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Artigos-->Os escritores alemães e o conflito no Afeganistão -- 17/11/2001 - 19:55 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Os escritores debatem sobre a guerra e não se satisfazem mais com opiniões fortes



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Por Uwe Wittstock

Trad.: zé pedro antunes



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"Quem toma um povo como refém, com a finalidade de impor seus interesses, é um criminoso civil e um criminoso de guerra. Bombardear o povo sérvio até lançá-lo na penúria foi um crime assim. Precipitar o povo afegão na miséria desmedida e alçar ao poder, por meio de bombas, um amontoado de bandidos corruptos que se chama Aliança do Norte, foi um crime desse tipo", escreve o escritor Franz Xaver Kroetz, e ele escreve também quem carrega, a seus olhos, a responsabilidade por esses crimes: os EUA.



Ainda que nunca formulados de maneira assim tão superficial, protestos semelhantes contra a guerra no Afeganistão podiam ser lidos nos últimos dias de parte de inúmeros escritores: Rolf Hochhuth, por exemplo, Walter Jens, Christoph Hein, Walter Kempowski ou Martin Walser. Absolutamente não é tão fácil enumerar todos os fatores que, na polêmica de Kroetz, são preteridos, falseados ou calados. Uma seleta: Que o sérvio Milosevic atacou primeiramente a Croácia, a Bósnia e os albaneses de Kosovo; que o Afeganistão, inicialmente, foi ocupado pela União Soviética e lançado na miséria; que os EUA sofreram um ataque terrorista sem precedentes, e que o Taleban não entrega os seus líderes; que os afegãos festejam o desmantelamento do Taleban.



Kroetz, portanto, coloca a situação diferentemente do que se poderia esperar de um escritor, não o fazendo de forma mais diferenciada, mais sensível, mais refletida do que um político, antes o faz de forma decididamente simplória – e com ele, alguns de seus colegas.



Com toda a simpatia que se possa ter por esses autores, em razão de seus indubitáveis méritos literários, é impossível fugir à suspeita de que eles, com algumas de suas declarações, verdadeiramente simplificam as coisas.



Quase que em nenhuma parte se deram a ler, nas declarações públicas de escritores alemães sobre as conseqüências do 11 de setembro, novos conhecimentos ou argumentos surpreendentes.



Em vez disso, o que se pode ler são atribuições de culpa surpreendentemente estereotipadas, precário conhecimento de causa e, apesar das mudanças substanciais ocorridas na situação mundial desde 1989, uma tendência notável a reiterar publicamente, e com palavras patéticas, uma opinião há tempos cultivada. Do ponto de vista intelectual, para dizer o mínimo, algo insuficiente.



Publicada neste veículo, a declaração dos escritores alemães em favor "da posição do governo alemão em relação ao conflito n Afeganistão" traz, se não novos argumentos, na verdade uma lufada de ar fresco ao debate. Os críticos da guerra no Afeganistão assumem de bom grado o status de dissidentes ou – como se dizia nos anos cinqüenta ou sessenta, quando muitos deles definiram suas tendências políticas – de não-conformistas. Mas, com seus apelos em favor da paz, são hoje veiculados em alguns dos jornais e revistas de maior tiragem no país. Na revista "Stern", conseguiram com o seu protesto até mesmo matéria de capa. Os que apóiam o governo alemão, ao contrário, que agora se articulavam, tiveram até aqui pouca publicidade, e uma coisa com certeza eles são: não-conformistas dentro do seu funcionamento literário, eles que se posicionam contrariamente ao fato de que, sobre um tema de tal interesse, não importa quem possa se arvorar a falar "em nome dos escritores alemães".



Para lançar mão de uma questão de princípio: Que papel podem hoje afinal representar os escritores numa democracia liberal em funcionamento, se questões políticas decisivas são discutidas abertamente de forma controversa? O que pode trazer uma tomada de posição mais ou menos brilhantemente formulada, a favor ou contra a guerra no Afeganistão, se tais tomadas de posição são destiladas diariamente por dúzias de políticas, atores, cantores de sucesso ou apresentadores de talk-shows? Eles realmente ainda enriquecem o processo de formação de opinião, ou não fazem senão participar de um show-business literário com aspirações à celebridade?



Numa observação mais atenta, escritores são especialistas da percepção objetiva e da formulação escrita destas percepções. Se eles, portanto, nas decisões sobre guerra e paz, conseguem oferecer uma contribuição específica, só passível de ser oferecida por eles, esta não consiste na verdade em guarnecer o noticiário veiculado diariamente com observações à margem, devedoras de uma determinada visão de mundo. Sua contribuição teria de ser, muito mais, tomar parte no acontecimento polêmico, portanto, vivenciar aquilo sobre o que os outros apenas debatem, para então, com essas experiências vividas, desarranjar, com conhecimentos inesperados, as bem-ordenadas linhas condutoras das discussões políticas.



Nos países anglo-saxônicos, costumam gozar de alta estima justamente aqueles escritores que do mundo viram bastante, antes de começarem a escrever sobre ele. V. S. Naipaul, agraciado neste ano com o Prêmio Nobel de Literatura, é um exemplo generoso desta tradição literária: Seus livros de reportagens sobre o Caribe, a África e o mundo islâmico se apresentam muitas vezes enviesados em relação aos padrões habituais de argumentação política, mas transbordam de observações e experiências pessoais – coisa que os torna tão instrutivos e tão incômodos para ideólogos de todos as colorações.



Foi justamente em cenários de guerra que escritores americanos e ingleses encontraram não apenas alguns de seus melhores temas literários, mas também e sempre notícias não condizentes com as convicções políticas correntes em seus países: George Orwell e Hemingway, da guerra civil espanhola; Norman Mailer, da 2a. Guerra Mundial; John Steinbeck e Graham Greene, do Vietnã; John le Carré, do Líbano e do Cáucaso.



Manter elevada a consciência da tarefa literária, não a própria opinião, tratando de perseguir as muitas e tantas vezes fragmentárias verdades da guerra nos próprios cenários das batalhas, tal característica é pouco marcante na literatura da República Federal da Alemanha. Hans Magnus Enzensberger foi por muito tempo um dos poucos viajantes a eventualmente trazer consigo notícias surpreendentes de outros continentes.



Mas, desde 1989, as coisas parecem estar mudando por aqui também: Bodo Kirchhoff, por exemplo, estava presente no vôo de embarque do exército alemão que iria intervir na Somália, tendo vivido a queda da ditadura nas Filipinas. Peter Schneider informou-se exaustivamente na Iugoslávia, antes de escrever sobre a guerra nos Balcãs. E Hans Christoph Buch acaba de publicar "Blut im Schuh" [Sangue no sapato], um volume com suas reportagens de guerra, que, de forma mais enérgica do que todos os apelos morais bem-intencionados, descreve a crueldade, mas às vezes também a inevitabilidade das guerras.



Talvez seja este o primeiro sinal de que os escritores de língua alemã, cada vez mais, estão abandonando o gueto da literatura forte em suas opiniões, mas, em última instância, distante da realidade. Seria um passo adiante nesse longo caminho da Alemanha em direção ao oeste.



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Escritores e publicitários a favor do chanceler Schröder



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Datada de 15.11.2001, a declaração publicada em Berlim, na qual autores alemães se posicionam favoráveis à política do governo alemão em relação ao Afeganistão.

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"Nós apoiamos a firme posição do governo alemão no conflito no Afeganistão. Consideramos falsas as análises daqueles que conclamam à abstinência do exército alemão na luta contra o terrorismo e sugerem, para a Alemanha, um caminho especial. Questionamos a afirmação de que os autoproclamados lutadores da paz estejam de posse de uma moral mais elevada, bem como decididamente negamos a responsabilidade, que para si eles reclamam, de falar em nome dos escritores e intelectuais alemães. Até o momento, o desenrolar dos acontecimentos no Afeganistão já esvaziou a maior parte de seus receios, e nós não queremos arcar com as conseqüências morais e políticas do caminho especial por eles aconselhada."





Peter Schneider, Hans Christoph Buch, Richard Herzinger, Günter Kunert, Herta Müller, Hans Joachim Schädlich, Wolf Biermann, Henryk M. Broder, Rafael Seligmann, Katharina Rutschky, Heinrich August Winkler, Inka Bach, Nicolaus Sombarth

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