sendo irônico, Dráusio o teria interrompido. É que, para tratar com aquele tipo de espíritos sofredores, só oferecendo algo muitíssimo concreto. Falar no “Bem, como Suprema Aspiração da Existência, para União Perfeita com o Criador”, simplesmente os colocaria a gargalhar.

Mas não adiantou. Os dois começaram a “exorcizar” as emanações vibratórias com que os socorristas pretendiam envolvê-los, de sorte que estavam tornando-se inamistosos. Era melhor desistir. Voltariam à carga, se os vissem mais castigados pelos erros cometidos, o que os protetores não teriam como evitar, dado que pretendiam exercer seu mister com proficiência.

Nessa hora, imprimiam-se as manchetes e reportagens sobre as orelhas.

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